quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Dia Nacional de Ação de Graças


“Agradeçam a Javé, porque ele é bom, porque o seu amor é para sempre!”
(Salmo 118, 1)

Em 1620, moradores de Plymounth, na Inglaterra, por causa de questões religiosas, deixaram sua cidade e vieram tentar a sorte nas Américas. No ano seguinte, devido à fartura na colheita, tais pessoas criaram o DNAG - Dia Nacional de Ação de Graças para renderem graças a Deus. No Brasil, em 1909, o pernambucano Joaquim Nabuco, embaixador do Brasil nos EUA, foi o primeiro incentivador da criação, no Brasil, do DNAG. Em 1949, o Presidente Eurico Gaspar Dutra estabeleceu que se celebrasse tal Dia na quarta quinta-feira do mês de novembro. Esta data foi modificada pelo Presidente Castello Branco, em 1965, transferindo-a para a última quinta-feira do mês de novembro. Todo ano, nesta data, celebra-se, no Brasil, o DNAG. Infelizmente, ainda é uma data esquecida e pouco valorizada por muitos.

Qual o significado desta data? Trata-se de uma data, eminentemente, religiosa. Os ateus não celebram este dia. Trata-se de uma data para quem acredita em Deus. O DNAG quer nos recordar que todas as coisas foram criadas por Deus, portanto, vêm dele e voltam para ele. Por isso, todo crente, independentemente de denominação religiosa, é convidado, neste dia, a agradecer a Deus pelas coisas boas da vida. É o dia da gratidão. Esta está se tornando atitude rara nas relações entre os seres humanos e na relação destes com Deus.

Numa sociedade onde a autosuficiência é cada vez mais estimulada pela competição e pelo individualismo, a ingratidão torna-se atitude comum. A pessoa autosuficiente pensa que se basta a si mesma. Na sua essência, somente Deus basta-se a si mesmo; mas sua revelação na história mostra, claramente, que Deus optou em fazer uma Aliança com o ser humano. A experiência missionária de Jesus de Nazaré é a prova por excelência: ele não inaugurou o Reino sozinho, mas chamou mulheres e homens para ajudá-lo na sua missão, e depois lhes confiou a continuidade da mesma missão.

A vida humana se dá no mundo e neste se faz presente a sociedade. As pessoas vivem em sociedade, associadas umas às outras. Ninguém é uma ilha, ninguém vive sozinho. Mesmo que fôssemos eremitas no deserto, sempre viveríamos a experiência da dependência. O ser humano depende das coisas e das pessoas para viver. Tudo é fruto da associação entre os humanos: a cama que utilizo para dormir, alguém a fez; o ar que respiro, vem de algum lugar; o livro que leio, alguém o escreveu e alguma gráfica o imprimiu; e assim, sucessivamente. Justamente por isso, é que dizemos que ninguém se basta a si mesmo.

Aprender a viver em sociedade é uma necessidade e um desafio para o ser humano: é uma necessidade, porque precisamos das pessoas, das coisas e das instituições para construirmos a nossa existência. A Sociologia e a Filosofia nos ensinam que somos seres sociais e políticos. Na sociedade somos autores e vítimas de ações, projetos, pesquisas, descobertas, progresso, retrocesso etc. A vida se desenvolve numa enorme e infinita teia de relações. Nós passamos toda a nossa vida nos relacionando conosco mesmos e com o mundo das coisas e das pessoas. Na sociedade e nas relações que acontecem na mesma nós inventamos a vida.

Viver em sociedade é um desafio. O ser humano em si mesmo é um desafio constante, é uma incógnita. Somos a espécie animal que, apesar de dotada de razão, não consegue compreender-se a si mesma, plenamente. Sempre nos surpreendemos com aquilo que somos e que conseguimos fazer. Somos mistério. Assim constituídos, encontramos muitas e infinitas dificuldades para con-viver. Dentre todas as espécies de animais, a humana, talvez, é a única que vive a experiência da autoextinção: os humanos matam-se uns aos outros, às vezes, sem motivo algum, por pura banalidade. O pensar e o intencionar são ocultos quando não revelados, daí surge o mistério do ser singular de cada pessoa e o escandalizar-se com suas imprevistas ações.

O Evangelho de Jesus nos põe um desafio: a frater-nidade. Aquele que crê em Jesus é convidado a manifestar tal crença através da fraternidade. Esta significa viver como irmãos. Como poderemos viver como irmãos se nos enxergamos, muitas vezes, como inimigos uns dos outros?... A pessoa que ver o outro como inimigo tem sérias dificuldades de viver a fraternidade. Na lógica do mundo dominado pelo ódio e pela vingança, o outro é o inimigo, e todo inimigo precisa ser eliminado. No Evangelho, que caminha na contramão da história, o outro é o próximo, o irmão. A cultura de morte que toma conta do mundo é legitimada pela visão do inimigo, ou seja, o inimigo tem que morrer porque é mal, porque é incurável.

As novelas, os filmes, as estórias criadas na literatura e muitas das manifestações culturais, sempre incentivam a imagem do inimigo. Até a religião, às vezes, sem querer, incentiva tal dilema: as pessoas boas vão para o céu, as más vão para o inferno. Já na catequese as crianças aprendem isso, e crescem rotulando as pessoas com os selos do bem e do mal. Isto dificulta a vivência da fraternidade e a conseqüente construção do Reino de Deus. A cultura do amor e da paz, que constrói através de posturas justas e éticas, somente acontece quando as pessoas mudam de mentalidade, quando passamos a ver o outro como o nosso irmão. Quando isto ocorre, o nosso eu passa a existir em função do outro (alteridade).

O DNAG nos recorda, também, o valor da solidariedade. Esta acontece na relação com o outro, este sendo visto como o próximo, não inimigo. Sensíveis às necessidades do próximo, no encontro com ele acontece o milagre da partilha. Aprendemos a partilhar somente através da solidariedade. Quem não consegue ser solidário não partilha nada com ninguém. A partilha fraterna, entre irmãos, nos oportuniza vivemos a experiência da amizade. É bom salientar que a gratuidade é uma das características fundamentais da solidariedade, da partilha e da amizade. Estes preciosos valores são vivenciados por pouca gente. São valores que, quando vivenciados pelas pessoas, tem o poder de construir um mundo melhor.

Assim sendo, além de toda e qualquer prática religiosa, interesse pessoal ou grupal, ambição e egoísmo, é urgente que incentivemos a prática da solidariedade que acontece na partilha. Sem a solidariedade, a religião e a vida humana perdem seu sentido. O ser humano se realiza na relação solidária com o outro, seu próximo; do contrário, continuaremos vivendo em meio a guerras como a que acontece, atualmente, no Rio de Janeiro, no Oriente Médio e em tantos outros lugares.

A fome, o preconceito e tantos outros males são oriundos da indiferença que legitima a falta de solidariedade. Não há meio termo: ou somos solidários ou odiamos o próximo. Somos livres para aderirmos a uma destas duas alternativas. Ninguém vive na inércia, todos nos posicionamos, e temos que, querendo ou não, arcar com as conseqüências de nossas escolhas. Agradeçamos, pois, a Deus pelo dom da vida e peçamos-lhe a graça de vivermos a fraternidade.


Tiago de França

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