domingo, 14 de novembro de 2010

A esperança que constrói o Reino de Deus


“Todos vos odiarão por causa do meu nome.
Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça.
É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida”
(Lc 21, 17 – 19).

O fim do ano litúrgico é marcado pela reflexão sobre as realidades últimas da história (dimensão escatológica da vida e da fé cristã). A Liturgia da Palavra oferece textos com linguagem e temas próprios: vigilância, perseverança, esperança, fidelidade, expectativa, perseguição, morte, vida, julgamento, recompensa etc. Falar sobre realidades metahistóricas é um desafio, pois não apresentam certeza. Pela fé vislumbramos a vida eterna, o estar em comunhão plena com o Deus da vida revelado em Jesus de Nazaré. Mas no que se refere ao como isto vai acontecer, ninguém sabe.

O passado e o presente nos são acessíveis, mas o futuro é desconhecido, e para muitos, incerto. Somos capazes de julgar e discernir o visível que se dá até a hora da morte, mas depois dela tudo é mistério insondável. O pós-morte escapa à nossa compreensão. Justamente por causa disso, tanta gente não acredita na vida após a morte. Para os que acreditam na Ressurreição de Jesus, esta se apresenta como garantia de que a vida continua após a morte. Esta põe somente um fim na vida material do corpo. Na sua filosofia sobre o ser, o filósofo alemão Martin Heidegger afirma que o homem é um ser-para-a-morte. Este ser é angustiado e inquieto.

Apesar da tragicidade da morte e da falta de certeza lógica a respeito da vida futura, penso que a morte não deve ser motivo de preocupação. Se ficarmos, demasiadamente, preocupados com a morte, esquecer-nos-emos de viver a vida. Isto tem acontecido com muita gente. O medo da morte tem o poder de nos paralisar, e até de nos tirar a vida. O cristão é a pessoa que pensa na vida plena, que é o Reino de Deus, mas que não fica sentado, esperando e desejando, ardentemente. A vida plena não pode ser esperada desse jeito. Quem assim procede, perdê-la-á, definitivamente.

Deus quis que Jesus viesse a este mundo e desse início a esta vida plena denominada Reino de Deus. Deus, desde a criação do homem e de todas as coisas quis que o homem colaborasse no processo de construção da vida plena, de modo que, quem quiser viver, precisa caminhar, deslocar-se. Foi assim no Antigo Testamento, quando vemos a ação profética de mulheres e homens que lutaram pela vida. O mesmo aconteceu com Jesus. Este se associou a mulheres e homens que o ajudaram a desempenhar a sua missão. Depois da experiência missionária de Jesus surgiu a Igreja, que até os dias de hoje, formada por mulheres e homens pecadores continuam a luta pela vida.

O Cristianismo é a religião do movimento, nele ninguém pode estagnar-se. O Espírito do Senhor recorda o Evangelho de Jesus e a marcha acontece na história. Essa marcha acontece numa luta constante contra as forças do anti-Reino que operam no mundo. Este se renova por meio da vida de mulheres e homens que se dispuseram, se dispõem e continuarão a se dispor a construir o Reino na espera laboriosa da parusia (volta) daquele que dará plenitude à construção histórica iniciada. Esta é a esperança cristã que não pode ser confundida com esperanças fundadas na ideologia e na ilusão. A esperança cristã é a esperança vivida por Jesus, a esperança que alimenta a luta dos empobrecidos.

Meditemos um pouco sobre os versículos 17 a 19 do capítulo 21 do Evangelho de Jesus segundo Lucas, que introduzem a presente reflexão e encerram o texto evangélico deste 33º Domingo Comum. Estes versículos traduzem o proceder do cristão autêntico que conhece em quem está depositando a sua confiança. Para uma total entrega no seguimento de Jesus de Nazaré é necessário conhecimento de seu projeto. Este projeto se dá na obediência à vontade de Deus. Tal obediência gera o projeto, o Reino de Deus. Este foi inaugurado por Jesus na plena obediência à vontade divina. Jesus obedeceu, fielmente, até a morte, e morte de cruz.

“Todos vos odiarão por causa do meu nome. Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça”. O nome de Jesus é sinônimo de caminho, verdade e vida. São valores e/ou realidades que o identificam. Em outras palavras, Jesus é o caminho, a verdade e a vida. Por causa disso, o cristão é odiado no mundo. O autêntico compromisso com a vida leva o cristão a denunciar as situações e combater os sinais de morte que se manifestam, insistente e horrivelmente. Esta denúncia e este combate provocam ódio no coração daquelas pessoas descomprometidas com a defesa e a promoção da vida. Para o cristão verdadeiro, a vida está acima da lei, das tradições e costumes, da religião e do saber. A vida está acima de tudo e deve ser colocada em primeiro lugar.

O verdadeiro compromisso com a verdade leva o cristão a denunciar e a combater a mentira e a confusão oriunda da mesma. Com posturas e palavras verdadeiras, o cristão desmascara a mentira isolada e a mentira sistematizada e/ou sistêmica. Esta última se mostra mais perigosa, porque é a mentira do sistema neoliberal que, enganando as pessoas, lhes promete vida plena. A mentira sistêmica, promovida através de ideologias que visam à alienação, leva as pessoas à limitação e/ou à morte de suas consciências, infantilizando-as e domesticando-as. Assim, as pessoas se tornam escravas, ou seja, massa de manobra. Elas, simplesmente, existem, ocupam lugar no espaço, vivem à mercê do mercado que, por sua vez, satisfaz e gera novos e insaciáveis desejos.

O verdadeiro compromisso com o caminho leva o cristão a colocar-se no caminho da justiça do Reino de Deus. Em meio aos descaminhos deste mundo, o caminho de Jesus existe como proposta desafiadora para mulheres e homens corajosos e audaciosos. Quem se coloca neste caminho, caminha com Jesus na contramão da história. Caminhar na contramão nunca foi ação aconselhável para ninguém, mas o projeto de Jesus sugere este caminhar. Caminhar com Jesus na contramão é a única via que leva ao Reino de Deus. Assim, é perceptível que o caminho de Jesus não oferece nenhuma segurança. Nele, se ganha a vida perdendo-a neste mundo. E o curioso é que o caminho de Jesus não se encontra, necessariamente, no Cristianismo. Ele está, também, fora e para além deste.

“É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” Muitas pessoas são iniciadas no caminho de Jesus, mas não têm coragem de se colocar nele. Há outras que se colocam no caminho, mas, dominadas pelo medo das ameaças e dos riscos, desistem. Há outras, ainda, que pensam que estão no caminho, mas, na verdade, estão distante dele. Jesus afirma que é preciso permanecer, e permanecer firmes, pois, somente assim, é que se pode ganhar a vida.

O tempo presente mostra que a vida não pertence aos que se esmorecem facilmente. A vida está reservada para quem caminha, luta e persevera na luta. A fidelidade ao projeto de Jesus até as últimas conseqüências é uma exigência evangélica. O Espírito Santo, força divina em nós, nos concede o dom da fidelidade e da perseverança até o fim. Ele nos guia e nos sustenta na viva esperança rumo à plenitude do Reino de Deus.


Tiago de França

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