terça-feira, 2 de novembro de 2010

Finados: Celebração da vida


A morte é uma experiência que causa medo em muita gente. Não é pequeno o número de pessoas que evitam falar e pensar na realidade da morte, mesmo sabendo que se trata de uma certeza. Todo ser vivo, mais cedo ou mais tarde, morrerá. Nem Jesus de Nazaré, o Filho de Deus, consubstancial ao Pai, escapou da morte. Esta se impõe a todos: ricos e pobres, negros e brancos, homem e mulher, cultos e incultos, fortes e fracos, religiosos e ateus. A morte passou a existir quando a vida surgiu. Isto não significa que a vida fez surgir a morte, muito pelo contrário, existe a possibilidade de encontrar vida na morte. Assim pensa o Cristianismo. Segundo este, a morte é o caminho para a verdadeira e plena vida.

Muitos estudiosos em Filosofia, desde os antigos gregos até os contemporâneos, pensaram a realidade da morte, mas não encontraram uma resposta que lhe conferisse sentido pleno. A morte é um mistério insondável. Muitas pessoas não acreditam na existência de Deus por causa do dilema da morte, pois não entendem nem aceitam o fato de poder existir um Deus que é bom, mas que permita a morte dos seres humanos e, muitas vezes, a morte trágica como, por exemplo, o genocídio de milhões de judeus no sistema nazista de Hitler, na Alemanha. Mesmo diante desta possível falta de explicação, há um dado que nos motiva a pensar: O homem é o único ser que tem a capacidade de dar sentido às coisas e à sua própria existência. Assim sendo, o homem pode, também, dar sentido à própria morte.

Cada religião e cada cultura têm sua interpretação e sua maneira de encarar a morte. A visão cristã da morte é muito simples e chega a ser bela. Há certa beleza na morte, porque se trata de uma experiência de passagem, de reencontro com o Criador de todas as coisas. Trata-se de um retorno à origem de todas as realidades criadas. A Escritura Sagrada revela que saímos de Deus, estamos em Deus e vamos para Deus. Nesta perspectiva, toda a nossa vida está direcionada para Deus. A partir desta compreensão, a morte perde o seu caráter desastroso e melancólico e se transforma numa realidade de plenitude e felicidade. A vida torna-se leve e tranqüila quando a entendemos como passagem.

O despojamento é um valor vivenciado pela pessoa que sabe que não é deste mundo. De fato, se pararmos para pensar, a nossa vida não passa de setenta, oitenta e, às vezes, cem anos. O tempo não para, a gente nasce, cresce, envelhece e morre. Se não crermos na continuidade da vida após a morte, qual o sentido da vida presente?... Valeria a pena viver uma vida que só durasse no mais tardar, cem anos?... Se assim fosse, poderíamos afirmar que nascer e viver na perspectiva do fim definitivo com a morte do corpo não seria coisa boa. Assim pensa o cristão que acredita na vida eterna. Se há pessoas que suportam a convicção de que tudo termina com a morte do corpo deve ser porque não parou para pensar, profundamente, na realidade da própria morte.

Vejamos outro detalhe da nossa existência: O ser humano vem ao mundo sem trazer nada consigo, e sai deste mundo sem levar, absolutamente, nada. Isto significa que não temos nada, nós só nos utilizamos das coisas para viver ou para morrer. O ser humano passa pelas coisas, e dependendo do uso que faz delas pode construir-se ou destruir-se a si mesmo. Muita gente não tem paz, não vive em paz por causa do mau uso dos bens. Estes têm matado muita gente.

Sempre encontro gente morta nas ruas e praças, principalmente nos centros comerciais, gente que não faz outra coisa a não ser usufruir, exacerbadamente, os bens materiais. Cultiva-se, excessivamente, o prazer em detrimento da vida. As pessoas transmitem um ar de felicidade, mas não fundo não são infelizes, pois são tomadas pela angústia e pelo tédio, pela desilusão e pelo medo de si mesmas, procuram no consumo o sentido para suas vidas. Muita gente morre buscando o ter, numa procura incansável pela satisfação dos desejos. Este estilo de vida pode ser chamado de fútil.

O vazio é o resultado de uma vida pautada na busca incessante das satisfações desmedidas. O homem, muitas vezes, comporta-se como se nunca fosse morrer, como se esta vida durasse eternamente. Para não pensar na própria finitude, as pessoas fogem de si mesmas numa vida barulhenta e atarefada. O medo do encontro consigo mesmas está presente e incomoda. Quem sou eu, de onde vim e para onde vou são indagações evitadas, pois podem causar angústia e desespero. É comum encontrarmos as pessoas com pressa, preocupadas e insatisfeitas consigo mesmas: eis o problema do mundo pós-moderno.

A experiência que Jesus de Nazaré fez da morte merece uma palavra. Jesus teve medo da morte, mas não temeu nem fugiu dela. Ele sabia que precisava doar a vida pela vida do mundo e para a salvação do gênero humano. Ele conseguiu viver, plenamente, a vida humana; não morreu frustrado, mas deu sentido à sua morte. A morte de Jesus tinha e tem um significado salvífico, ou seja, com sua morte aquele que nele acreditar passou a ter a certeza da vida eterna. Esta é uma dádiva divina oferecida através da morte e ressurreição de Jesus. Por isso, ao morrer na carne o cristão não morre, mas vive eternamente. Desde o batismo, passando pela participação na Eucaristia que nos faz irmãos e sendo assistido pelo Espírito, o cristão já tem em si mesmo a vida eterna.

A morte de Cristo exige do cristão a experiência da cruz, pois a Escritura diz que para ressuscitarmos com Cristo precisamos morrer com ele: “Se formos, de certo modo, identificados a Jesus Cristo por uma morte semelhante à dele, seremos semelhantes a ele também pela ressurreição” (Rm 6, 5). Identificar-se com Cristo significa permanecer unido, assumir as mesmas posturas, colocar-se no caminho, tornar-se participante do mistério pascal de Cristo, buscando viver uma vida semelhante à dele. O fiel seguimento de Jesus de Nazaré leva-nos à participação na sua morte e ressurreição. Quando estamos identificados e enraizados no Cristo, a morte não nos mete medo. O cristão de verdade não vive preocupado com a morte.

A morte de Jesus ensina-nos, ainda, a lição da liberdade plena. Quando contemplamos o Cristo crucificado, estamos diante de um homem plenamente livre. Quando se entregou às autoridades judaicas para ser crucificado, Jesus o fez com plena liberdade, pois era um homem livre, despojado de tudo e de todos. Ele não era preocupado com os bens, porque não os possuía. Nada o impedia de entregar-se e de doar-se a si mesmo pela salvação de todos. As autoridades dos judeus não tinham poder algum sobre Jesus, pois ele era, humilde e simplesmente, livre. Na história do mundo nunca existiu nem vai existir um homem livre como Jesus, nem a morte conseguiu contê-lo e/ou aprisioná-lo.

Seguir Jesus no caminho da liberdade que conduz à verdadeira vida significa abraçar o seu mandamento: O AMOR. Este tem o poder de nos libertar do medo da morte. O amor preenche o vazio provocado pelas nossas fugas e frustrações, constrói o Reino e cria a eternidade. Somente quem ama consegue viver em paz e gerar um mundo de paz. O amor combate a morte de todas as coisas e nos faz íntimos de Deus, confere-nos a verdade que unida à fé nos liberta de todos os limites e prisões que possam existir neste mundo. Jesus venceu a morte porque acreditou e viveu o amor, nós também venceremos se fizermos a mesma coisa. A morte não é o ponto final de nossa vida, mas o re-início e a nossa entrada definitiva no Reino de Deus. Portanto, a força que predomina não é a da morte, mas o poder do amor que supera todas as coisas.


Tiago de França

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