sábado, 20 de novembro de 2010

Jesus Cristo: imagem do Deus invisível


“Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado” (Lc 23, 42).

A Palavra de Deus fala da autorevelação de Deus ao mundo através de Jesus de Nazaré. Este revelou-nos o Deus que nos salva. A salvação trazida por Jesus é o Reino de Deus. Isto significa que toda pessoa que estiver disposta a seguir Jesus precisa estar disposta, também, a aderir ao projeto de Deus, o Reino. Esta é a Boa Notícia que a Igreja deve anunciar ao mundo. O anúncio do Evangelho de Jesus é o anúncio da autorevelação amorosa de Deus em Cristo Jesus.

As atitudes e palavras de Jesus revelaram o Deus até então desconhecido. Ninguém jamais viu a Deus, afirma Jesus no evangelho segundo João; mas toda pessoa que viu Jesus, viu a Deus. O mistério da unidade de Jesus com o Pai e o Espírito é incompreensível à razão humana. Esta não consegue compreender o mistério insondável do Deus Uno e Trino. Só podemos falar daquilo que nos foi revelado. Toda a revelação é passível de compreensão, porque foi assim que Deus quis. Deus quis que compreendêssemos seu mistério de amor revelado em Jesus.

Assim, não adoramos a um Deus desconhecido, mas ao Pai de Jesus, que nele se tornou também nosso Pai. Em Cristo Jesus temos a graça de chamar a Deus de Pai. A relação paterna é de intimidade. Tal relação se dá no cotidiano comum da vida humana. Deus se relaciona conosco ao modo das relações que se dão entre os seres humanos: na simplicidade que se desdobra na acessibilidade. Em outras palavras, Deus não instituiu uma nova modalidade de relacionamento. Ele se dá em nossas relações, é por isso que afirmamos que Deus está no outro.

A leitura, meditação e prática do Evangelho de Jesus levam-nos ao outro, que é o nosso semelhante, o próximo de quem fala Jesus. Ninguém pode compreender a mensagem do Evangelho sem passar pela experiência do encontro com o outro, pois tal encontro revela o Evangelho e este revela Deus. Neste sentido, o outro é o lugar do encontro com Deus. Depois de ter compreendido isto, a Igreja passou a compreender-se a si mesma como instrumento de salvação do mundo e no mundo.

A opção preferencial pelos pobres, necessidade evangélica descoberta pela Igreja latino-americana desde Medellín até os dias de hoje, mostra-se o sentido mais profundo do Evangelho; de modo que, não se pode compreendê-lo fora de tal opção. A opção pelos pobres foi a opção de Jesus e deve ser a opção da Igreja. Foi na mesma opção que Jesus nos revelou o Deus invisível, que em sua carne se tornou visível a todos. A partir disto, a reflexão teológica passou a ensinar que o Deus e Pai de Jesus se encarnou na história.

O poder, o prestígio e a riqueza são três obstáculos que tem impedido muita gente de fazer a experiência do encontro com Deus no encontro das realidades e necessidades do próximo. Toda pessoa apegada ao poder, ao prestígio e à riqueza não tem condição de ir ao encontro das necessidades do próximo, ou seja, tais pessoas não conseguem viver o mandamento maior do Evangelho de Jesus: o amor. Desde que o ser humano tomou conhecimento destes três obstáculos, a humanidade se encontrou, gravemente, comprometida pelos males oriundos deles.

Quem tem poder quer ter cada vez mais, a mesma coisa acontece com quem tem prestígio e riqueza. São três males, essencialmente, antievangélicos; que geram e alimentam as forças da morte neste mundo, as forças do anti-Reino. Estes males são tão evidentes e, conseqüentemente, tão fortes que sequer muitas mulheres e homens da Igreja escaparam nem escapam deles. Antes de adentrarmos, brevemente, neste aspecto, é preciso confessar que as mulheres pecaram e pecam menos em matéria de poder, prestígio e riqueza, pois na Igreja elas não exercem o poder.

Tanto na Igreja quanto na sociedade, a mulher não tem os mesmos direitos que os homens. Na Igreja, elas não participam da hierarquia, pois não podem receber o sacramento da Ordem. Após o Concílio Ecumênico Vaticano II, com a busca de valorização do leigo, a mulher ganhou certo destaque, mas mesmo assim, não conseguiu integrar o corpo hierárquico da Igreja.

Mesmo sabendo que, quem mais coordena as pastorais e anima a Igreja são as mulheres, é preciso reconhecer que o poder de decisão delas é inferior ao dos homens. Na sociedade, além de ser vítima da exploração por parte de muitos, a mulher possui salários menores que os homens e, às vezes, no desempenho das mesmas funções. A consolidação democrática, que vai se dando aos poucos, e o reconhecimento dos direitos da mulher estão mudando esta realidade. Hoje, diferentemente de outras épocas, a mulher chegou até a Presidência da República, como é o caso do Brasil e de outros países.

O Deus revelado em Jesus de Nazaré é o Deus da vida, vida abundante para todos, independentemente de cor, sexo, religião, cultura e/ou condição social. A Igreja, para ser defensora e promotora da vida, precisa renunciar ao poder, ao prestígio e à riqueza. O testemunho de Jesus de Nazaré é de total despojamento destes três males, seguindo seu exemplo, a Igreja deve fazer o mesmo, do contrário, jamais vai conseguir cumprir o mandato missionário de Jesus: “Vão pelo mundo inteiro e anunciem a Boa Notícia para toda a humanidade” (Mc 16, 15).

Para ilustrar, cito um nome importante da Igreja no Brasil, exemplo de seguidor de Jesus, despojado de todo poder, prestígio e riqueza: Dom Pedro Casaldáliga, Bispo Emérito da Prelazia de São Félix do Araguaia, MT. Trata-se de um homem que é Bispo, poeta, escritor, missionário e profeta. É um exemplo raro de Bispo pobre, materialmente falando. É um profeta do Reino de Deus, homem discreto e autêntico no seguimento do Cristo pobre que se fez servidor de todos. Quem visita Dom Pedro Casaldáliga volta para casa com a convicção de que se encontrou com um homem santo.

Dom Pedro Casaldáliga renunciou a condição de Príncipe da Igreja e se tornou um pobre missionário no caminho de Jesus. Ele não precisou renunciar à sua missão de Bispo. Sua vida aponta para a Igreja que devemos construir: pobre entre os pobres. Somente uma Igreja pobre e obediente ao Evangelho consegue anunciar Jesus ao mundo, do contrário, fala-se muito bem e bonito, mas ninguém escuta. O anúncio é constituído de três elementos fundamentais: a pessoa, a palavra e a ação.

Quem anuncia é a pessoa, ou seja, o ser humano inserido no mundo e agente da própria história. Esta pessoa não fala de si nem para si, mas fala Jesus para o mundo. E para que o anúncio frutifique dando vida ao mundo e construindo o Reino, o anunciador procura, apesar da condição humana e, conseqüentemente, limitada, agir conforme aquele a quem anuncia. O missionário anuncia a verdade que liberta vivendo tal verdade, anuncia através da palavra e da vida. Isto é seguimento de Jesus e revelação de Deus ao mundo.

A solene celebração litúrgica de Cristo, rei do universo, que se dá neste Domingo não é a celebração de um rei ao modo deste mundo, mas daquele que se fez pobre entre os pobres para inaugurar o Reino de Deus. Portanto, é a celebração do compromisso com a justiça que constrói o Reino. Quem quiser participar deste Reino não poderá alcançá-lo pela mera aclamação jubilosa ao rei Jesus, mas, somente, através do anúncio da justiça e da verdade que liberta, integralmente, o ser humano.


Tiago de França

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