terça-feira, 29 de março de 2011

Padre José Comblin: profeta da Igreja dos Pobres


Falar sobre a vida e a obra do Padre José Comblin é uma atividade desafiadora, pois viveu, escreveu e profetizou por muito tempo no seio da Igreja e da sociedade. Foi um homem de uma inteligência rara e de um testemunho profético que ajudou muita gente a se colocar no caminho de Jesus. Meus pais e eu tivemos a graça de conhecê-lo. Para nós, era o profeta da Igreja dos Pobres. Homem autêntico e audacioso, teólogo perspicaz e cristão atento aos sinais dos tempos. O medo de falar a verdade nunca fez parte de sua vida, era de uma sabedoria e prudência admiráveis.

De onde veio, por onde andou e o que fez

Veio de Bruxelas (Bélgica), onde nasceu no dia 22 de março de 1923. Depois de cursar Filosofia e Teologia, no dia 9 de fevereiro de 1947 foi ordenado presbítero. Em Lovaina, doutorou-se em Teologia.

Foi vigário cooperador e professor de Teologia no centro de formação para seminaristas em serviço militar, em sua terra natal, de 1950 a 1958. Sentindo-se chamado para a missão Ad gentes, veio para o Brasil, em 1958. No Brasil, Chile, Equador e Bélgica, Padre José Comblin atuou como orientador de cursos para comunidades de base, professor de Universidades e Seminários, conferencista, pregador de retiros e fundador de experiências missionárias e de institutos de missionários para o meio popular.

Padre J. Comblin era amigo e assessor teológico do grande pastor e profeta Dom Hélder Câmara. Este o acolheu em 1965, em Recife – PE. Em Pernambuco, Padre J. Comblin se tornou, além de assessor do “Arcebispo vermelho” (apelido de Dom Hélder Câmara), professor do Seminário Regional do Nordeste.

Nosso teólogo trabalhou muito. Era incansável. Sua disposição e empenho na luta pela construção da Igreja dos Pobres o tornaram um teólogo respeitado e admirado na Igreja em todo o mundo. Os que faziam oposição à Igreja dos pobres o tinham como inimigo. Sua humildade, simplicidade e paciência no falar impressionavam a todos. Era requisitado por grupos, Igrejas, centros de formação, seminários e Universidades para discorrer sobre temas complexos. Muita gente ia ao seu encontro, pois sabia que a verdade ia ser dita com todas as letras, sem receios.

Seu jeito de fazer Teologia

Padre J. Comblin não escrevia tendo em vista dinheiro e prestígio, como fazem muitos teólogos na Igreja. Sua linguagem teológica era simples, não há dificuldades em compreendê-lo. Ele escrevia Teologia para todas as culturas e pessoas. Tinha uma facilidade incrível de discorrer sobre a história da Igreja, tecendo críticas fundamentadas na verdade dos fatos. Era conhecedor profundo da história da liberdade e da libertação na Igreja e no mundo, mestre da Sagrada Escritura e da tradição.

Não era teólogo de gabinete nem “teólogo papagaio”, mas original e possuidor de uma santa ousadia. Falava a partir da realidade dos empobrecidos porque vivia no meio deles. Por isso, não conhecia os pobres através das páginas ideológicas dos jornais e revistas, mas fazia Teologia vivendo pobremente entre os empobrecidos. Sua produção teológica tinha como preocupação fundamental a libertação integral dos empobrecidos. Era um militante nas lutas por liberdade.

A teologia combliniana era marcada pela ligação entre fé e vida, livre da alienação e da falsa ortodoxia. O seguimento de Jesus de Nazaré e o Reino de Deus eram seus temas preferidos e permeiam sua vastíssima obra teológica. História, política, sociologia e análises das conjunturas social, política, econômica e eclesial faziam parte do seu labor teológico e sempre caracterizaram o seu jeito de pensar a Teologia. Seus diversos artigos nas diversas revistas teológicas chamavam a atenção do leitor. Exemplos claros são seus escritos na Agenda Latino-americana, na REB – Revista Eclesiástica Brasileira e na Revista Concilium.

Padre J. Comblin: crítico da Igreja

Seguindo o exemplo de Jesus de Nazaré, que criticou a religião de seu tempo, Padre J. Comblin denunciava as infidelidades da Igreja: “Ora, a Cúria romana tem um programa que é semelhante ao de toda burocracia: não perder nada do seu poder, mas, à medida do possível, aumentá-lo sempre mais. A Igreja tornou-se cada vez mais burocrática, sem outros projetos que não sejam o fortalecimento do seu próprio poder. Da Cúria emanam, sem cessar, novos documentos que impõem novas regras, mais rigorosas do que as anteriores, com aplicações cada vez mais rigorosas do direito canônico. Nada disso tem utilidade. Tudo é simplesmente afirmação de poder, sem conteúdo real” (COMBLIN, José. A profecia na Igreja. São Paulo: Paulus, 2008, p. 282). Esta citação é apenas uma de suas críticas à Cúria Romana.

Alguém pode contradizê-lo? É mentira o que ele afirma? Estaria ele ressentido ou angustiado, como afirmou recentemente um prelado da Igreja? Será que Padre J. Comblin foi um crepúsculo de profeta? Jesus foi chamado de louco e blasfemador porque denunciava a hipocrisia e a corrupção dos religiosos de seu tempo. Padre J. Comblin foi um cristão que se colocou no caminho de Jesus e orientou a Igreja a fazer o mesmo. Para isto, com toda a liberdade de espírito não se cansou de denunciar a hipocrisia e a corrupção que existiram, que existem e que sempre existirão no interior da Igreja.

O profeta é o mensageiro divino que não permite que a Igreja se esqueça da sua missão fundamental: a construção do Reino de Deus. Padre J. Comblin ensinou que a Igreja nasceu para se colocar a serviço do Reino de Deus, mas não se trata de se colocar pela via do discurso ou do teatro (mimetização e uniformidade), mas através da prática do amor afetivo e efetivo para com os empobrecidos. Estes são os prediletos de Jesus e o Reino de Deus é construído a partir deles. Esta foi a mensagem fundamental da profecia combliniana.

Padre J. Comblin foi acusado de não amar a Igreja. Para os ultraconservadores de plantão, amar a Igreja significa não criticá-la, mas aceitar, passivamente, tudo o que ela proclama. Aqui não me refiro à Igreja Povo de Deus, proclamada pelo Vaticano II; mas à Igreja-hierarquia ou Igreja-poder. Esta última aprecia servos obedientes, que se enquadrem na uniformidade, que escutem e reproduzam, fielmente, suas orientações e normas.

Um profeta não consegue viver no enquadramento. O Espírito é livre e libertador, e a Escritura atesta que quem se deixa conduzir por ele não sabe de onde veio nem para onde vai. Padre J. Comblin pregava a liberdade e a libertação e sempre procurou pautar a sua vida naquilo que pregava, ou seja, na liberdade. Proclamava sobre os telhados a verdade porque era um homem livre, desapegado e constituído de autoridade espiritual e moral. Ele, a exemplo de Jesus, não falava o que as pessoas queriam ouvir, mas aquilo que o Espírito mandava falar. Foi uma testemunha fiel da Ressurreição de Jesus de Nazaré.

Na Bahia, num encontro de formação para animadores de comunidades de base, atividade corriqueira de seu ministério profético, aos 88 anos de idade, sentado numa cadeira, como Jesus sentado à beira do poço de Jacó, no III Domingo da Quaresma de 2011, na manhã do dia 27 de março, cinco dias após a celebração de seu aniversário natalício, Deus o chamou para junto de si, para o convívio dos eleitos. Parentes, amigos, alunos, leitores e admiradores choram de alegria e gratidão pelo seu testemunho missionário na Igreja e no mundo.

O Espírito está trabalhando, cotidianamente, para nos oferecer outras profetisas e profetas, a fim de que a Igreja não se desvie completamente do caminho de Jesus. Alguns ainda existem e estão profetizando. Há outros que estão surgindo, e outros, ainda, que surgirão. A profecia na Igreja é como a semente plantada na terra, que germina e ninguém sabe como. De uma coisa temos certeza: Na Igreja, alicerçada no sangue dos Apóstolos, a profecia jamais cairá. Por isso, os doutores da lei e fariseus hipócritas jamais estarão livres da verdade proclamada pelos profetas em todo tempo e lugar. A esperança dos pobres não pode morrer. Os profetas, com suas palavras e gestos, alimentam-na. Esta é a vontade de Deus. Quem ousa contrariar a vontade de Deus?...


Tiago de França

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