domingo, 29 de maio de 2011

O amor e a promessa de Jesus de Nazaré


“Quem acolheu os meus mandamentos e os observa, esse me ama” (Jo 14, 21).

O amor, a observância dos mandamentos de Jesus e a promessa do Espírito Santo são temas centrais do texto evangélico deste VI Domingo de Páscoa (cf. Jo 14, 15 – 21). A efusão do mesmo Espírito aparece na 1ª leitura (cf. At 8, 5 – 8. 14 – 17), e São Pedro, na 2ª leitura, ensina-nos que Jesus recebeu nova vida pelo Espírito depois de ter sofrido a morte em sua existência humana (1 Pd 3, 15 – 18). Meditemos, pois, a respeito do mandamento por excelência de Jesus: o amor. Infelizmente, amar se tornou um verbo ambíguo e relativo nas relações entre os seres humanos, mas para quem busca viver a fé cristã, o amor é fundamental.

“Se me amais, guardareis os meus mandamentos”

Só consegue observar os mandamentos de Jesus quem se arrisca a viver o amor. Tais mandamentos podem ser resumidos na prática do amor. Mas, segundo o Evangelho, o que é o amor? Jesus ensinou com a vida que o amor não pode ser confundido com discurso, com bons sentimentos para com o próximo, com simpatia, nem com delicadeza. Estas coisas não traduzem o amor.

O que fala do amor de verdade são as atitudes, os gestos e/ou a solidariedade. Os ensinamentos de Jesus exigem o seguimento radical que se dá na adesão ao seu projeto: o Reino do Pai. Só quem ama pode aderir a tal projeto. Amar Jesus é aderir à sua pessoa. Quem diz que ama Jesus, mas desconhece seu projeto é mentiroso. Há pessoas que amam Jesus desconhecendo sua proposta. Estas pessoas vivem numa ilusão!

“Rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da verdade”

Jesus sabia que precisava voltar para junto do Pai e para não deixar os discípulos órfãos, promete-lhes rogar ao Pai que lhes envie o Espírito Santo. Ele assegura a vinda do Espírito, está seguro que o Pai vai enviar. Primeiro ele chama o Espírito de um outro defensor. Ele sabia que seus discípulos precisavam de cuidado e atenção. O Espírito defendeu os discípulos até o momento justo e necessário do martírio.

Depois, Jesus denomina o mesmo Espírito de Espírito da verdade, ou seja, aquele que vai revelar toda a verdade e os fará lembrar todas as coisas que lhes ensinadas. Os discípulos darão testemunho da verdade inspirados pelo Espírito da verdade. Esta, quando proclamada, liberta todo ser humano de toda mentira, ilusão e confusão. Sendo Jesus a própria Verdade, os discípulos o anunciarão para a vida do mundo.

“Não vos deixareis órfãos. Eu virei a vós”.

Com estas palavras, Jesus prova, de fato, o que Mateus recorda no início do seu evangelho: “Ele será chamado pelo nome de Emanuel, que quer dizer: Deus está conosco” (Mt 1, 23). Na pessoa de Jesus, Deus Pai arma sua tenda no mundo e jamais abandona seu povo peregrino nas estradas sofridas da existência.

Deus Pai permanece junto de cada filho/a. Esta permanência nunca é quebrada pelas infidelidades dos/as filhos/as. Isto acontece porque o Pai conhece a cada um de nós e sabe de que somos feitos. Seu amor é tão grande que o torna incapaz de nos abandonar. Por isso, com toda razão nos ensina o apóstolo Pedro: “Coloquem nas mãos de Deus qualquer preocupação, pois é ele quem cuida de vocês” (1 Pd 5, 7). Amor pressupõe cuidado.

“Naquele dia sabereis que eu estou no meu Pai e vós em mim e eu em vós”

Guiados pelo Espírito Santo, a pessoa está intimamente ligada ao Pai e ao Filho. Na verdade, é a Trindade, Deus mesmo, quem permanece conosco. Está unido/a ao Pai significa agir conforme a vontade deste Pai, que quer somente o nosso bem. O Pai quer que o obedeçamos no amor não para ser simplesmente glorificado através de nós, mas para que nele tenhamos plenamente a vida e sejamos felizes. Ninguém é objeto da glorificação divina. Deus não nos usa, mas nos ama.

O cristão aprende com Jesus a amar a Deus e ao próximo como a si mesmo. O Filho é o maior exemplo de amor afetivo e efetivo para com o Pai através das mulheres e homens. Em outras palavras, Jesus amou o Pai através das pessoas com as quais conviveu. Ele foi enviado pelo Pai para amar o ser humano até as últimas conseqüências, até a doação da própria vida, gesto supremo de amor.

“Quem me ama será amado por meu Pai, e eu me manifestarei a ele”

Deus Pai se manifesta naquele que ama Jesus. Quando olhamos a vida de quem ama Jesus percebemos logo a manifestação divina. Quem ama Jesus tem uma vida alicerçada na justiça e na verdade que transformam o mundo. Guiada pelo Espírito, que manifesta a força de Deus, a pessoa se mantêm fiel ao projeto libertador de Jesus. A fidelidade ao projeto divino não vem das forças da pessoa, mas da manifestação da força divina.

Não se trata de manifestação midiática, que chama para o sucesso e/ou para o prestígio; também não significa explosão de milagres nas Igrejas e praças. Deus se manifesta silenciosa e discretamente como a semente que germina na terra sem que ninguém perceba. Deus se manifesta na discrição, no silêncio, na humildade, na simplicidade e nos gestos concretos de amor e justiça de quem se dispõe a construir seu Reino.

Por uma Igreja que ama servindo os excluídos

A Igreja não nasceu em função de si mesma, mas em função da vida do ser humano e do mundo. A vida está constantemente ameaçada, portanto, a Igreja tem uma missão a cumprir. É inegável que ela tem se esforçado muito para cumprir o envio missionário de Jesus. Infelizmente, de uns tempos para cá, a realidade eclesial tem mostrado que a Igreja anda muito preocupada consigo mesma, com a manutenção e sobrevivência de suas instituições em detrimento da missão que lhe foi confiada.

Isto é perceptível no esfriamento da profecia. Alguns falam do abandono da profecia. É verdade que temos profetas e profetisas, mas poucos. Os demais homens de Igreja, que procuram, traindo Jesus e seu Evangelho, salvaguardar a própria vida, pecam demasiadamente por omissão. São diversas as realidades nas quais o povo se parece como ovelhas que não tem pastor. Os lobos do mundo devoram as ovelhas e os pastores estão ocupados com questões burocráticas dos “currais” bem aquecidos e confortáveis, com condutas e estilos de vida reprováveis.

A solidariedade para com os últimos da sociedade é a missão da Igreja pensada pelo Vaticano II e pelo recente Documento de Aparecida (V Conferência do CELAM). Alguns membros da Igreja assumem com coragem e ousadia profética tal solidariedade, mas, de modo geral, o que assistimos são os altos investimentos no devocionismo (construção de novos santuários para novas peregrinações) e o crescente apego às classes abastadas da sociedade. Estes são dois dos principais problemas do cenário eclesial atual, há muitos outros. As grandes causas do Reino do Pai não são prioridades na agenda da Igreja.

Mártires: pessoas que amam a Deus

Nesta semana, os jornais noticiaram o assassinato de José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, sindicalistas no sudoeste do Pará. Adelino Ramos, presidente da Associação Camponesa do Amazonas também foi assassinado a tiros nesta sexta-feira, 27 de maio. Estes irmãos e esta irmã denunciavam a extração ilegal de madeira na região Norte e estavam sendo ameaçados. Infelizmente, não foram os primeiros mártires da terra, nem serão os últimos.

O que levou estes irmãos e esta irmã a doarem a própria vida em favor da vida da floresta amazônica? Os mártires confiam na força de Deus que se manifesta neles. Impelidos pelo Espírito Santo não têm medo de denunciar as injustiças. Este Espírito os impulsiona a falar a verdade, a enfrentar os criminosos, a lutar por um mundo melhor. A morte destes dois irmãos e desta irmã é sinal vivo da manifestação divina em favor da vida do povo sofrido.

Estes irmãos e esta irmã, que lavaram suas vestes no Sangue do Cordeiro, gozando da plena liberdade podem dizer com o apóstolo Paulo: “Combati o bom combate, terminei a minha corrida, conservei a fé. Agora só me resta a coroa da justiça que o Senhor, justo Juiz, me entregará naquele Dia; e não somente para mim, mas para todos os que tiverem esperado com amor a sua manifestação” (2 Tm 4, 7 – 8). Que o Espírito não deixe faltar ao mundo e à Igreja pessoas dispostas a doarem a vida por causa de Jesus e seu Evangelho de vida e liberdade.


Tiago de França

domingo, 22 de maio de 2011

Jesus de Nazaré: caminho, verdade e vida


“Não se perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tende fé em mim também” (Jo 14, 1).

No texto evangélico deste V Domingo da Páscoa (cf. Jo 14, 1 – 12), Jesus se apresenta como o caminho, a verdade e vida. São Pedro afirma que ele é também “Senhor, pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e honrosa aos olhos de Deus” (cf. 2ª leitura: 1 Pd 2, 4 – 9). Qual o significado destas palavras para nós hoje? Em At 6, 1 – 7 (1ª leitura), Lucas faz referência à importância da oração, da pregação da palavra de Deus e do serviço às mesas como anúncio, que leva à aceitação da fé em Cristo Jesus. Meditemos, pois, sobre as implicações práticas do anúncio de Cristo enquanto caminho, verdade e vida.

“Não se perturbe o vosso coração”

Desde quando revelou aos discípulos que iria morrer na cruz, Jesus falou de seu retorno para o Pai. Isto não significa que Jesus abandonou seus discípulos. Ele assegura-lhes a preparação de um lugar, “a fim de que, onde eu estiver, estejais também vós”. Jesus está unido aos seus seguidores e às comunidades cristãs fundadas por eles. Quando estamos com ele, não devemos ficar perturbados, pois o ressuscitado é a segurança de nossas vidas. Contra toda perturbação Jesus exige fé em Deus e nele, e assegura também que no Reino do Pai há lugar para todos.

Num mundo no qual as pessoas estão cada vez mais individualistas e materialistas, as dificuldades que enfrentamos para sobreviver tornam-se maiores e têm levado muita gente ao desespero. Não é pequeno o número daqueles que perdem a esperança num mundo melhor. Multiplicam-se as que desistem de viver. Depressões, nervosismo, impaciência, intolerância e perturbações de toda ordem tornaram-se problemas comuns em nossos dias. Quase ninguém reserva tempo para o silêncio que leva à autoescuta de si mesmo. Isto explica a verdade de que o desconhecimento do outro passa pelo autodesconhecimento de si mesmo. Se não me interesso pela construção de uma vida pessoal autêntica, como vou me interessar pelo bem do outro?...

Jesus é o caminho

Quando disse aos discípulos que eles sabiam para onde iria, eles logo responderam: “Senhor, nós não sabemos para onde vais. Como podemos conhecer o caminho?” Estas palavras são sinceras. De fato, eles não estavam entendendo nada. Jesus continuava sendo um mistério para eles; não sabiam quem era Jesus, nem de onde veio nem para onde iria. Até hoje, há pessoas que estudam a vida de Jesus, mas não sabe quem ele é. Ninguém consegue conhecer verdadeiramente Jesus através da Cristologia, mas somente através da experiência da adesão à pessoa dele. Aderi-lo é segui-lo.

Para seguir Jesus há um caminho e tal caminho é ele mesmo. Compreender esta verdade é fundamental para o cristão e para a vida da Igreja. Jesus é o caminho que leva ao Pai: “Ninguém vai ao Pai senão por mim”. Para construir o Reino de Deus, a pessoa precisa seguir Jesus e para seguir alguém precisamos trilhar um caminho, pois não se caminha no vácuo. Somos peregrinos neste mundo, mundo de caminhos e descaminhos. Caminhar no caminho que é Jesus significa conhecê-lo, porque para chegarmos aonde queremos precisamos conhecer o caminho.

Eis uma questão fundamental: Aonde queremos chegar? Se quisermos construir o Reino do Pai, se desejamos pertencer a este Reino e nele nos encontrarmos com o Pai, só há um caminho que nos leva com toda a segurança: Jesus de Nazaré, o Messias. As riquezas, o prestígio, o poder, a ciência, a sabedoria deste mundo etc.: Nenhuma destas coisas é o caminho, mas somente Jesus de Nazaré. O mesmo se pode afirmar da Igreja: esta não é o caminho que leva ao Pai, mas instrumento que pode ser encontrado no caminho. O caminho não é propriedade exclusiva de nenhuma das Igrejas cristãs. A missão da Igreja é ajudar as pessoas a caminhar em Jesus de Nazaré, sendo que ela mesma deve ser a primeira a se colocar no caminho.

Quem procura levar uma vida conforme o Evangelho de Jesus, certamente, está no caminho. No Evangelho se encontra a norma que deve orientar a vida daquele que se colocar no caminho: o amor. Por isso, podemos afirmar que quem ama de verdade está no caminho. O Evangelho é Jesus, Jesus é Deus e Deus é amor: eis o caminho que leva à vida plena. Dentro e fora da Igreja podemos encontrar descaminhos: pessoas e ocasiões que podem nos desviar de Jesus. Se nos deixarmos guiar pelo Espírito que faz brotar em nós o amor, jamais nos afastaremos daquele que é o caminho que leva ao Pai.

O Evangelho revela que Jesus de Nazaré representa um risco muito grande para seu discípulo. Segui-lo pressupõe o comprometimento da própria vida. Tal comprometimento até as últimas conseqüências leva ao martírio, gesto supremo da doação da vida no caminho: eis o motivo pelo qual a maioria das pessoas se recusa a seguir Jesus de Nazaré. Decisão, maturidade, consciência, coragem, disponibilidade, doação e profecia: são algumas das exigências para se colocar no caminho.

Jesus é a verdade

Num outro trecho do Evangelho segundo João, Jesus afirma: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8, 32). Acreditar que Jesus é a verdade significa viver com autenticidade. Ele é a verdade que liberta integralmente o ser humano. Viver segundo a verdade é um desafio possível, mesmo em meio a uma sociedade que prega a mentira e a confusão. O cristão é chamado a ser luz em meio às trevas da mentira que reinam neste mundo. A verdade põe um fim na mentira e desmascara o mentiroso.

Na vida da Igreja, encontramos o testemunho das profetisas e dos profetas: mulheres e homens portadores da verdade do Evangelho. A profecia não é uma verdade humana, mas a verdade evangélica dita através de pessoas humanas para a vida do mundo. Os profetas e profetisas são pessoas que se deixam conduzir pelo Espírito Santo, que ousam anunciar o Evangelho de Jesus de Nazaré em meio às estruturas opressoras do mundo; são livres porque só obedecem ao que o Espírito diz e pede, seu testemunho é de liberdade e verdade.

Jesus é a vida

Jesus foi enviado para nos conceder a vida. Nele está escondida a nossa vida. Acreditar que Jesus é a vida significa comprometer-se com a defesa e a promoção da vida. No Evangelho encontramos Jesus vivendo no meio das pessoas marginalizadas, pessoas que tinham a vida ameaçada e tirada. O Pai enviou Jesus ao mundo porque quis restituir a vida ao ser humano. Por isso, Jesus se colocou do lado dos empobrecidos, opondo-se a toda forma de exploração do ser humano. Ao entregar-se na cruz, num gesto de fidelidade até o fim, e ao ressurgir dentre os mortos, em Cristo o Pai concede-nos vida plena. Sendo caminho, verdade e vida, Jesus revelou o Pai ao mundo.

Mais do que em outras épocas, a vida se encontra gravemente ameaçada. Não somente a vida do ser humano, mas também a vida do planeta. Assim, o cristão e a Igreja precisam fazer uma opção clara e efetiva pela vida que está sendo agredida e extinta. Mais do que constatações e denúncias contra a exploração do homem e do planeta, se faz necessário somar forças com pessoas e organizações numa luta efetiva contra a morte do planeta e, consequemente, contra a morte do ser humano e de toda a criação.

Neste sentido, há um exemplo a ser citado e reconhecido no Brasil: a luta de Dom Erwin Kräutler e das comunidades indígenas contra a construção da usina hidroelétrica de Belo Monte, em Xingu – PA. Trata-se de uma luta profundamente evangélica porque visa à defesa da vida de tantos irmãos e irmãs indefesos. Em meio a uma terra onde a lei é a do mais forte, este Bispo da Igreja tem sido a voz dos sem voz. A experiência missionária de Dom Erwin Kräutler fala profeticamente para a Igreja que sofre com as tendências à recessão e com o abandono da profecia.

Hoje, Domingo (22 de maio), a Irmã Dulce, o “Anjo bom da Bahia”, foi beatificada em Salvador – BA, onde serviu a Deus. Qual o significado desta beatificação para a Igreja no Brasil? A Irmã Dulce manifestou a maior virtude que torna uma pessoa santa aos olhos de Deus e do mundo: o amor afetivo e efetivo para com os pobres.

A Igreja deve aprender com a Irmã Dulce a se colocar no caminho de Jesus: ocupar o lugar dos últimos assumindo, assim, as suas dores e dilemas. O “Anjo bom da Bahia” nos ensina que Jesus precisa ser amado nos pobres. Venerá-la significa se colocar no caminho que ela se colocou: o caminho da prática do amor aos últimos. A Igreja precisa reaprender com a Irmã Dulce o autêntico sentido da santidade: amor traduzido na doação da própria vida. Concluo esta reflexão com um dos pensamentos da Bem-aventurada Dulce dos Pobres: “O bem ao próximo tem mais valor quando operado em silêncio e com a consciência de que todo o bem que podemos proporcionar é por graça e vontade de Deus”.


Tiago de França

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Venancinho e o abandono da juventude


Desde que cheguei a Campina Verde – MG, ouço falar de um famoso jovem chamado Venancinho. Segundo o que se ouve falar, trata-se de um jovem ladrão, menor de idade, conhecido por todos, que já vitimou muitas pessoas e famílias. Ontem, 18 de maio, Venancinho completou 18 anos. Devido ao excesso de jargões a respeito da personalidade deste jovem, achei por bem redigir uma breve reflexão sobre o estado em que se encontra a juventude brasileira.

Quem é Venancinho?

Há duas respostas para esta pergunta: uma, corresponde à realidade do jovem em si mesmo e a outra, refere-se ao que a sociedade prega a respeito dele. A respeito da realidade do jovem pontuemos algumas informações: negro de família pobre; usuário de drogas desde os onze anos; estudou até à 5ª série em escola pública; preso várias vezes; foi internado uma vez para tratamento, mas se recusou a se recuperar; teve uma infância comum; não sofre de distúrbio mental; nascido e criado na periferia da cidade; conviveu com pai alcoólatra; enturmado com adolescentes e jovens usuários de drogas; incorre facilmente para o latrocínio e à desordem. Esta é a realidade de vida do Venancinho.

De modo geral, o povo campinaverdense rotula-o como um fino ladrão, capaz de desordens sem limites. Digo de modo geral porque sempre existe quem pensa diferente. Que os roubos e outras desordens acontecem disto ninguém duvida, pois são muitas as pessoas vítimas das ações criminosas do mesmo. A presente reflexão não quer inocentá-lo disso. Contra a veracidade de tais fatos não há argumento contrário. Qual é, então, o problema da opinião pública a respeito do Venancinho? Na expressão das pessoas encontramos dois gravíssimos problemas, a saber: a falta de preocupação pelo ser humano e a demonização da pessoa.

O ser humano, mesmo sendo capaz de pensar e neste pensar julgar e discernir a realidade, costuma construir juízos sem levar em consideração as causas que levam aos fatos. No caso do Venancinho, infelizmente, não se pergunta pelas causas que o levaram ao estado em que o mesmo se encontra. Há uma pergunta reveladora e fundamental: Por que ele age dessa maneira e não honestamente? Esta indagação levar-nos-á às causas que explicam as ações maléficas cometidas pelo jovem em questão. Há ainda uma segunda pergunta que nos interessa: Por que as pessoas não se perguntam pelas causas?...

A resposta à segunda pergunta é simples: Porque as pessoas não querem assumir responsabilidade para com o acusado. E, mais que isto: as pessoas, agindo dessa forma, demonstram a ausência de autêntica preocupação pela vida do outro. Lamentavelmente, numa sociedade que prega e vive o individualismo que se traduz nas expressões “salve-se quem puder” e “cada um cuide de sua vida”, o outro deixou de ser motivo de preocupação e cuidado. Desta falta de preocupação e cuidado surge a demonização do outro.

Só há uma intenção na demonização de pessoas e instituições: a eliminação das mesmas. Costuma-se demonizar com o intuito de se ver livre de alguém ou algo que está incomodando, que está causando dor na consciência. A demonização do outro ocorre direta ou indiretamente, portanto, consciente ou inconscientemente. O inconsciente coletivo, formado pela cultura da eliminação do outro, prega e vive a ideologia que gera a morte das pessoas. Por isso, é comum escutarmos as pessoas afirmar: “Só a morte dá um jeito em Venancinho!”

Há um forte sentimento de vingança e morte no inconsciente coletivo. Citemos um exemplo para entendermos melhor: os EUA assassinaram o terrorista Osama bin Landen. Esta morte foi motivo de festa até altas horas da madrugada nos EUA. Será que não há algo errado em festejar o assassinato de uma pessoa? Há quem diga: “Sim, foi justo festejarmos, pois se tratava de um terrorista”.

Barack Obama e tantas outras pessoas disseram: “A morte de Osama bin Laden fez justiça às suas vítimas”. Há justiça na morte do injusto? O Deus da vida e Pai de Jesus responde claramente nas Escrituras: “Por minha vida, oráculo do Senhor Iaweh; certamente não tenho prazer na morte do ímpio; mas antes, na sua conversão, em que ele se converta do seu caminho e viva” (Ez 33, 11). Por que os EUA não prenderam e não condenaram Osama bin Laden à prisão perpétua? Porque a intenção era matá-lo.

O genocídio da juventude no Brasil

O Brasil é um dos países onde há o maior número de jovens assassinados no mundo. No ranking da UNESCO, o terceiro lugar nos pertence. Quem são os jovens assassinados no Brasil? Geralmente, são pobres, negros, analfabetos funcionais e os mal escolarizados, moradores das periferias das grandes e pequenas cidades, e os jovens sem profissão definida. O Estado é desprovido de políticas públicas eficientes para a defesa e a promoção da juventude brasileira. Quando o Estado aparece é para reprimir, prender e executar os jovens.

A Escola e as Igrejas também não sabem lidar com a juventude e, além de não saber, pouco se preocupam e buscar soluções. Na Escola, cada jovem matriculado significa dinheiro do FUNDEB. A verba vem por cabeça. Por isso, expulsá-los, jamais! O vício sistêmico ordena que o estudante, mesmo sem estar preparado deve passar para a série seguinte. Faltar com a educação de qualidade não é crime, crime é perder o estudante; pois perdê-lo é prejuízo financeiro para os cofres públicos dos governos municipais. Nas Igrejas, a juventude não é priorizada e, quando isto acontece, busca-se enquadrar dogmaticamente os jovens sem promovê-los em sua dignidade. Como os jovens não gostam de verdades prontas e impostas, a religião é desprezada por eles.

Na Família, o jovem não encontra espaço para viver, pois a maioria das famílias está totalmente desestruturada. Há uma confusão e uma crise nos papéis exercidos na Família. A conseqüência disso é evidente: a rua e os guetos tornam-se os lugares comuns onde os jovens podem ser encontrados. Destituídos de valores humanos, morais, religiosos e éticos, a juventude, de modo geral, fica desnorteada e cai nos porões desumanizadores da humanidade: drogas, prostituição, violência e tantos outros males.

“Irmãos, o que devemos fazer?” (At 2, 37)

Esta foi a pergunta que os judeus fizeram aos apóstolos após a exortação de Pedro a respeito da ressurreição de Jesus de Nazaré. A resposta de Pedro, entre outras palavras, foi: “Convertei-vos...” As instituições do Estado, da Família e das Igrejas precisam de uma séria conversão estrutural, e tal conversão passa pela defesa e promoção da vida humana. A vida do ser humano deve ser priorizada. Políticos, magistrados, promotores e defensores públicos, pais e mães de família, pastores evangélicos, clérigos católicos e demais lideranças religiosas; enfim, todo ser humano deve, em seus pensamentos, palavras e ações defender e promover a vida. Priorizar a vida significa reorientar intenções e atitudes.

Enquanto as mencionadas instituições não aprenderem a trabalhar em parceria, a juventude brasileira continuará abandonada. Soluções emergenciais e, portanto, momentâneas não resolvem. A solução está na mudança da mentalidade e na conversão das estruturas de poder. Os jovens não são maus nem rebeldes por si mesmos, há fortes estruturas e influências que os levam a serem do jeito que são. Ninguém nasce mal nem se torna mal porque quer. Na sua natureza mais íntima, o ser humano detesta e repudia a maldade.

Considerações finais

Para concluir, voltemos ao caso do jovem Venancinho. Este, ao completar 18 anos no dia de ontem, entrou para a lista dos objetos de desejo de morte de muitas pessoas. Percebe-se que a maioria da população espera, ansiosamente, pela notícia da morte do mesmo. Os menos maliciosos esperam que ele responda, enquanto adulto, pelos crimes cometidos. Há outros, ainda, que com terço e marcação de Missas, rezam para que seja eliminado de vez. Todas estas pessoas pensam que a morte do rapaz vai resolver o problema da violência e das drogas em Campina Verde.

A participação na Eucaristia torna-se gesto de plena condenação para as pessoas que demonizam e desejam a morte de quem quer que seja. Por mais criminosa que seja uma pessoa, esta não merece a morte. Todos queremos viver e viver bem. Alegrar-se com a morte do pecador é um pecado grave. Quem professa a fé cristã sabe que Jesus optou pelos desvalidos e mal afamados do seu tempo. Assim sendo, o cristão está desautorizado a julgar e condenar o próximo. O mandamento do amor, fundamental no seguimento de Jesus de Nazaré, pressupõe misericórdia e solidariedade.

A verdadeira atitude do cristão em casos como este deve ser evangélica. Certo dia, escutei de um Padre jesuíta, missionário no nordeste: “Quando não podemos ajudar uma pessoa, não podemos atrapalhar a sua vida. Quando não soubermos nem pudermos reforçar sentimentos positivos, não podemos reforçar o negativo do outro nem lhe levantar falso testemunho”. Cremos que estas palavras valem para todos quantos tomarem conhecimento da situação do Venancinho.

Rogo ao bom Deus que este jovem não venha a ser tragicamente assassinado. Peço também que o socorro lhe venha a tempo. Mas se vier a acontecer a morte prematura deste pobre e odiado rapaz, de quem será a culpa? De acordo com a presente reflexão e com a consciência verdadeiramente livre de toda contaminação ideológica, peço ao leitor que responda no tempo oportuno.


Tiago de França da Silva
Campina Verde – MG, 19 de maio de 2011.

Obs.: Texto escrito para os membros do Curso de Formação Popular de Bíblia, grupo com o qual trabalho semanalmente.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Uma palavra sobre a evasão de seminaristas dos Seminários da Igreja


Introdução

A evasão de seminaristas dos Seminários da Igreja é tema de estudos e análises por parte de estudiosos católicos e dos membros do Serviço de Animação Vocacional das Dioceses, Congregações e Institutos de Vida Apostólica. Ultimamente, tem aumentado o número daqueles que deixam o processo formativo e diminuído o número dos que ingressam nos Seminários. Ou seja, saem muitos e entram poucos. A situação é mais agravante nas antigas ordens e congregações religiosas. A conseqüência maior desta situação é a falta de presbíteros e de missionários para a evangelização do mundo. Alguns aspectos nos chamam a atenção. Há motivações e causas que levam à evasão dos seminaristas. Discorramos, pois, brevemente, sobre algumas delas e sobre outros aspectos referentes.

1 – A seleção dos candidatos. A Pastoral Vocacional busca acompanhar aqueles que se apresentam com o desejo ou a vontade de ingressar no Seminário. Trata-se de uma experiência de encontros, visitas, leituras e conhecimento superficial da instituição e da vocação. Após os escândalos de pedofilia ocorridos no seio da Igreja, o Vaticano tem orientado para que se faça uma seleção mais rigorosa dos candidatos às ordens sacras. Não se sabe se nas bases vão dar ouvidos ou não à recomendação do Vaticano. O que se constata é que, de fato, tal recomendação é, urgentemente, necessária. Entende-se por seleção mais rigorosa levar cada vez mais a sério o processo de seleção dos candidatos, tendo em vista a formação de presbíteros preocupados e comprometidos com as grandes causas do Reino de Deus.

2 – Seminário: lugar de aburguesamento? O Seminário é, por vezes, acusado de ser um lugar de aburguesamento, ou seja, lugar em que se adquire uma cultura burguesa. De fato, os seminaristas não realizam a experiência do trabalho. São pouquíssimos os seminaristas que trabalham para a manutenção e subsistência de suas Casas de Formação. Eles são quase que inexistentes. A maneira como a formação está estabelecida não permite que os seminaristas tenham trabalho remunerado. Apesar do alto valor das despesas, a Igreja optou por livrar os seminaristas do competitivo mercado de trabalho. Assim, alimentação, moradia e estudos ficam por conta da Igreja. Nas Congregações, depois da emissão dos primeiros votos, os religiosos têm todas as despesas custeadas.

Por ser um processo que dura de sete a nove anos (dependendo da instituição), boa parte dos seminaristas se deixam levar pelo espírito burguês, pois sua condição não permite saber o quanto custa a vida no mundo. Quando procuram saber, só lhes é permitido na teoria. Antes do Concílio Vaticano II, os seminaristas não sabiam de nada daquilo que acontecia no mundo, pois a formação era, plenamente, interna. Ou seja, tudo acontecia no interior dos Seminários. Viviam isolados do mundo. Hoje é diferente, mas recomenda-se que, durante a semana, não se saia dos Seminários. Mesmo que se queira, a programação interna não permite.

Quando o ser humano tem tudo, gratuitamente, ao seu alcance corre um sério risco de acomodar-se. Quando nos encontramos com padres preguiçosos e acomodados, tal preguiça e acomodação originaram-se antes e durante o processo formativo. Estes padres ignoram a situação dos empobrecidos e em relação a estes procuram manter distância; não aceitam viver em paróquias ou lugares pobres; costumam possuir bons carros, morar em boas casas, usar roupas caras etc. Esta situação aburguesada motiva muitos jovens a serem padres. Apesar do aliciamento do espírito burguês, alguns seminaristas conseguem superá-lo sendo, posteriormente, padres despojados e simples.

3 – Vocações e aparências de vocação. Um dos maiores problemas vocacionais da Igreja se encontra na falta de sinceridade por parte de muitos daqueles que se apresentam como vocacionados. A falta de sinceridade leva o candidato a enganar os responsáveis pelo processo formativo e a falsificar a vocação, procurando, assim, obter vantagens na vida religiosa e clerical. Alguns, devido a problemas de ordem afetivo-sexual, procuram se esconder por trás das seguranças da vida presbiteral.

Quando a promoção vocacional e o processo formativo não conseguem detectar o problema a tempo, certos candidatos mal intencionados terminam chegando ao ministério ordenado. Quando isto acontece, a resolução do problema se torna mais difícil. Às vezes, é mais fácil aquele que procura se aproveitar do estado clerical chegar ao sacerdócio ministerial do que o que procura corresponder de verdade ao chamado divino.

4 – A escassez de vocações. A escassez de vocações tem levado muitas Congregações, Ordens, Dioceses e Sociedades de Vida Apostólica a um erro comum: Acolher todo e qualquer indivíduo nos Seminários sem a necessidade da rigorosa seleção. A busca por vocações, aos poucos, está ficando cada vez mais desesperada. Nos países europeus, muitos Seminários foram fechados e são poucos os seminaristas nos que ainda estão funcionando. O maior número de vocações surge na América Latina e África, principalmente nesta última, onde os jovens não têm muitas oportunidades na vida. Nos países africanos, é muito comum o ingresso de jovens nos Seminários somente para cursarem a Filosofia, outros ainda, cursam a Teologia, sem contar os que procuram um lugar para viver melhor, confortavelmente.

5 – O modelo tradicional de presbítero na Igreja. Os recentes escândalos de pedofilia comprometeram, seriamente, a imagem tradicional do presbítero. Tal imagem já vem sendo comprometida há séculos. A vocação presbiteral não chama mais a atenção da grande maioria dos jovens de hoje. Estes jovens não vêem sentido em tal vocação. Apesar dos esforços da Igreja em reformar, aparentemente, o clero, a maioria dos membros do mesmo trabalham em paróquias com as chamadas “pastorais de manutenção”, denunciadas pelo Documento de Aparecida. Não aprenderam a fazer outra coisa a não ser lidar com paróquias. Outro fator que desanima a juventude é o longo período da formação.

O jovem pós-moderno não tem paciência para esperar tanto tempo. O desânimo e a falta de dinamicidade e criatividade também desanimam a juventude na procura do sacerdócio ministerial. Os desafios que a vocação presbiteral apresenta entusiasmam poucos jovens. A figura do presbítero na Igreja continua se parecendo com a do tempo da cristandade: Um homem separado do mundo. Muitos seminaristas desistem da formação depois que conhecem mais de perto este modelo tradicional desanimador.

6 – O celibato obrigatório. Esta é uma das obrigações que mais pesam no discernimento vocacional de muitos vocacionados. O celibato na Igreja não é opcional, mas obrigatório. Quem desejar ser presbítero deve aceitá-lo, obrigatoriamente. O problema não está no celibato em si mesmo, que é um dom de Deus, mas na obrigação imposta pela Igreja. Por que tal obrigação é um problema? Frisemos dois motivos.

Primeiro, porque nenhuma obrigação é, evangelicamente, correta. O chamado de Deus não implica, obrigatória e/ou necessariamente, o celibato. Em nenhum momento da história Deus exigiu o celibato para a vocação presbiteral. Trata-se de uma obrigação disciplinar, não evangélica. Não há uma citação bíblica que sirva para legitimar a obrigatoriedade do celibato. Peca contra a Escritura Sagrada quem se utiliza do testemunho de Jesus e do apóstolo Paulo para legitimar tal obrigação.

Segundo, porque nem todo aquele que tem vocação presbiteral tem, também, para o celibato. A realidade tem demonstrado que muitos padres têm vocação para o sacerdócio ministerial, mas não tem para o celibato. Há, também, aqueles que têm vocação para o celibato, mas não tem para o sacerdócio ministerial. Neste segundo caso, a Ordenação torna-se inconcebível, ou seja, não é correto conferir o Sacramento da Ordem a um candidato que não tenha vocação para o sacerdócio ministerial. Neste sentido, os responsáveis pela formação e o Bispo são quem reconhecem ou não a vocação do candidato. Muitos seminaristas desistem do processo formativo porque não suportam o peso da obrigação do celibato. Muitos presbíteros também têm deixado o ministério para casarem-se.

Com estas palavras não estou sendo contra o celibato, que, repito, é um dom de Deus, mas apenas constatando as conseqüências de sua obrigatoriedade na vida da Igreja.

7 – O desconhecimento por parte do povo. De modo geral, os católicos não têm a mínima idéia de como seja a formação dos ministros ordenados da Igreja. Muita gente não sabe sequer o significado da palavra seminarista. O povo não sabe de onde vem o padre nem para onde o mesmo vai. Isto acontece porque o povo não participa da formação nem da colocação dos mesmos nas paróquias e comunidades, tendo que suportar, às vezes, padres não muito realizados na vocação, restando apenas esperar a boa vontade do Bispo ou do Superior para uma possível punição (no caso de abusos) ou transferência. Esta é mais comum do que aquela na vida da Igreja. O presbítero católico é formado, muitas vezes, longe do povo, pois o contato dos seminaristas com o povo é pouco.

8 – O problema da homossexualidade. Esta é uma das causas mais comuns da evasão de seminaristas dos Seminários. A verdade nos obriga a declarar que a homossexualidade é um dos maiores problemas dos Seminários. As orientações e normas da Igreja nos ensinam que a homossexualidade é incompatível com o sacerdócio, mesmo sabendo que temos presbíteros homossexuais. Os recentes escândalos não nos deixam mentir, pois boa parte dos padres pedófilos era homossexual. Eles não molestaram crianças do sexo feminino, mas crianças, adolescentes e jovens do sexo masculino. Na verdade, foram molestados mais adolescentes e jovens do que crianças.

O tema da homossexualidade nos exige que façamos uma clara distinção: Há aqueles que têm a prática homossexual e há os que têm a tendência. São duas situações diferentes. Segundo as orientações e normas da Igreja, os que possuem a tendência e se comprometem em viver a castidade podem ser admitidos à formação e às ordens sacras, do contrário, os que têm a prática devem ser expulsos do processo formativo, e os que não ingressaram nos Seminários devem ser impedidos de fazê-lo.

Conclusão

Os Seminários e/ou Casas de Formação devem a sua existência, praticamente, ao Concílio de Trento (séc. XVI), que tomou a iniciativa de formar aqueles que se candidatam às ordens sacras na Igreja. Antes deste período, muitos padres mal sabiam presidir uma Missa, não tinham quase nenhuma formação e cometiam abusos dos mais absurdos, sem contar os que se ordenavam sem vocação alguma, mas somente através das influências políticas e financeiras.

Esta presente reflexão teve o objetivo de esclarecer, brevemente, alguns fatores que explicitam a evasão de seminaristas nos Seminários da Igreja. Muitas vezes, assistimos a tal evasão sem fazermos uma reflexão, nem que seja superficial. O teólogo José Comblin dizia que o Seminário é uma instituição vencida na Igreja, que não serve mais para formar missionários. Ele ensina que os Seminários formam professores de Filosofia e Teologia, e que para formar discípulos missionários de Jesus Cristo a Igreja precisa rever, séria e urgentemente, o modelo de formação daqueles que se propõem evangelizar. Será que o padre José Comblin estava equivocado?... É algo a se pensar.


Tiago de França da Silva
Campina Verde - MG, 18/05/2011.

sábado, 14 de maio de 2011

Jesus de Nazaré: pastor, porta e vida do rebanho


“Eu sou a porta. Quem entrar por mim será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem”. (Jo 10, 9)

Na Liturgia da Palavra deste IV Domingo da Páscoa aparece a figura de Jesus, o bom pastor e porta das ovelhas (cf. Jo 10, 1 – 10). O que significa ser pastor e porta das ovelhas? São Pedro ensina-nos que Jesus é pastor e guarda de nossas vidas (cf. 2ª leitura: 1 Pd 2, 20b – 25), Senhor e Cristo (cf. 1ª leitura: At 2, 14a. 36 – 41). Neste Domingo, também somos chamados a pensar sobre a vocação dos Pastores da Igreja (diáconos, presbíteros, epíscopos, pontífice). Qual o significado destas vocações específicas para a vida da Igreja? Meditemos à luz do Evangelho.

Ladrão e assaltante: quem não entra pela porta

Jesus se utiliza da figura do pastor que toma conta do rebanho para falar de sua missão diante dos doutores da Lei e fariseus porque na palestina a maioria das pessoas vivia da criação de ovelhas e cabras. Tratava-se de uma linguagem acessível a todos. A criação se dava da seguinte maneira: pelo dia, logo cedo, o pastor ia buscar as ovelhas no curral. Neste, durante a noite, as ovelhas estavam sob os cuidados de um porteiro que as defendia dos ladrões e assaltantes. Ao ver o pastor, o porteiro lhe abria a porta e chamando pelo nome, as ovelhas reconheciam a voz do pastor e saíam com ele para as verdes pastagens.

Assim, percebemos que o ladrão e assaltante são aqueles que não entram pela porta do redil, mas durante a noite e por outro lugar. Quando Jesus termina de explicar tudo isso, os doutores da Lei e fariseus ficam sem entender o que ele queria dizer. Então, Jesus declara abertamente: “Em verdade, em verdade vos digo, eu sou a porta das ovelhas. Todos aqueles que vieram antes de mim são ladrões e assaltantes, mas as ovelhas não os escutaram”. Vejamos quem são estes ladrões e assaltantes, quem são estas ovelhas no tempo de Jesus e nos dias de hoje.

No tempo de Jesus, os doutores da Lei e fariseus, assim como o Império romano eram os ladrões e assaltantes, que roubavam, enganavam, exploravam e matavam o povo. No texto evangélico, Jesus se refere diretamente aos doutores da Lei e fariseus. O sistema religioso da época era um fardo nas costas do povo. Este era escravo tanto do Império quanto do sistema religioso. Não havia divergências entre autoridades civis e religiosas, ambas viviam à custa do suor e do sangue dos pobres. Para Jesus, estas autoridades são os ladrões e assaltantes porque só sabem roubar, matar e destruir.

O sistema religioso era complexo, rigoroso e pesado. Os mestres da Lei e fariseus exigiam do povo o cumprimento fiel da Lei dada por Moisés, mas eles mesmos viviam na corrupção. Eram mentirosos e hipócritas. O curioso é que as pessoas (as ovelhas), de modo geral, não escutavam os mestres da Lei e fariseus. Estes as acusavam de serem pecadoras e infiéis. Nos evangelhos sempre encontramos Jesus no meio dos pecadores e infiéis, e esta presença amorosa e misericordiosa entre os desprezados e marginalizados causava ódio no coração dos que se julgavam justos e guardiões da Lei. Jesus optou por viver entre os pecadores e infiéis para lhes restituir a vida.

Em nossos dias, ladrões e assaltantes são os pastores que se utilizam da liderança para roubar, matar e destruir. Estes falsos pastores estão presentes em todas as Igrejas cristãs, a começar pela Igreja Católica. No tempo em que esta vivia unida aos reis era comum encontrar padres, bispos e papas interessados somente no poder, no prestígio e nas riquezas. Basta-nos lembrar do regime de Padroado, que foi criado através de um tratado entre a Igreja e os reinos de Portugal e Espanha. O governo da Igreja era dividido entre papas e reis. Estes últimos construíam igrejas, nomeavam padres e bispos que, posteriormente, eram aprovados pelo Papa. Neste sistema, a vida do povo de Deus não era motivo de preocupação fundamental, mas somente o poder, o prestígio e a riqueza.

Após o difícil parto do qual resultou a separação entre Igreja e Estado, os problemas continuam a existir: assistimos a infidelidade de pastores que não se importam com a vida do povo de Deus. Para não sermos injustos temos que afirmar que há autênticos pastores que se doam, cotidiana e corajosamente nas desafiadoras causas do Reino de Deus.

Infelizmente, pecados como pedofilia, desvio de dinheiro (enriquecimento ilícito), omissão, simonia (venda de sacramentos), desvios de ordem sexual (ausência da castidade e quebra do celibato), acomodação, falta de unidade, manias de grandeza, indiferença, hegemonia e controle, abusos no uso do poder e da autoridade, entre tantos outros pecados ainda estão presentes na vida de muitos “pastores” da Igreja.

Não adianta omitirmos a verdade. Na vida da Igreja, infelizmente, todas estas coisas são tão evidentes quanto à claridade do dia. Isto não significa que devamos exigir perfeição de nossos pastores, pois sabemos que são homens comuns, sujeitos ao pecado como os demais homens deste mundo. Não podemos também recorrer à condição humana, naturalmente limitada, nem à nossa condição de pecadores para justificarmos os pecados acima descritos. Tais pecados são inaceitáveis e devem ser evitados.

Os teólogos que se debruçam no estudo da história e da estrutura eclesiástica apontam para a necessidade da mudança de estruturas. Segundo eles, a Igreja institucional precisa, urgentemente, de reformas, pois tais estruturas têm levado muitos pastores ao pecado. Certamente, uma Igreja mais simples e mais servidora porá um fim em certos pecados e vícios que têm sua origem nas pesadas e históricas estruturas. A conversão estrutural da Igreja institucional passa, necessariamente, pelo despojamento de estruturas que não respondem mais às exigências da evangelização no mundo de hoje e que são, portanto, ultrapassadas.

Uma das características da ovelha é a sua passividade diante do ladrão, ou seja, ela precisa do pastor para voltar ao redil e para se defender. Até o Concílio Vaticano II, os leigos sempre foram tratados e considerados como ovelhas que viviam na total dependência de seus pastores. De modo geral, os leigos eram considerados eternas crianças, pois não sabiam de nada porque não lhes ensinaram a ser cristãos adultos.

Após o Vaticano II, a Igreja passou, aos poucos, a reconhecer o valor do leigo e lhe conferiu certo protagonismo. Infelizmente, apesar dos documentos pontifícios reconhecerem a vocação e a missão dos leigos na Igreja, muitos clérigos ainda apresentam resistências em relação aos mesmos. De qualquer modo, podemos afirmar que os leigos não são mais crianças nem ovelhas, salvo aqueles que gostam de ser tratados como tal. O legítimo reconhecimento do leigo na vida eclesial ainda é um processo lento, pois a relação clero-leigo ainda é conflituosa.

Jesus de Nazaré: porta e vida das ovelhas

No texto, Jesus faz duas afirmações muito importantes: "Eu sou a porta das ovelhas. Quem entrar por mim será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem”. Nesta primeira, encontramos a verdade fundamental: Jesus é a porta e a salvação. Em outras palavras, somente nele há salvação para o gênero humano, pois Deus quis salvar a humanidade através dele. Jesus é o crucificado e o ressuscitado, constituído por Deus Senhor e Messias (cf. At 2, 36). Entrar através da porta que é Jesus de Nazaré é encontrar a verdadeira vida. Com muita razão, o apóstolo Paulo nos ensina que a nossa vida “está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3, 3).

Fora de Jesus não há vida nem salvação. Estas não nos vêm de nossos pastores nem da Igreja, mas do próprio Cristo. Na Igreja, todos devem seguir Jesus para encontrar nele a verdadeira e eterna vida. Por isso, clérigos e leigos são ovelhas do pastoreio de Cristo, porque somente Cristo é o Pastor. Peca contra o Evangelho de Jesus quem afirma que a Igreja é o rebanho do Papa e que este é o nosso pastor. O Papa também deve ser ovelha de Cristo. A Igreja é Povo de Deus e isso pressupõe igualdade entre o povo e seus líderes. Em outras palavras, somos um povo sacerdotal, todos somos pastores uns dos outros em Cristo.

A segunda afirmação é: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”. Jesus foi enviado pelo Pai para a vida do mundo: “Pois Deus não enviou o Filho ao mundo para julgar o mundo, mas que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3, 17). A ninguém Deus concedeu autoridade para julgar e condenar. A missão da Igreja deve ser, portanto, a mesma de Cristo: trabalhar pela vida do mundo, e isto “inclui a opção preferencial pelos pobres, a promoção humana integral e a autêntica liberdade cristã” (Documento de Aparecida, n. 146). Evangelizar é trabalhar pela vida do povo de Deus: eis a missão a que é chamado todo cristão.


Tiago de França

terça-feira, 10 de maio de 2011

Carta aberta ao Pe. Josimo Moraes Tavares


Querido padre Josimo,

Já faz um bom tempo que conheço a tua história. Há 25 anos exatos foste brutalmente assassinado na cidade de Imperatriz – MA, diante da sede da CPT – Comissão Pastoral da Terra. Infelizmente, não tive a graça de te conhecer, pois nasci dois anos antes, em 1984. Depois que soube do teu martírio, procurei te conhecer através dos livros que muitas pessoas escreveram para não deixar morrer a memória de teu martírio.

A tua personalidade é rica de Jesus Cristo, nosso Mestre comum. Quero ressaltar, para dizer-te de minha profunda veneração para contigo, três aspectos louváveis e dignos de admiração e respeito para com tua pessoa. Estas três qualidades que vou citar são as qualidades proféticas encontradas na vida dos mártires, que derramaram e derramam o sangue na construção do Reino de Deus.

Caro amigo, tu foste, a exemplo de Jesus, um fiel pastor. Creio que te recordas de que o verdadeiro pastor é aquele que dá a vida por suas ovelhas. Basta lembrares da aula que tiveste sobre a teologia joanina, pois no Evangelho segundo João, Jesus é o bom pastor. Deste a tua vida pela vida do povo de Deus, povo explorado e massacrado pelo latifúndio.

Josimo, meu irmão, em minhas reflexões pessoais, ando um pouco preocupado. Creio que já estás sabendo do que está acontecendo: apareceu na Igreja um novo modelo de padre. Acreditas que, aos poucos, ser padre não corresponde mais à doação da própria vida? Pois é, meu amigo. Isto mesmo! Agora virou “moda” salvar a própria vida: ser padre virou meio de vida. Posso te explicar: o padre pode ser cantor, escritor, ter programas na TV, ser famoso junto com outros famosos.

Caro irmão, a situação tem piorado depois de tua morte. Falar de libertação na Igreja de hoje é sinônimo de cura interior. O teu projeto de vida é tido como coisa de comunista. Quando alguém fala da Igreja de teu tempo, a nova geração diz logo que é coisa do passado. Hoje, Josimo, usa-se a Palavra de Deus não para ajudar a libertar as pessoas, mas para aliená-las cada vez mais.

Para teres uma idéia, na sexta-feira santa deste ano, fiz um “sermão” sobre a morte de Jesus na perspectiva do teu martírio (doação da própria vida). Sabe o que aconteceu? Um ministro que distribui a Eucaristia me veio com sangue fervendo nas veias e me disse que não quer problemas comigo. Outros, ainda, me chamaram de “perigoso”. Tudo isto só porque eu disse que Jesus foi assassinado por causa do Reino de Deus, e não para nos lavar dos nossos pecados.

Josimo, meu prezado, aconteceu em 2007 a V conferência do CELAM, aqui, no Brasil; pois tu acreditas que os bispos ousaram dizer que os padres precisam ser discípulos missionários de Jesus de Nazaré? É engraçado, mas é verdade. Está escrito no documento, mas não passou de mais um documento. Substancialmente, nada mudou nem demonstra sinais de mudanças. Parece que nada aconteceu. Padre J. Comblin, nosso companheiro de caminhada e de profecia disse que o documento só serviria para os estudantes de Teologia estudar nas faculdades católicas. E, pelo que vejo, a profecia está se cumprindo.

Meu querido, outra qualidade que me chama a atenção na tua pessoa é a tua pobreza. Lembras do profeta João Batista, aquele que preparou o caminho de Jesus? Pois é, tu tiveste a pobreza dele. Chama-me a atenção a maneira como assimilaste a pobreza de Cristo. Esta, de fato, nos deixa livres para a missão. A exemplo de Cristo, tu foste pobre e livre.

Estimado Josimo, o poder, o prestígio e a riqueza continuam atrapalhando a vida da Igreja. A estrutura da Igreja continua do mesmo jeito, não mudou nada. Tudo está sacralizado. Até parece coisa implantada pelo próprio Deus e sustentada pelo Espírito Santo. E a cada ordenação, salvo as exceções, vejo que o sistema torna-se cada vez mais conservado e rigoroso. Só aparecem “vocações” para reforçar o que está estabelecido. Quase que não há contestação. Às vezes, me sinto na Idade Média.

Por último, não posso me esquecer de que possuíste um profundo senso de justiça. Neste sentido, foste obediente ao Evangelho no qual Jesus recomenda que se buque primeiro o Reino de Deus e sua justiça. De fato, a justiça é uma das palavras-chave que identifica o perfil profético do missionário de Jesus. Clamaste por justiça em meio às injustiças cometidas contra os pobres. Com isto, asseguradamente, posso dizer que fizeste a opção preferencial pelos pobres: foste um irmão dos pobres entre os pobres.

Querido Josimo, despeço-me te pedindo que rogue por nós ao Pai, tu que lavaste tuas vestes no sangue do Cordeiro. A Igreja precisa de tua valiosa intercessão, a fim de que desperte para a realidade dos pobres, a quem serviste com amor e fidelidade até as últimas conseqüências. Pede a Jesus que permaneça conosco e nos confirme na missão de sermos testemunhas dele nesta hora tão difícil da humanidade.

Obrigado, meu querido irmão e mártir de Cristo, pelo testemunho dado à Igreja. Para mim, é motivo de alegria e revigoramento fazer a memória de tua entrega. Como ensinou Tertuliano nas origens, creio e professo que o teu sangue é semente de novos cristãos.

Teu irmão em Cristo e na esperança dos pobres,


Tiago de França
Campina Verde – MG, 10/05/2011

sábado, 7 de maio de 2011

Jesus de Nazaré: Deus que caminha conosco


“Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía. Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus” (Lc 24, 30 – 31).

Na semana que passou, os EUA encontraram e mataram Osama bin Laden. Os norte-americanos festejaram até durante a madrugada! Chegamos ao ponto de festejarmos a morte de uma pessoa. Esta foi a notícia que marcou a semana. Os membros da organização liderada por Osama estão tomados pelo espírito de vingança e prometem uma resposta sangrenta. Enquanto isto, em outras partes do Oriente Médio, o sangue de milhares de inocentes é derramado. O mundo está em guerra.

Não precisamos anunciar o início da 3ª Guerra Mundial, pois ela já está acontecendo desde 11 de setembro de 2001. A ONU, que não pode nada contra os EUA, não permitiria um anúncio oficial de uma 3ª Guerra Mundial. Seria demais. No Brasil, o Governo tenta controlar a inflação. A Presidente Dilma exige resultados e os ministros têm que trabalhar. Neste Domingo, III da Páscoa, também celebramos o Dia das Mães, com nossos corações partidos por assistirmos o abandono sucessivo de crianças nos quintais, nas ruas e no lixo.

Unidos e sintonizados a todas estas questões e desafios, somos chamados a acolher a companhia de Jesus nos caminhos de Emaús. Quais são hoje, os caminhos de Emaús? Quem são hoje, estes discípulos desenganados e tristes? Com os pés em nossa realidade, reflitamos, pois, Lc 24, 13 – 35. Este trecho do Evangelho segundo Lucas fala da caminhada de dois discípulos de Jesus, de Jerusalém para Emaús.

Os discípulos conversavam sobre Jesus

Diante do Cristo morto na cruz e sepultado, dois dos discípulos deixaram o grupo dos Onze e voltaram para suas casas. Eles perderam a esperança, pois pensavam que Jesus ia libertar Israel. Este pensamento mostra que eles não entenderam a missão de Jesus. Conversavam, mas não entendiam. A conversa e discussão dos discípulos não os levavam ao entendimento. Antes da morte na cruz, Jesus não se cansava de explicar para eles o sentido de sua missão, mas os pensamentos dos discípulos eram outros. Eles pensavam segundo a lógica do mundo.

Na Igreja de nossos dias, priorizam-se tantas coisas que se esquecem de que Jesus é o centro da vida cristã e eclesial. Fala-se muito de coisas, às vezes, inúteis e se esquecem de conversar e discutir a respeito de Jesus e seu projeto. Fala-se de beatificações, nomeações, construções, projetos, processos etc., enquanto que Jesus continua nos evangelhos, esperando ser anunciado ao mundo. Até hoje, Jesus continua sendo incompreendido. Fala-se que Jesus disse isso e fez aquilo, e demoram pra falar, verdadeiramente, do que ele realmente veio fazer neste mundo.

Jesus se aproxima e caminha com eles

Jesus se interessa pela conversa e discussão dos dois discípulos: se aproxima e caminha com eles, mas, ainda, não o reconhecem. O texto fala que estavam como que cegos. A decepção, a tristeza e a angústia cegaram os discípulos. Eles não acreditavam mais em nada: nem na palavra das mulheres, nem na dos discípulos que tinham ido ver o túmulo vazio. Estavam desconcertados e mergulhados numa crise de fé. Após se aproximar e se colocar a caminho com eles, Jesus os indaga e os escuta relatar aquilo que aconteceu.

Assistimos hoje esta mesma experiência nas comunidades cristãs. Estas andam a passos lentos. O número dos que professam a fé em Jesus com plena convicção está cada vez reduzido. As pessoas abandonam facilmente a comunidade devido a pequenos conflitos. A fé delas é tão fraca que não suportam as pequenas provações. Esquecem-se de que tais provações são necessárias para um maior enraizamento e amadurecimento da fé.

O aumento da depressão e de outros problemas de ordem psicológica são sinais evidentes do desespero. Com a boca, as pessoas professam a presença de Jesus: nas celebrações todos respondem fortemente: Ele está no meio de nós! Mas quando aparecem as provações o desespero é desolador. A cegueira e a surdez tomam conta das pessoas e não permitem que elas enxerguem e reconheçam Jesus em suas vidas e na vida da comunidade. Falar da presença de Jesus ainda é motivo de escândalo e confusão. Muita gente prefere permanecer cega, pois parece ser mais cômodo.

Jesus os adverte e lhes fala das Escrituras

“Como sois sem inteligência e lentos para crer em tudo o que os profetas falaram! Será que o Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?” Após esta advertência, Jesus lhes fala de todas as passagens da Escrituras que falavam de sua pessoa e missão. Aqui os discípulos começam a reagir. Mais adiante eles vão dizer que, ao ter escutado Jesus falar das Escrituras, seus corações ardiam.

Não são poucas as pessoas que se deixam tocar pelas palavras das Escrituras Sagradas, muitas chegam a derramar lágrimas durante a meditação bíblica; outras ainda, afirmam receber revelações particulares a respeito do conteúdo da Bíblia, mas não passam disso. Quando o coração se rejubila ao escutar a Palavra de Deus é sinal de que a pessoa se envolveu com a leitura e meditação da mesma. Isto é bom, mas não é tudo. Até aqui os discípulos não conseguiram reconhecer Jesus.

A Igreja precisa ler e entender mais a literatura profética contida nas Escrituras Sagradas, pois ela fala de Jesus. Após a experiência de Jesus, os profetas continuaram e continuam escrevendo, mas escutá-los e entendê-los é algo difícil de acontecer. Os profetas costumam ser evitados. Jesus menciona as profecias porque sabe da força que elas possuem. A Igreja precisa escutar com humildade o que os profetas falam de Jesus e de sua missão, a fim de que possamos ter uma Igreja verdadeiramente profética e, conseqüentemente, pascal.

Jesus partiu o pão e foi reconhecido

Quando Jesus “fez de conta que ia mais adiante”, recebeu dos discípulos o convite: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” Atendendo ao convite, “entrou para ficar com eles”: é a hora da janta. No partir do pão, “os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus”. Então, ele desaparece da frente deles.

Constata-se que Jesus queria ser reconhecido, ou seja, queria que eles acreditassem que ele tinha ressuscitado e que estava vivo no meio deles. Imediatamente, mesmo à noite, eles retornaram para Jerusalém, para junto da Comunidade dos Onze, onde puderam contar “o que tinha acontecido no caminho e como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão”. Os outros discípulos também confirmaram a ressurreição e lhes contaram a aparição a Simão. Agora, sim, tendo encontrado e reconhecido Jesus, a comunidade dos discípulos é confirmada na fé e na esperança.

A Eucaristia é partilha do pão na comunidade. Podemos afirmar também que a Eucaristia gera e confirma a comunidade. A celebração da Eucaristia deve levar as pessoas ao reconhecimento de Jesus, ou seja, a participação no Corpo e Sangue de Cristo deve abrir seus olhos e corações para que possam reconhecer Jesus. Não adianta receber a Eucaristia sem reconhecer Jesus. Então, o que significa reconhecer Jesus?

Para reconhecer Jesus a pessoa precisa permanecer na comum-unidade, pois fora desta pode até haver conhecimento teórico de Cristo, mas jamais verdadeira comunhão com ele. Mesmo os que estão fora do Cristianismo, mas que acreditam em Jesus e em seu projeto, estão, de certa forma, inseridos em alguma realidade onde viva a comum-unidade: são os cristãos anônimos, reconhecidos pelo teólogo Karl Rahner no Concílio Vaticano II.

Para que exista a comm-unidade, as pessoas precisam se reconhecer, mutuamente; e tal reconhecimento passa, necessariamente, pela solidariedade. Dom Hélder Câmara conceituava solidariedade como amor de atos, não de palavras. Partilhar o pão é mais que participar da Eucaristia, é ser solidário com os que precisam de nossos gestos e palavras. Não adianta querer reconhecer Jesus somente na Eucaristia, enquanto pão e vinho no altar; é preciso reconhecê-lo no rosto do outro, nosso irmão. Precisamos aprender com Jesus no caminho para Emaús: a nos aproximar das pessoas, caminharmos com elas, escutá-las, permanecermos e partirmos o pão com elas.

A Igreja-hierárquica ou “Igreja-poder” precisa aprender com Jesus a fazer o mesmo, ou seja, aproximar-se cada vez mais dos pobres, caminhar com eles, escutá-los, permanecer com eles e partir com eles o pão da Palavra, da Eucaristia, da justiça e da solidariedade. A Igreja deve aprender com os pobres a ser a Igreja pensada por Jesus: humilde e serva da humanidade. Reanimar os desanimados, despertar a esperança nos desesperados, escutar o clamor dos oprimidos por justiça, assumir a esperança dos pobres constituem a missão da Igreja no mundo.


Tiago de França

O reconhecimento da união estável entre casais homossexuais


A questão a ser tratada neste artigo é complexa e polêmica. Trata-se de uma decisão histórica: o reconhecimento, por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), da união estável entre casais homossexuais. O Censo Demográfico de 2010 contabiliza mais de 60 mil casais homossexuais no Brasil. Isto mostra que se trata de uma realidade que não pode ser ignorada, mas que merece nossa reflexão e atenção. Para evitarmos equívocos, vamos conceituar a homossexualidade.

O que é a homossexualidade?

O tema da homossexualidade traz muita divergência entre os estudiosos. No meio popular, a questão é tratada com preconceito e discriminação. Os noticiários têm mostrado que, de modo geral, a sociedade tem apresentado muitas resistências à aceitação da conduta e/ou opção homossexual. A intolerância, o preconceito e a discriminação estão presentes e atos de violência contra homossexuais estão se tornando cada vez mais comum.

Para não cometermos uma grave injustiça contra os homossexuais, não podemos confundir a homossexualidade com pedofilia, depravação, maldade, desvio de personalidade ou doença. Os estudos psicanalíticos e psicológicos já provaram, há décadas, que tal condição não tem nenhuma ligação com nenhuma destas coisas. Todos estes “clichês”, reproduzidos pela sociedade machista, são frutos do preconceito e devem ser evitados.

Citando a obra O enigma da esfinge, do Frei Antônio Moser, o teólogo e filósofo José Lisboa Moreira de Oliveira, em sua obra Acompanhamento de vocações homossexuais, conceitua a homossexualidade da seguinte maneira: “a homossexualidade, segundo a maioria dos especialistas na questão, designa uma orientação sexual pela qual pessoas, ‘em sua vida adulta, sentem atração preferencial por alguém do mesmo sexo, mantendo ocasionalmente relações genitais’” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Acompanhamento de vocações homossexuais. São Paulo: Paulus, 2008, p. 19).

A decisão do STF e suas implicações

Quinta-feira passada, 05/05, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união estável entre casais homossexuais. O que significa esta decisão? Significa o reconhecimento de direitos como herança, comunhão parcial de bens, pensão alimentícia e previdenciária, inclusão do companheiro como dependente em planos de saúde, entre outros benefícios. A partir da decisão do STF, estes direitos terão que ser respeitados e/ou atendidos.

Esta decisão causa divergência na opinião pública e é contestada pelas Igrejas cristãs, principalmente pela Igreja Católica porque a chamada entidade familiar, tradicionalmente, é constituída pela união estável entre homem e mulher. Além de afetar o conceito tradicional de entidade familiar, tal decisão levará à discussão sobre a possibilidade do casamento civil e adoção de crianças por parte de casais homossexuais. Aqui aparece o conflito da Igreja com os homossexuais.

Homossexuais e matrimônio

A Igreja desaprova a decisão do STF porque em sua doutrina ensina o seguinte: “A aliança matrimonial, pela qual o homem e a mulher constituem entre si uma comunhão da vida toda, é ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole, e foi elevada, entre os batizados, à dignidade de sacramento por Cristo Senhor” (CIC – Catecismo da Igreja Católica, n. 1601). Esta é a doutrina da Igreja e corresponde à sua compreensão de entidade familiar. Para a Igreja, o matrimônio é um bem inviolável porque Deus mesmo é seu autor (Gaudium et Spes, n. 48, 1).

Esta doutrina eclesiástica ensina que é inconcebível a realização do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo na Igreja. Eis o que diz o n. 2357 do mesmo Catecismo: “Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves [cf. Gn 19, 1 – 29; Rm 1, 24 – 27; 1 Cor 6, 9 – 10; 1 Tm 1, 10] a tradição sempre declarou que ‘os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados’. São contrários à lei natural. Fecham complementaridade afetiva e sexual verdadeira. Em caso algum podem ser aprovados”.

Para a Igreja, a desaprovação não quer dizer exclusão. Assim, os homossexuais “devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á para com eles todo sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar a vontade de Deus em sua vida e, se forem cristãs, a unir o sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar por causa de sua condição” (CIC, n. 2358).

Homossexuais e o Evangelho de Jesus de Nazaré

Nos evangelhos, Jesus não faz nenhuma referência à homossexualidade. Por isso, ninguém pode julgar, condenar e/ou avaliar tal condição a partir da palavra de Jesus. Mesmo Jesus não tendo falado nada a respeito da homossexualidade, podemos refletir sobre a mesma a partir do mandamento maior ensinado por Jesus: o amor. Este está acima de toda e qualquer lei ou orientação eclesiástica.

A experiência missionária de Jesus mostra, claramente, que ele viveu intimamente ligado aos pecadores e marginalizados de seu tempo. A leitura dos evangelhos mostra-o sempre no meio dos pecadores, considerados indignos e impuros. Jesus tinha uma predileção pelos pecadores: “Não são os que estão com boa saúde que tem necessidade de médico, mas os pecadores” (Mc 2, 17). Assim, podemos assegurar que os pecadores foram acolhidos e perdoados por Jesus. Este lhes restituiu a dignidade e a alegria de viver.

A partir desta experiência amorosa e misericordiosa de Jesus podemos assegurar que o preconceito e a discriminação que a sociedade e as Igrejas têm para com os homossexuais são uma injustiça e um pecado grave. Infelizmente, cristãos fundamentalistas se utilizam da Sagrada Escritura para julgar e condenar os homossexuais; sendo que, a partir da própria Escritura se conclui que esta é uma atitude gravemente pecaminosa: “Não julguem, e vocês não serão julgados. De fato, vocês serão julgados com o mesmo julgamento que vocês julgarem, serão medidos com a mesma medida com que vocês medirem” (Mt 7, 1 – 2).

Os homossexuais fazem parte das minorias excluídas da sociedade e foi para estas minorias que Jesus veio. Não se trata de defender a opção homossexual, mas de promover o respeito e a liberdade para com o ser humano. Todas as pessoas são livres para fazer suas escolhas. Nenhuma instituição tem o direito de controlar a sexualidade de ninguém. A Igreja tem todo direito de expressar o que acha certo ou errado em matéria de conduta moral e sexual, mas não lhe foi dada autoridade nenhuma para impor leis e prescrições tendo em vista o controle da vida sexual do ser humano. Infelizmente, há essa prática e/ou tendência.

Toda espécie de condenação do próximo é antievangélica. Não somos obrigados a aceitar a homossexualidade. Somos livres para isto. Mas a convivência com a diversidade sexual nos convida à prática do respeito e da tolerância. Saber conviver com o diferente é uma necessidade humana; do contrário, não suportaremos viver numa sociedade marcada pelas diversas formas de violência contra o ser humano.

Neste sentido, a liberdade nos ensina que os homossexuais devem respeitar os heterossexuais evitando, assim, a imposição do que se passou a chamar de cultura gay; e os heterossexuais, por sua vez, devem respeitá-los em suas manifestações peculiares. Toda forma de imposição também gera intolerância. Esta é, por si mesma, uma violência no convivo social.

São significativas as palavras do Ministro Joaquim Barbosa durante o julgamento no STF: “Estamos aqui diante de uma situação de descompasso em que o Direito não foi capaz de acompanhar as profundas mudanças sociais. Essas uniões sempre existiram e sempre existirão. O que muda é a forma como as sociedades as enxergam e vão enxergar em cada parte do mundo. Houve uma significativa mudança de paradigmas nas últimas duas décadas”. Tanto a sociedade quanto as Igrejas precisam refletir, seriamente, sobre estas mudanças paradigmáticas, pois estas estão implicadas no processo de evangelização.


Tiago de França

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O que virá após a morte de Osama bin Laden?


Depois de dez anos de uma procura sangrenta encontraram e mataram aquele que era considerado o maior terrorista da história: Osama bin Laden. Os EUA são implacáveis com seus inimigos. Bin Laden não foi esperto o suficiente se escondendo próximo às forças armadas do Paquistão, pois pensava que lá estaria seguro. De fato, Jesus teve razão ao dizer que nada é oculto que não se descubra.

Há uma discussão para se saber se o governo paquistanês escondeu Osama bin Laden. Uns acham que sim, outros não. A desconfiança é geral. Os EUA, ora agradecem ao governo paquistanês pelas valiosas informações que levaram à captura do terrorista, ora reforçam a desconfiança dos líderes da União Européia. O que está por trás da discussão não é coisa difícil de adivinhar. Os EUA querem mais um pretexto para continuar fazendo umas das coisas que mais sabem fazer: matar seres humanos na busca de seus interesses políticos e econômicos.

Em nome da falsa democracia e da pseudo-liberdade, os EUA tem ceifado a vida de muita gente. No Oriente Médio existem duas “jóias” valiosas aos olhos dos norte-americanos: o petróleo e os terroristas. Não há instituição internacional de direitos humanos que barre a invasão criminosa dos EUA nos países árabes. Até a ONU assiste, passivamente, tais invasões. Saddam Hussein foi preso, julgado e morto. Com Osama bin Laden foi diferente: a ordem foi para eliminá-lo, imediatamente.

O terrorista morreu desarmado com um tiro na cabeça. Para passar a idéia de que os norte-americanos respeitam a cultura islâmica, o corpo de Osama foi jogado ao mar, depois de lavado e enrolado num lençol branco, como manda o ritual islâmico. O jovem esquizofrênico Wellignton, que se identificou com tal cultura, também pediu para ser sepultado do mesmo jeito, após ter matado doze crianças, ferido outras e de ter se suicidado; mas a justiça brasileira parece que não foi sensível ao pedido do jovem demonizado pela mídia.

Fala-se em guerra contra o terrorismo. A expressão em si já é contraditória. Onde já se viu combater o terror com o terror? É um mal que se multiplica. Mas o objetivo é este mesmo. Os EUA não estão preocupados com a paz no Oriente Médio. Esta paz nunca foi a meta a ser alcançada. No pentágono, centro de inteligência militar norte-americano, a ideologia reinante é a mesma que reina entre os talibãs: há uma sede de matar recíprocas. Não se fala em paz. Esta palavra é utilizada como falácia para tentar enganar a Comunidade Internacional.

Jesus, Mahatma Gandhi, Nelson Mandela, Martin Luther King e tantos outros nos ensinaram que a paz é fruto da prática da justiça e do amor para com o ser humano. À justiça e ao amor acrescentem-se o respeito e a tolerância. Estes valores promovem a verdadeira paz. A cultura da eliminação do outro não constrói a vida, mas provoca, infinitamente, a morte. A guerra contra o terrorismo não terminará nunca, pois o número dos que odeiam os EUA é incontável. O ódio gera ódio.

O bom senso não nos permite legitimar ação terrorista alguma. Todas as formas de assassinato e genocídio são injustificáveis. O que pretendi pensar foi a injustificável maneira dos EUA combaterem o terrorismo. Nenhuma forma de combate é saudável. A palavra combate em si mesma é má e induz ao mal. A intolerância, o preconceito, a discriminação e o desrespeito têm levado às diversas formas de terrorismo no Oriente Médio; e se não nos educarmos para o sentido oposto destas causas, ou seja, se não procurarmos viver a tolerância e o respeito, tais males farão parte de nossas vidas.

Se não estamos diretamente envolvidos com o terrorismo, o que podemos fazer para que este mal não venha fazer parte de nossas vidas? A resposta é simples: é preciso criar uma cultura de paz. Eis algumas sugestões para a paz reine entre nós:

1) Eduquemos o nosso olhar. A maneira como olhamos o mundo e as pessoas influencia o nosso modo de ser.

2) Evitemos julgamentos precipitados da realidade e das pessoas. É muito sadio procurarmos saber das causas que levam a realidade e as pessoas a serem do jeito que são.

3) É preciso vermos o outro como pessoa, digna de respeito e consideração. Não importa a condição do outro, este é sempre pessoa. Toda pessoa interpela respeito e atenção.

4) É preciso nos conscientizarmos de que não somos uma ilha nem sabemos de todas as coisas. Isto nos leva a pensar na necessidade da convivência (viver com). Não posso me comportar como se o mundo e as coisas fossem só minhas e de mais ninguém. O mundo é nosso. Nunca sabemos de tudo: o outro tem algo a nos dizer, precisamos escutá-lo.

5) Precisamos nos conscientizar também do valor da igualdade. Por mais rica e inteligente que seja uma pessoa, esta não é maior nem melhor do que as demais que vivem ao seu redor. É pura ilusão pensar o contrário. Reconhecer-se igual aos demais seres humanos não significa deixar de se valorizar e/ou anular as próprias virtudes e potencialidades, mas procurar ser humilde. Pessoas humildes vivem mais e melhor do que as que são prepotentes. Estas sofrem muito porque, de modo geral, são rejeitadas.

Estas dicas valem para todas as pessoas e tornam o mundo melhor. Existem muitas outras que poderiam ser citadas, mas se estas forem praticadas teremos uma convivência mais tranqüila e, conseqüentemente, menos problemática. Apostar na boa convivência é ter saúde física e psíquica, é promover a justiça e a paz. Por isso, não tenhamos medo de cultivá-la.


Tiago de França

domingo, 1 de maio de 2011

Testemunhar a ressurreição de Jesus


“A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, eu também vos envio” (Jo 20, 21).

Neste II Domingo da Páscoa somos chamados a meditar a respeito da atitude de Tomé, discípulo de Jesus, que só acreditou no ressuscitado quando o viu (cf. Jo 20, 19 – 31). Com São Pedro compreendemos que acreditar e amar Jesus são a fonte de nossa alegria, e é também a nossa salvação (1 Pd 1, 3 – 9). A alegria é uma experiência pascal, porque na alegria não há desespero, mas viva esperança. E Lucas, nos Atos dos Apóstolos, nos ensina que a comunidade que acredita no ressuscitado deve viver a fraternidade, pois fora desta não há testemunho de ressurreição. Em outras palavras, testemunha-se a ressurreição na escuta da Palavra de Deus, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações.

O medo, a paz e o envio

O medo é uma experiência humana da qual ninguém escapa. Nós temos medo de muitas coisas e o medo da morte parece ser o mais ameaçador. Os discípulos de Jesus tinham muito medo das autoridades dos judeus, pois estas os perseguiam por causa de Jesus. Por isso que o texto de hoje se inicia informando que estavam fechadas as portas do lugar onde eles estavam. Sem a presença de Jesus, que lhes dava segurança, os discípulos só contavam com o medo. Este os paralisava e os impedia de acreditar na ressurreição. Infelizmente, os discípulos tinham medo até de Jesus!

Por causa deste medo inerente à condição humana, Jesus, que também sentiu medo da morte no monte das Oliveiras, percebeu a necessidade de aparecer aos seus discípulos e realizar diante deles vários sinais, a fim de que acreditassem na sua ressurreição. No texto de hoje, aparece três vezes a saudação: “A paz esteja convosco”. Jesus sabia que seus discípulos estavam com medo e tomados por uma angústia estarrecedora, pois sua morte na cruz os deixou desorientados. Basta imaginar um grupo de pessoas seguindo aquele que se autoproclamou Filho de Deus e, de repente, este se encontra aparentemente derrotado numa cruz. De fato, a situação pós-morte do Mestre é desconcertante.

Jesus deseja-lhes a paz e sopra sobre eles o Espírito Santo, conferindo-lhe a graça de perdoar os pecados. Com este sinal Jesus não está instituindo o sacramento da reconciliação que existe na Igreja. O que temos como sacramento, teologicamente elaborado, é posterior à experiência de Jesus. Com o sopro do Espírito Santo, Jesus quer que seus discípulos dêem testemunho de sua ressurreição no mundo e quer também que esta missão seja exercida com a mesma autoridade com que ele se valeu. Com a força do Espírito Santo, os discípulos foram enviados para pregar a Boa Nova que forma a comunidade cristã.

Tomé e a experiência da visão do ressuscitado

Tomé não acreditou no testemunho das mulheres nem de seus coirmãos no discipulado que viram, antes dele, Jesus ressuscitado. Este o adverte: “Não sejas incrédulo, mas fiel”. Jesus exige a fé madura e consciente de Tomé e de toda pessoa que deseja segui-lo. A fé pressupõe fidelidade, ou seja, quem crê deve procurar ser fiel. Digo deve procurar porque nossa condição humana não nos permite sermos plenamente fiéis a Jesus. Por isso, nossa fidelidade é sempre imperfeita, vítima das provações e pecados que cometemos.

A experiência de descrença de Tomé é a experiência vivida por muitas pessoas que têm dificuldades para acreditar em Jesus. Elas querem ver sinais que provem que Jesus está vivo e presente na vida da comunidade. Na Igreja, há cristãos que desejam ver Jesus tal como ele é, como se isto fosse necessário na construção do Reino de Deus. Estes cristãos se esquecem que Jesus está presente na vida sofrida do povo de Deus, padecendo e ressuscitando na história.

Na verdade, todo cristão tem um pouco da incredulidade de Tomé, mas o que não pode acontecer é que tal incredulidade oriente a nossa vida. Para sermos testemunhas da ressurreição de Jesus precisamos depositar a nossa confiança em Jesus, ter fé nele e nos colocarmos em seu caminho. A nossa fidelidade ao caminho de Jesus nos torna testemunhas de sua ressurreição. É do testemunho que brota a comunidade e é nesta que se vive a fraternidade. Nós testemunhamos Jesus na comunidade e a existência desta é sinal de que estamos no caminho de Jesus.

O profeta José Comblin não se cansava de ensinar que “seguir Jesus não é render-lhe culto. Seguir Jesus é se colocar em seu caminho e perseverar”. Pois bem, ser testemunha da ressurreição de Jesus é segui-lo, portanto, é se colocar em seu caminho e perseverar. Crer no ressuscitado é colaborar na ressurreição dos pobres crucificados. Estes são vítimas de diversas injustiças, que precisam ser denunciadas.

No Cristianismo, infelizmente, temos mais pessoas que prestam culto a Jesus do que autênticos seguidores. A explicação disso deve-se à exigência fundamental do seguimento de Cristo: a entrega da própria vida. Neste mundo seduzido pelo poder, pelo prestígio e pela riqueza, poucos são os que estão dispostos a entregar a própria vida na construção do Reino de Deus inaugurado por Jesus de Nazaré. Neste sentido, é mais fácil e mais cômodo cultuar Jesus do que segui-lo.

O texto evangélico deste Domingo termina com as seguintes palavras: “Jesus realizou muitos outros sinais diante dos discípulos, que não estão escritos neste livro. Mas estes foram escritos para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais a vida em seu nome”. Jesus ressuscitou para termos vida nele. Deus ressuscitou Jesus dentre os mortos porque quer que a vida prevaleça sobre a morte. Assim, a celebração da Páscoa de Cristo é a celebração da vida, e celebrar a vida significa assumir, afetiva e efetivamente, a defesa e a promoção da vida do todo ser humano explorado e, portanto, sofredor.

A Igreja vive a experiência da Páscoa de Jesus quando trabalha a serviço da ressurreição dos empobrecidos, pois estes carregam unidos a Jesus, a pesada cruz das injustiças que lhes são cometidas. A Igreja é chamada a ser um sinal de ressurreição no mundo, jamais uma cruz nas costas do povo de Deus. E neste 1º de Maio, Dia do Trabalhador e celebração da memória de São José, operário; não podemos deixar de reconhecer o valor do trabalho na vida do ser humano e de denunciarmos a falta do mesmo na vida de tanta gente, falta que gera fome, violência e tantos outros males oriundos da privação das mínimas condições de vida digna.


Tiago de França