sábado, 11 de junho de 2011

Espírito Santo: vida, verdade e liberdade


“O Espírito anima a história e o Espírito anima o tempo presente. Torna a história mais humana, e torna a vida e cada dia mais feliz. Transfigura o nosso presente e gera o futuro”.
(José Comblin)

Anualmente, a Igreja celebra a Solenidade de Pentecostes. Antes mesmo de meu ingresso na formação presbiteral, ano após ano, envio aos amigos e às amigas uma reflexão sobre o Espírito Santo. Estou convicto de que a linguagem humana não consegue descrever a totalidade da ação do Espírito. Este age livre e imprevisivelmente. Nossos esquemas mentais e doutrinais jamais conseguem entender plenamente o Espírito. Perdemos nosso tempo quando ousamos dizer ao Espírito o que ele deve fazer conosco, com a Igreja e com o mundo. Ele nos ensina que a iniciativa é sempre dele, em favor de nossa vida e para a nossa liberdade.

O Espírito é vida

O Pai enviou Jesus para permanecer no meio de nós. Jesus veio com a missão de restabelecer a amizade entre Deus e o ser humano. Ele nos ensinou a sermos amigos de Deus sendo ele próprio amigo dos pecadores e marginalizados de seu tempo. Os evangelhos falam dessa relação amigável de Jesus com os últimos. Pouco tempo depois de ter assumido a causa dos últimos, que foi a causa da sua missão, Reino de Deus, Jesus foi assassinado na cruz.

O Pai assistiu a coragem e a fidelidade de seu Filho na cruz. Esta fidelidade o levou a ressuscitá-lo dentre os mortos. Jesus vivo e presente, envia seus discípulos à missão no mundo, prometendo-lhes o Espírito Santo. A partir daí, ele precisou “ausentar-se” fisicamente do meio deles, a fim de que o Espírito viesse com toda a sua força. O Espírito não veio com uma nova missão, pois não há divisão de projetos no seio da Comunidade trinitária: o Pai, o Filho e o Espírito trabalham juntos. São um só Deus.

O Espírito veio para encorajar, dar forças, fazer recordar os ensinamentos de Jesus, jogar no mundo, refundar o povo de Deus. Não há rupturas nem descontinuidade, mas fortalecimento do projeto do Pai. Este projeto tem como meta primeira a vida do homem e do mundo. O Espírito foi enviado para assegurar a efetividade do projeto do Pai no mundo. A vida está no centro deste projeto. O Espírito não faz outra coisa no mundo a não ser gerar a vida, tornar fértil toda infertilidade, fazer ressurgir os cativos e tornar novas todas as coisas.

O Espírito é verdade

Jesus viveu na verdade para a verdade. Ele é a verdade. Esta liberta a pessoa e o mundo de toda mentira e confusão. A verdade é clareza, é tranqüilidade de consciência, é caminho de liberdade. Jesus era livre porque pautava sua vida na verdade. Nele não se encontrou falsidade nem duplicidade. A verdade desmascara a mentira pessoal e sistêmica, é tão arriscado aderi-la que o ser humano tende a ocultá-la optando pela mentira, que se mostra mais cômoda.

A verdade de Jesus se manifestou na sua palavra e nos seus gestos. Sua experiência missionária mostra que identificar-se com a verdade significa defender e promover a justiça. Há uma íntima relação entre verdade e justiça. Não é possível ser justo negando-se à verdade. Esta reconhece o valor e a dignidade do ser humano e impede que lhe cometamos injustiças. Jesus viveu na verdade quando acolheu os pecadores, amando-os verdadeiramente. Ele lhes deu oportunidade para chegarem ao conhecimento da verdade de sua condição de explorados.

Colocando-se do lado e no meio dos pobres e dos pecadores, esquecidos e explorados pelas elites civis e religiosas da época, Jesus gritou a verdade diante de todos. Tais elites não se conformavam e fizeram um acordo entre si para eliminar definitivamente aquele que estava falando a verdade no meio da “raça pecadora”. O Espírito leva a pessoa a fazer o que fez Jesus: gritar a verdade a partir da realidade dos últimos. Iluminada pelo Espírito, a pessoa não se conforma com mentira, exploração e alienação; denuncia e anuncia a verdade que gera a justiça.

O Espírito é liberdade

Os evangelhos mostram que Jesus era um homem livre. Sua liberdade estava na identificação com a vida e com a verdade. Jesus era livre em relação a tudo e a todos: a si mesmo, à família, à religião, aos discípulos, à cultura, ao Império. Ele foi fiel ao Reino de Deus, seu projeto. Nada o desviou de sua missão. Soube escutar e obedecer a Deus no clamor dos empobrecidos. Não exerceu nenhuma função civil e religiosa que o tornasse escravo e alienado. Viveu na liberdade e a defendeu até as últimas conseqüências. Tornou-se o modelo por excelência de homem verdadeiramente livre.

O Espírito é igual a Jesus: livre e libertador. A pessoa que se deixa guiar pelo Espírito é como o vento, que não sabe de onde veio, nem para onde vai (cf. Jo 3, 8). O verdadeiro cristão é uma pessoa livre: não se deixa dominar por ritos, observâncias, sinais, divisões, distinções, normas, classificações. Pode até viver em meio a tudo isto, mas não pauta a sua vida a partir dessas coisas. A liberdade é possível já a partir desta vida, no Reino de Deus ela se torna plena. Infelizmente, o ser humano sempre teve medo da liberdade e contra ela criou sistemas de dominação, que são constantemente aperfeiçoados.

O desejo de Deus é a vida e a liberdade do ser humano. Homem nenhum consegue ser feliz se não busca, incessantemente, ser livre. O Espírito conduz à plena liberdade. No caminho da liberdade, o Espírito abre os olhos, os ouvidos e o coração da pessoa, a fim de que enxergue e sinta a necessidade da liberdade. O ser humano só se realiza na liberdade. Por isso, as leis, normas, regras, proibições e observâncias jamais conseguirão aprisioná-lo plenamente. Por mais observante que seja o cristão, o Espírito fala à sua consciência levando-o a reconhecer que a liberdade não se encontra na observância das leis, dos ritos e das doutrinas.

O cristão, a Igreja e o Espírito

Cremos e professamos que o Espírito assiste a Igreja, mas de que Igreja estamos falando? Estamos falando da Igreja-povo, constituída de mulheres e homens que são enviados para anunciar a Boa Notícia. O Espírito age nas pessoas para que formem o povo e construam o Reino de Deus. Por isso, são ilegítimas e não vem do Espírito toda espécie de manifestação espiritualista. Manifestações espiritualistas (oração em línguas, repouso no Espírito, visões etc.) são intimistas; portanto, não formam povo nem comunidade. O Espírito não se manifesta nas multidões, mas no povo de Deus. Multidão é dispersão e euforismo, povo é consciência cristã e seguimento de Jesus que converge para o Reino de Deus.

A Igreja pensada no Concílio Vaticano II não é multidão, mas povo de Deus: toda ministerial para a vida e a liberdade do ser humano e do mundo. O Espírito não leva ao intimismo da fé nem ao sucesso midiático, que não levam a nada; mas à profecia, que constrói o Reino de Deus. Nossa realidade eclesial mostra que precisamos renunciar ao devocionismo e às manifestações religiosa de massa para assumirmos o seguimento de Jesus de Nazaré. O Espírito nos encoraja para ressuscitarmos a verdadeira Igreja: a do compromisso afetivo e efetivo com a libertação integral do ser humano na opção preferencial pelos pobres. Não se pode esperar outra ação do Espírito Santo que não seja esta: unção para o compromisso com a vida e com a liberdade dos excluídos. Estes foram, são e sempre serão os prediletos de Jesus.


Tiago de França da Silva, CM
Campina Verde – MG, 11/ 06/ 2011.

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