quarta-feira, 19 de outubro de 2011

A Igreja e os jovens


“Os jovens são sensíveis a descobrir sua vocação a ser amigos e discípulos de Cristo. São chamados a ser ‘sentinelas da manhã’, comprometendo-se na renovação do mundo à luz do Plano de Deus. Não temem o sacrifício nem a entrega da própria vida, mas sim uma vida sem sentido” (Documento de Aparecida, n. 443).

Nunca foi promissora a relação entre a Igreja e os jovens. É verdade que na história recente da América Latina, os jovens se identificaram com as lutas que foram travadas contra os governos ditatoriais. Colégios católicos, pastoral da juventude, associações de jovens, sindicatos e outros movimentos se manifestaram contra a repressão e a tortura. Sem os jovens, tais manifestações não teriam acontecido. Um exemplo disso foi o caras-pintadas, que consistiu no movimento estudantil que protestou contra o Governo Collor, tendo como desfecho a impugnação do mandato (impeachment) do presidente Fernando Collor de Mello.

Neste período os jovens se identificaram com os movimentos eclesiais de cunho libertador (Comissão Pastoral da Terra, Pastoral da Juventude do Meio Popular, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, Comissão de Justiça e Paz e outros). Tais movimentos estavam inseridos nas lutas sociais por libertação, e os jovens tinham ideais claros e convicções profundas. Com o apoio da Igreja, os jovens enfrentavam muitas situações complexas, que exigiam disposição, coragem, inteligência e estratégias eficazes de ação política.

Atualmente, a situação é bem diferente: há certa separação entre fé e política. Isto explica a ausência da maioria dos cristãos nas lutas políticas que ainda existem na sociedade. Desconfia-se que a fé não tem repercussão política. Os cristãos decidiram-se pelas práticas religiosas. Estas são mais fáceis, cômodas, menos complexas. A preocupação está na reta celebração do culto, sendo que este tem pouco vínculo com os problemas do mundo pós-moderno. Há certo esforço por parte de pessoas, grupos e movimentos; mas, de modo geral, o desinteresse pelo político e pelo social é evidente.

Os jovens estão decepcionados com a política. Esta decepção leva-os ao desinteresse. Isto poderia inseri-los num modelo de Igreja apolítico, mas não é o que acontece. Por que não acontece? Porque eles não se identificam com as práticas religiosas, principalmente com a Celebração Eucarística. Basta escutá-los para ver que consideram tais práticas “coisa de velho”! Certo dia, quando indaguei a um jovem a respeito de sua ausência nas celebrações, eis o que respondeu: “Não gosto dessa parada de missa, acho estranho, cansativo; o padre fala coisa que não tem nada a ver, mas não tenho nada contra”. Este jovem representa bem a maioria dos demais.

Há dois extremos opostos entre si que precisam ser considerados e evitados na relação entre Igreja e jovem: primeiro, que a Igreja sempre está correta e os jovens sempre estão errados, pois são rebeldes, recusam-se a escutar e obedecer; segundo, que são eles que estão corretos, pois a Igreja é atrasada, não se atualiza, é moralista e autoritária. Se a situação for encarada a partir destes extremos, jamais haverá evangelização de jovens. Todo extremismo é equívoco, desrespeito e agressão à liberdade; portanto, não constrói nada.

Para pensar na evangelização dos jovens é preciso considerar, antes de qualquer coisa, que eles não são crianças, não são adultos nem idosos. É necessário, portanto, pensar no jovem a partir de sua realidade. É perda de tempo e há muito desgaste quando tratam o jovem como se ele fosse criança. Isto significa infantilizá-lo. Também não adianta exigir dele pensamentos e atitudes de adulto e idoso, pois não haverá correspondência. Adulto e idoso não tem nada que ver com o jeito jovem de ser. Assim sendo, é preciso rever a linguagem e os métodos para evangelizar o jovem.

Festas, banalização do corpo, violência, drogas, falta de interesse pelos problemas sociais e pelos estudos, frustrações, forte carga de alienação, carência afetiva, vazio existencial (perda de sentido da vida), ausência de perspectivas e ideais etc. são alguns dos mais graves problemas que afetam a vida dos jovens de hoje. Não é fácil falar para jovens que se encontram afetados por estes males. O discurso tradicional da Igreja não funciona. Eles já sabem de cor o que pensa a Igreja a respeito de suas vidas, por isso não param para escutá-la; sabem que ela sempre parte daquilo que é negativo em suas vidas.

Segundo o jovem, a Igreja é a moral instituída. Ela lembra ordem, proibições, leis, pouca ou nenhuma liberdade, autoridade. De modo geral, os jovens não se dão bem com a figura da autoridade (pais, políticos, padres, professores, polícia, patrão). Há sérias dificuldades em conciliar autoridade e liberdade. De fato, historicamente, a figura da autoridade sempre ameaçou a liberdade do ser humano. Falar de autoridade é falar de um modelo tradicional de obediência no qual há um que manda e outro que obedece; o que manda sempre está certo, por isso, o súdito precisa obedecer. Dentro deste modelo não há liberdade.

Para evangelizar os jovens, a Igreja precisa rever três questões: 1) suas estruturas; 2) sua linguagem e 3) sua moral sexual. A revisão deve levá-la a ser uma instituição mais humana, com abertura, diálogo, dinamismo, alegria, espontaneidade, audácia e profetismo. Sem esta revisão tudo não passará de tentativas frustradas e a realidade continuará do mesmo jeito.

A Igreja precisa se atualizar (aggionamento), se quiser realmente evangelizar os jovens, pois num mundo onde tudo evolui e se transforma, toda realidade que apresenta resistências à atualização termina por ser rejeitada por aqueles que não se contentam em permanecer do mesmo jeito. O permanecer do mesmo jeito está ligado à rotina, que consiste na repetição irrefletida de hábitos e costumes (esquemas fixos e estabelecidos). Por outro lado, a rotina confere segurança porque tudo está no seu devido lugar, no seu devido horário e regido conforme regras fixas e, às vezes, inquestionáveis. Os jovens têm dificuldades para se inserir em instituições com estilos de vida regrados e quase que imutáveis.

Por fim, é preciso considerar a necessária mudança de mentalidade, pois sem esta nenhuma outra é possível. A abertura ao novo que questiona e desafia é de fundamental importância para que haja mudança de mentalidade; do contrário, pode-se até admitir os equívocos, mas as reais mudanças não acontecem. O ser humano age segundo suas concepções, e se estas não são devidamente atualizadas (recicladas), a conversão não acontece.


Tiago de França

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