domingo, 13 de novembro de 2011

Servir na bondade e na fidelidade


“Muito bem, servo bom e fiel! Como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria!” (Mt 25, 21)

O texto evangélico deste XXXIII Domingo Comum (cf. Mt 25, 14 – 30) apresenta a parábola dos talentos: trata-se da história de um homem rico que antes de viajar para o estrangeiro entregou seus bens para três empregados. Depois de muito tempo retorna e acerta as contas com eles: o que havia recebido cinco talentos prestou conta de mais cinco; o que tinha recebido dois prestou conta de mais dois e o que tinha recebido um apresentou o mesmo valor, pois enterrou o talento no chão, sem ter multiplicado nem colocado no banco. Os dois primeiros empregados foram louvados pelo patrão e o terceiro foi considerado mau, preguiçoso e inútil, e foi jogado na escuridão. Esta é a parábola. O que ela diz para o cristão e para a Igreja de hoje?

Jesus contou esta parábola tendo em vista o serviço na construção do Reino de Deus. Este está no centro da mensagem cristã e tudo converge para ele. O serviço em função do Reino de Deus é diferente do serviço a uma empresa com espírito capitalista. O espírito capitalista tem suas leis: lucro, eficiência, agilidade, competência, produtividade, competitividade, concorrência etc. Se a parábola dos talentos for lida na ótica capitalista, todos estes elementos que caracterizam o espírito capitalista podem ser encontrados nela; mas na perspectiva do Reino de Deus tudo muda, tudo é oposto àquilo que prega o capitalismo.

Na perspectiva do Reino de Deus o serviço é, antes de tudo, gratuito. Na ótica do mundo dominado pelo individualismo não há espaço para a gratuidade. No serviço do Reino não há competição nem preocupação com produtividade nem concorrência. A norma é servir no amor, na liberdade, na gratuidade, na paciência, na perseverança e com fé no Deus da vida: estas são as características do servidor bom e fiel, que mesmo em meio às imperfeições inerentes à condição humana se esforça e se empenha porque aderiu ao projeto libertador de Jesus de Nazaré.

O projeto libertador de Jesus de Nazaré exige mulheres e homens que queiram servir na bondade e na fidelidade. É verdade que não há pessoa que seja completamente bom e fiel, pois somente Deus é bom e fiel. Este mesmo Deus, em sua infinita sabedoria nos concede dons para o serviço de seu Reino. Cada pessoa é chamada a servir de acordo com suas capacidades e possibilidades. Deus quis que nos tornássemos seus colaboradores: esta é sua dinâmica salvadora. O ser humano não é mero destinatário da salvação divina, mas participante do processo salvífico. É verdade que em Cristo todos já estamos salvos, mas é do querer de Deus que participemos na edificação do seu Reino.

Em meio às luzes e trevas, a Igreja procura servir ao seu Senhor. Ora se avança, ora se regride: às vezes, a impressão que se tem é que se avançam cinco passos e se regridem dez! O que não nos faz cair no desespero é a certeza de que o Espírito do Senhor está presente no mundo e na Igreja. Ele é livre e libertador: impulsiona, no silêncio e na discrição, mulheres e homens para questionar e fazer desabar aquilo que julgam moralmente certo e que está estabelecido acima de tudo e de todos. É este mesmo Espírito que dá força e coragem aos discípulos de Jesus do momento presente para usarem seus talentos e fazer crescer, em meio às luzes e trevas, a liberdade e a vida.

Os EUA estão em crise e a Europa pior ainda. Depois de anos de escândalos de corrupção, Sílvio Berlusconi é obrigado a deixar o cargo de primeiro-ministro da Itália. No Oriente, as ditaduras estão cessando. Na Europa, o número de mulçumanos aumenta e o de cristãos católicos diminui. Na Espanha, o Cardeal Arcebispo de Madri proíbe, sem dar nenhuma justificativa, uma conferência do teólogo Juan José Tamayo numa paróquia madrienha de Villaverde Alto. Em Bilbao, fez a mesma coisa o bispo Mario Iceta, proibindo o teólogo Andrés Torres Queiruga de dar um curso no Instituto de Teologia de Bilbao.

Estas coisas não estão acontecendo pela força do acaso. São situações históricas, contextualizadas. Há pessoas envolvidas, a maioria sem muita visibilidade. Os velhos sistemas opressores estão minando, a esperança está vencendo o medo. Há fogo debaixo das cinzas. A vida insiste em sobreviver!... Em meio a tudo isso, o que o Espírito está dizendo às Igrejas?...


Tiago de França

sábado, 5 de novembro de 2011

Vocação à santidade


“Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5, 3).

Neste Domingo, a Igreja celebra a Solenidade de Todos os Santos. Muito se tem falado a respeito do significado da santidade. Na história da Igreja encontramos inúmeros santos e santas. Há os que foram canonizados e há os que até hoje continuam no anonimato. Vamos falar de algumas características que falam do significado da santidade. Antes, precisamos fazer três considerações que nos ajudam a compreender os santos.

Primeira consideração: todo santo vive numa época e num contexto específico. Não há santo fora do mundo. Portanto, está situado num contexto histórico, marcado por aquilo que é próprio do mundo. Ninguém é alheio ao tempo e ao espaço. O santo é alguém que vive, simples e humildemente, no mundo. Humano, não pode ser visto como alguém que foi agraciado com o privilégio da santidade. Esta não é privilégio de alguns, mas vocação universal, chamado para todos.

Segunda consideração: todo santo é um ser humano. A verdadeira santidade consiste em ser verdadeiramente humano. Assim, não se pode esperar que o santo tenha alguns poderes sobrenaturais que o transforme num semideus e/ou num ser especial. Os santos não têm poder para nada, pois somente Deus é o Todo-poderoso. Não se pode querer ser santo esperando que Deus confira poderes especiais para ajudar outras pessoas.

Terceira consideração: nenhum santo pode ser colocado acima ou no lugar devido somente a Deus; do contrário, comete-se o pecado da idolatria. Os santos não são auxiliares de Deus, não são representantes de Deus, não são dispensadores das graças divinas. Jesus de Nazaré, o Santo de Deus, nos ensinou a irmos diretamente a Deus, sem medo e com alegria filial. Recebemos de Deus um presente de amor, que consiste na graça de sermos chamados filhos de Deus (cf. 1 Jo 3, 1). Um filho não precisa de intermediários para viver em comunhão com o Pai.

Explicitadas as considerações, discorramos sobre três características fundamentais da vocação à santidade.

A santidade acontece no seguimento de Jesus de Nazaré. A santidade consiste em se colocar no caminho de Jesus de Nazaré: caminho estreito e pedregoso. Este caminho passa pela cruz e esta são as realidades sofridas deste mundo. A cruz simboliza os crucificados da história. Por isso, o santo é alguém que vive unido aos crucificados deste mundo através da misericórdia, da fome e da sede de justiça. Misericórdia e justiça: práticas permanentes dos que se arriscam permanecer no caminho de Jesus. Fora deste caminho não há santidade nem salvação.

A santidade acontece na pobreza. Ser pobre é ter acesso às condições necessárias a uma vida digna. Segundo Jesus de Nazaré, isto nos basta. Portanto, toda pessoa que acumula, que se apega, que vive em função das riquezas não entrará no Reino de Deus. O pecado destas pessoas consiste na insensibilidade, na falta de compaixão para com aqueles que não têm o mínimo para sobreviver. Quem for escravo das riquezas deve procurar nelas a sua salvação, jamais no Deus e Pai de Jesus de Nazaré, que é o Deus da solidariedade e da partilha. Neste sentido, o santo é alguém despojado, que se contenta somente com o necessário para viver; é alguém livre do apego às riquezas.

A santidade acontece no amor e na liberdade. O testemunho de Jesus de Nazaré descrito no seu Evangelho é um testemunho de amor. Amar a Deus e ao próximo é a lei que deve reger a vida de quem deseja seguir Jesus e ser santo. O amor é o único meio para humanizar e salvar o ser humano: fora do amor não há realização nem verdadeira felicidade. Porém, é preciso ter cuidado para não confundir amor com apego. Toda pessoa que estiver vivendo a aventura do amor deve se perguntar: o que estou vivendo é amor ou apego?...

O amor conduz à liberdade e o apego à escravidão. Quem ama quer ver o outro livre e quem se apega, apodera-se do outro. Quem ama, mesmo não “tendo” o outro próximo a si, sente-se feliz, porque sabe que o amor ultrapassa o tempo e o espaço; quem se apega depende necessariamente da presença, do querer, do gosto, da vontade e de tudo aquilo que o outro é. No apego, a morte do outro é a minha própria morte. Somente no amor há caminho de liberdade e de libertação: no amor os seres humanos conseguem ser livres e, conseqüentemente, felizes. O santo é alguém que ama na liberdade e para a liberdade.


Tiago de França