sábado, 24 de março de 2012

Dom Oscar Romero, santo profeta de Deus


“Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me. Pois aquele que quiser salvar sua vida, a perderá; mas, o que perder sua vida por causa de mim e do Evangelho, a salvará” (Mc 8, 34 – 35).

As pessoas querem ganhar a vida, todos querem se salvar. Ganhar a vida segundo a lógica deste mundo significa progredir, crescer, ter sucesso, ser reconhecido, dar-se bem em tudo. O mundo construído a partir desta lógica não permite que todos ganhem a vida, haverá sempre os perdedores, os derrotados, os que passam toda a vida lutando, mas fracassam; fracassam porque não há espaço para todos. Há pessoas que nascem e morrem sem ter acesso ao ganhar a vida, sem serem, à luz deste mundo, felizes.

Quando Jesus foi enviado a este mundo, encontrou muitas pessoas lutando para sobreviver: mulheres, crianças, paralíticos, leprosos, cegos, doentes, iletrados, pecadores públicos. Estas pessoas não eram consideradas, não as levavam em conta, eram excluídas. Quando Jesus leu o primeiro testamento das Escrituras percebeu com facilidade que seu Pai tinha libertado o povo da escravidão e reconheceu que o caminho da liberdade é o caminho de Deus. Então, sem medo algum, se colocou a serviço da liberdade do povo de Deus renovando, assim, a antiga Aliança.

Dom Oscar Romero, bispo da Igreja, depois que foi eleito Arcebispo de El Salvador, na América Central, vendo os empobrecidos sendo brutalmente assassinados, releu o Evangelho de Jesus e arriscou-se no caminho da liberdade. Antes de arriscar-se, queria salvar a própria vida em detrimento da vida do povo de Deus; mas os apelos do Espírito e o clamor do povo massacrado não permitiram que o bispo vivesse na indiferença. Então, em meio à cruel ditadura militar salvadorenha, Dom Oscar Romero assumiu a profecia, despojando-se do medo e denunciando a tortura sangrenta.

Os militares, os irmãos bispos e o Papa surpreenderam-se com a conversão do bispo profeta. Ninguém esperava que ele iria compartilhar o sofrimento dos empobrecidos, porque era famoso por sua fidelidade a um modelo de Igreja voltado para a sacristia, uma Igreja preocupada consigo mesma. Os militares denunciaram-lhe a Roma, o Papa recomendou-lhe que fosse prudente no conflito com os militares, os irmãos no episcopado o ignoraram, o profeta se viu sozinho com seu povo. O Espírito o fez vencer o medo e a falsa prudência; o bispo entregou-se, destemidamente, ao sagrado ministério da profecia.

A Igreja pensada e vivida por Dom Oscar Romero estava totalmente voltada para a conquista da liberdade do povo de Deus. O seu evangelho era o de Cristo: Evangelho da liberdade. Ele sabia que a liberdade gera a verdadeira vida, fé e vida entrelaçadas. Suas denúncias eram diretas, claras, corajosas, fortes, ditas em bom tom, sem esconder nomes. O povo identificou-se com ele porque viu que se tratava do pastor que conhecia a vida de seu rebanho e estava disposto a dar a própria vida se preciso fosse, como, de fato, o foi.

No dia 24 de março de 1980, durante uma Missa, no altar do Senhor, Dom Oscar Romero foi assassinado a tiros. Morreu no exercício da profecia, diante do altar do Senhor, na celebração da memória da paixão, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré. Foi um fiel discípulo e missionário do crucificado-ressuscitado, a exemplo de Cristo participou da dor do povo de Deus até as últimas conseqüências. O povo chorava desesperadamente a morte de seu pastor e diante do venerável corpo se perguntava: “O que será de nós sem este santo profeta de Deus?...”

O que o testemunho de Dom Oscar Romero fala para a hierarquia da Igreja? Para não cometermos injustiça contra os que se dedicam ao serviço libertador do povo de Deus, é preciso louvar e agradecer a Deus pelo pequeno número dos profetas que temos na hierarquia da Igreja: Dom Pedro Casaldáliga, Dom Edmilson da Cruz, Dom Flávio Cappio, Dom Mauro Morelli e outros bispos e padres identificados com a libertação integral dos empobrecidos. Há um número cada vez mais acentuado de bispos e padres que, em detrimento da liberdade e da vida dos excluídos, identificam-se com o poder e com os poderosos deste mundo. Infelizmente, o número dos que assim procedem é grande e aumenta cada vez mais.

Os que se identificam com o poder querem mais poder. A sede pelo poder é visível entre os ministros ordenados da Igreja. Suas atitudes transparecem tal sede: amizades e alianças com poderosos, vida luxuosa, competição, carreirismo, busca de títulos e reconhecimentos, autoritarismo; são rubricistas e aparentemente fiéis às orientações da Igreja, são moralistas e gostam de bajular a figura da autoridade eclesiástica, isentam-se de criticar a estrutura hierárquica e alimentam falsa prudência em relação ao mundo, condenando-o e o demonizando etc. Por fim, é preciso não esquecer de que são fiéis perseguidores dos profetas de Deus.

Após converte-se ao caminho da liberdade, Dom Oscar Romero despojou-se de toda espécie de ambição; transformou seu ministério de bispo num instrumento de libertação dos empobrecidos. Viveu a autêntica espiritualidade do bom pastor descrita no evangelho segundo João (cf. Jo 10, 1 – 21): apascentou o rebanho do Senhor até a doação da própria vida. Seu interesse era a vida do povo.“A glória de Deus é o povo livre”, gostava de afirmar. Abraçou a coroa do martírio com a liberdade de quem só obedecia a Deus, seu testemunho torna fecunda a missão da Igreja e a orienta para o caminho de Jesus de Nazaré.

Celebrar a memória do martírio de Dom Oscar Romero não é somente recordar seu testemunho profético, mas nos perguntarmos pelos profetas da Igreja de hoje. Somos batizados em nome de Deus, o Espírito de Deus habita em nós, deixemo-nos, portanto, guiar por este Espírito e a profecia jamais cairá. A profecia revigora a Igreja e a torna, de fato, instrumento de salvação da humanidade, conforme pensou o Concílio Vaticano II.

Os profetas nos provocam e nos concedem a graça de voltamos às origens da Igreja, marcadamente profética; somente assim teremos uma Igreja mais humilde, humana, acolhedora e servidora da humanidade, preferencialmente dos empobrecidos. Que Dom Oscar Romero interceda a Deus pela conversão da Igreja, a fim de que ela seja verdadeiramente Povo de Deus em marcha rumo à plenitude do Reino de Deus.


Tiago de França

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