sexta-feira, 13 de abril de 2012

PARTILHA FRATERNA


“Vós procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou” (Mc 16, 6).

Amigos e amigas,

Neste ano, durante a semana santa, juntamente com a Ir. Zelaides, filha da caridade, estive em Vargem do Setúbal, pequeno povoado do município de Chapada do Norte – MG. Neste povoado existe uma Comunidade cristã assistida pelos Padres lazaristas residentes em Jenipapo de Minas e Francisco Badaró, cidades vizinhas.

Chegamos às 16h30 do sábado e fomos acolhidos em duas famílias. No outro dia, juntamente com o Pe. Paulo José, C.M. e a Comunidade celebramos o Domingo de Ramos. Na segunda, terça e quarta, à noite, na capela da Comunidade, que tem como padroeiro São Francisco de Assis, realizamos reuniões para discutir sobre o sentido de cada dia do Tríduo Pascal. Nestes dias realizamos várias visitas; damos prioridade aos enfermos. Celebramos com muito fervor, piedade e alegria o Tríduo Pascal. Após a Celebração da Vigília Pascal participamos de uma festiva ceia comunitária. Retornamos no domingo, bem cedo, para nossas casas.

Quero partilhar algumas reflexões que foram surgindo ao longo desta valiosa experiência. Sintetizando, eis o que me chamou a atenção:

1 – A ausência do Poder Público e a fraca assistência da Igreja.

Nas visitas e em outros momentos pude perceber as reais condições de vida do povo. Há carência de comida suficiente, de água potável, de remédios e tratamento digno de saúde, de escola de qualidade, de saúde física e mental. É preocupante o número de pessoas deprimidas e profundamente angustiadas: isto é perceptível no acentuado número dos que possuem perturbação mental. Antes de nossa chegada, um jovem de 18 anos de idade tinha se suicidado. No semblante de muitas pessoas há uma profunda tristeza e desânimo. Quando indagados, os jovens não sabem o que querem da vida, faltam perspectivas. Tudo é muito distante e os serviços públicos são escassos e precários.

2 – Há muita fé em Deus em meio a uma confusão religiosa.

As palavras e gestos das pessoas revelaram muita confiança na força e na presença de Deus. O povo acredita num Deus que pode todas as coisas e que, apesar do sofrimento e da morte, vem em socorro do ser humano. “Deus é bom!”, “Se Deus quiser!”, “Graças a Deus!”, “Deus querendo, tudo dar certo!”, “É assim porque Deus quer”, “Confio em Deus que tudo isso um dia há de passar!”: estas e tantas outras expressões demonstram a fé do povo. No povoado há, além da Igreja Católica, a Congregação Cristã do Brasil. Não há conflitos significativos entre elas, mas certa confusão doutrinal na cabeça de muitas pessoas. Enquanto o padre só aparece uma vez por mês para Celebração, o líder da outra denominação religiosa aparece todos os domingos e/ou quinzenalmente. De modo geral, as pessoas desconhecem a doutrina cristã católica e não vêem problema algum em participar das duas denominações religiosas.

3 – A perseverança e a vontade de viver diante dos claros sinais de morte.

O cotidiano da vida e a verbalização dos sentimentos e sonhos mostraram muita força de vontade por parte de muitas pessoas. Há uma viva esperança por um futuro melhor, menos doloroso e mais feliz. A luta incansável pela manutenção da vida é de causar admiração: “A gente vai vivendo até quando Deus quiser!...”, falava-me uma senhora, mãe de doze filhos, que vive doente à espera de uma cirurgia para a retirada de um rim que parou de funcionar. A dança, a música, a bebida, as brincadeiras, as conversas nas calçadas, a telenovela e as idas às Igrejas são estímulos que ajudam o povo a sobreviver. Há até quem vive rindo da própria desgraça!

A partir do Cristo ressuscitado e com os olhos da fé, estas realidades manifestam a presença amorosa de Deus que ama e não abandona seu povo. Para concluir, eis três considerações de ordem teológico-espiritual sobre a Páscoa cristã:

1 – A celebração da Páscoa não é mero culto, mas experiência concreta de fé.

A celebração da Páscoa de Cristo parte da vida concreta das pessoas, especialmente dos empobrecidos. Deus fez opção pelos últimos e ressuscitou Jesus de Nazaré. A ressurreição é o sinal de que Deus quer a vida de seu povo, é Deus libertando-o do poder da morte. Jesus foi fiel ao projeto do Reino do Pai até as últimas conseqüências e esta fidelidade o fez ressurgir para a vida plena. Esta vida é dom gratuito de Deus para o seu povo sofrido.

2 – A Igreja deve ressuscitar para a opção gratuita e preferencial pelos pobres.

A celebração da Páscoa cristã está perdendo seu sentido na Igreja, porque a experiência da saída da casa da escravidão está sendo marginalizada. Não há Páscoa sem passagem. A Páscoa não é culto, é passagem, é mudança, é saída da escravidão para a liberdade. A experiência da conquista da liberdade do povo de Deus não pode ser marginalizada. Ao celebrarmos a Páscoa devemos nos perguntar: Estamos nos libertando de que tipo de escravidão? Qual o real sentido de nossa celebração? O que estamos celebrando?... Sem opção preferencial pelos pobres não há autêntica celebração pascal.

3 – Ressuscitar é libertar-se e a liberdade conquista-se na comunidade.

De modo geral, as pessoas se “reúnem” para invocar particularmente o seu Deus. Elas invocam a Deus segundo seus próprios interesses e necessidades. Deus passou a existir em função das necessidades emergentes da vida. Esqueceu-se da relação filial conseguida pela adoção em Cristo Jesus. Somos filhos e filhas de Deus, não meros pedintes e prestadores de culto.

Falar do ressuscitado é falar de túmulo vazio. Há uma excessiva ênfase no túmulo vazio. Esqueceu-se do envio ao mundo. Jesus pediu às mulheres para que anunciassem a Boa Notícia da Ressurreição. Elas querem tocá-lo, ajoelham-se e abraçam seus pés, mas ele as envia em missão. Ele não quis que elas ficassem ali na tranqüilidade da contemplação, mas as envia para o mundo: Vão, digam às pessoas que estou vivo, que quero permanecer com todos vós!

Ressuscitar é isto: é ir, é decidir-se pela missão, é dizer para as pessoas que o sentido de suas vidas está naquele que lutou para que todos fossem livres, é anunciar a Boa Notícia do amor que supera o ódio, a indiferença, a intolerância, o preconceito, a vingança, a inveja e tantos outros males que agridem e desumanizam as pessoas. Celebremos, pois, a Páscoa de Cristo indo ao encontro do outro, nosso irmão. A Páscoa acontece na fraternidade. No espírito do Cristo ressuscitado construamos, pois, um mundo mais justo e uma Igreja mais solidária, mais humana e, conseqüentemente, mais comprometida com as grandes causas do Reino de Deus.

Feliz Páscoa!


Tiago de França da Silva
Belo Horizonte – MG, 12 de abril de 2012.

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