quarta-feira, 18 de julho de 2012

A constante evasão dos fiéis da Igreja Católica


          É fato notório que a Igreja Católica tem perdido progressivamente um elevado número de seus adeptos. O censo de 2010 o demonstra clara e inquestionavelmente. Os estudiosos da religião buscam compreender tal fenômeno e levantam várias hipóteses que tentam explicar o que está acontecendo, mas a complexidade da situação torna tais hipóteses pouco eficientes para um pleno entendimento. Isto não significa que as análises sociológicas e outras sejam desnecessárias, pelo contrário, elas ajudam no enfrentamento do problema, explicitando-o da maneira mais pormenorizada possível.

            Analisar a religião é algo complexo porque envolve duas realidades transcendentais do ser humano: a fé e a subjetividade. Nenhuma ciência consegue abarcar plenamente tais realidades, pois são complexas e dotadas de constantes transformações. A fé não é um dado pronto e acabado, mas um dom gratuito de Deus para ser vivido no contexto histórico de cada pessoa; não é um mero crer, mas um jeito de ser no mundo e de relacionar-se com o totalmente Outro. A subjetividade é uma realidade de cada pessoa na sua relação com o próximo, com o mundo e com o universo. Penso que estas questões precedem os números do censo e devem ser consideradas.

            Antes de morrer, o teólogo belga José Comblin fez uma breve abordagem sobre a diferença que há entre religião e evangelho. Resumidamente, podemos sintetizar esta diferença em três sentenças: 1) Religião e evangelho são duas coisas distintas, jamais deveriam se confundir; 2) Jesus de Nazaré não foi enviado para fundar uma religião no mundo, mas para iniciar um caminho, o caminho que conduz ao Reino de Deus; 3) O Reino de Deus está no centro de seu Evangelho e para a religião ser verdadeiramente cristã precisa compreender, aceitar e anunciar este Evangelho ao mundo. Há outros aspectos relevantes na reflexão teológica de J. Comblin que demonstram a eficácia e a ineficácia da religião na vida humana e sua inserção no mundo.

            A reflexão de J. Comblin nos ajuda a entender os fracassos da religião enquanto corpo institucional explicitado na existência das Igrejas cristãs. Nestas se vive a fé religiosa, caracterizada pelas diversas crenças, que podem e devem mudar ao longo do tempo. Um dos problemas que estão na base da explicação do fracasso de muitas experiências religiosas está justamente na tentativa de enquadramento que as Igrejas realizam ao receberem os fiéis em seus estabelecimentos. A mulher e o homem pós-modernos têm verdadeira aversão a toda espécie de enquadramento.

Considerando a progressiva evasão de fiéis da Igreja convido o leitor a olhar tal situação a partir de três razões que julgo imprescindíveis, a saber: 1) Não basta reforçar e explicitar a doutrina; 2) Manter-se atualizada em um processo contínuo de revisão e 3) Voltar corajosa, honesta e decididamente ao Evangelho de Jesus e à experiência da Igreja primitiva.

            Não basta reforçar e explicitar a doutrina. O reforço e explicitação da doutrina são ações necessárias na vida da Igreja, mas não resolvem o problema da evasão de fiéis. A maioria destes nunca compreendeu a doutrina da Igreja, que sempre se mostrou complexa, tanto do ponto de vista do conteúdo quanto do da linguagem.

Basta ler o Catecismo da Igreja Católica para perceber o quanto a doutrina da Igreja precisa ser reelaborada numa linguagem mais acessível e prática. As pessoas, de modo geral, não entendem nada! Aqui surge uma indagação no mínimo curiosa: Como pode um fiel professar sua fé religiosa sem entender as crenças que julga possuir? É incalculável o número dos que se encontram nesta conflituosa situação. A verdade é que não é a doutrina que consegue manter os fiéis na Igreja. O que não é compreendido não é assimilado, portanto, não convence nem segura ninguém.

            Manter-se atualizada em um processo contínuo de revisão. Rever acertos e equívocos é uma necessidade inerente à condição humana e ao desenvolvimento saudável de toda instituição. No decorrer da história, os concílios são os encontros dos Bispos junto com o Papa para uma revisão da caminhada da Igreja.

Neste ano, comemoram-se os 50 anos do Concílio Ecumênico Vaticano II. Neste Concílio muitas coisas foram revisadas e pensadas, mas sua aplicação na vida da Igreja continua sendo um desafio que intriga a muitos: uns desejam o retorno da Igreja ao estilo tridentino; outros, porém, se aplicam a colocar em prática as orientações do Vaticano II. O peso das tradições e das estruturas são obstáculos para que a Igreja se mantenha atualizada. Por mais aversão que se tenha às palavras mudança e transformação, a Igreja precisa se convencer de que é inadiável a aplicação das resoluções do Vaticano II; do contrário, não há conversão eclesial possível.

Para uma verdadeira revisão da caminhada são necessários sentimentos e atitudes alicerçadas na humildade, na abertura e diálogo com o mundo e com outros saberes além dos saberes filosófico e teológico. Humildade para reconhecer as fraquezas, os equívocos e crimes, e para admitir também que, às vezes, não se sabe bem para onde ir. Quem conhece a história da Igreja sabe que em muitos momentos ela se mostrou perdida no seu caminhar, sem saber com clareza para onde estava caminhando.

Abertura e diálogo com a mulher, o homem, a ciência e o progresso pós-modernos. Não adianta alimentar a ilusão de que as pessoas estão atentas aos discursos e documentos do Papa, às orientações e decretos dos Bispos e às normas eclesiásticas. A realidade mostra que até os católicos mais praticantes se mostram alheios a tudo isso. Como dialogar com as pessoas que estão fora do alcance das práticas religiosas? São discursos, documentos, orientações, decretos e normas que tais pessoas procuram? Não estamos ignorando a necessidade de tais coisas, só enfatizando que as mesmas não podem ser consideradas o essencial na vida da Igreja.

Voltar-se corajosa, honesta e decididamente ao Evangelho de Jesus e à experiência da Igreja primitiva. Trabalhar a formação dos leigos, aumentar o número de padres, acolher melhor as pessoas, investir no catolicismo midiático e devocional, promover grandes eventos de massa, apelar para a consciência das pessoas em vista da construção da identidade católica etc. Estes e outros recursos estão sendo efetivados pela Igreja tendo como objetivo maior conter a interminável evasão de fiéis. Um exemplo disso é a Jornada Mundial da Juventude, que será realizada no Rio de Janeiro, em 2013. Será uma tentativa de conscientizar os jovens a se sentirem Igreja. Penso que o encontro com o Papa não conseguirá realizar tal intento. Quais os frutos das jornadas mundiais da juventude realizadas até então?...

A Igreja precisa ousar voltar ao Evangelho de Jesus e, assim, redescobrir a essência de sua missão no mundo. Somente assim haverá verdadeira conversão eclesial. Para ser instrumento de salvação no meio do mundo a Igreja precisa reencontrar-se com o Cristo revelador do Pai e inaugurador do Reino, que comprometido com os pobres e oprimidos foi fiel até as últimas consequências. A experiência da Igreja primitiva é a da Igreja profética, que se opondo aos poderosos deste mundo anunciava sem medo a Boa Nova do Reino de Deus. Hoje, torna-se urgentemente necessário recuperar a profecia para que surjam uma Igreja mais aberta ao novo que o Espírito faz surgir e um outro mundo possível.

Falar da identidade da Igreja é falar de missionariedade e profecia. Não se constrói verdadeira identidade voltando-se ao passado e procurando manter aquilo que não mais corresponde aos sinais dos tempos de hoje. A realidade mostra claramente que uma Igreja que tende a voltar-se para o passado fecha-se cada vez mais ao futuro. Olhar, estudar e atualizar os grandes feitos do passado, sem dúvida alguma, é algo necessário; mas ressuscitar um modelo de Igreja que não corresponde às exigências do tempo presente é correr o risco de se cair no descrédito. O testemunho missionário e profético atrai as pessoas e constrói um mundo mais fraterno e uma Igreja mais humana, mais próxima das pessoas.

Tiago de França

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