“Eu sou o pão da
vida. Quem vem a mim não terá mais fome
e quem crê em
mim nunca mais terá sede” (Jo 6, 35).
O
texto evangélico deste XVIII Domingo Comum (cf. Jo 6, 24 – 35) fala de uma multidão
de pessoas que procura Jesus. Ela o procura porque pouco antes ele saciou a
fome de pão, ensinando-lhe o dom da partilha. Jesus não fez aparecer do nada
pão para toda gente, ele não era mágico como muita gente até hoje pensa. A multidão
pensava que ele seria o profeta de Deus que veio para matar a fome de pão,
curar as enfermidades, libertar dos demônios e tomar o poder imperial.
De fato, todas
estas coisas eram necessárias, mas a verdade é que Jesus morreu na cruz e os
pobres continuaram sendo explorados pelo Império Romano. Então, o que fez ele? Em
que se resume sua missão? Por que até os dias de hoje milhões de pessoas o
procuram em todo o mundo? Uma questão fundamental que todo cristão deveria
fazer a si mesmo é a seguinte: O que quero com Jesus de Nazaré?
Em verdade, em verdade eu vos digo, estais me
procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes
satisfeitos. Jesus
revela o verdadeiro interesse da multidão. Veja que o texto não fala de povo,
mas de multidão. Esta procura satisfazer uma de suas necessidades básicas: a
vontade de comer. Jesus sabe muito bem que todo ser humano precisa de se
alimentar para não morrer de fome. Ele não está mandando as pessoas ficarem com
fome, nem está desvalorizando o alimento.
Aqui temos duas
questões importantes: a do alimento em si mesmo e a procura de Jesus somente
por causa do mesmo. O alimento está em função da vida do corpo. Durante toda a
vida o ser humano procura o alimento, mas isto não o livra da morte. Não há
alimento que evite a morte, mas simplesmente asseguram uma vida saudável. Que todos
possam comer para viver bem é o desejo de Deus. A fome é um pecado gravíssimo,
que não pode ser tolerado! Todo ser humano tem o direito de se alimentar bem, é
um direito inalienável.
Jesus não
aceitou que as pessoas o procurassem somente por causa do pão. Ele fala da
necessidade de as pessoas procurarem pelos sinais. Em outra ocasião ele pede
que procurem discernir os sinais dos tempos. O sinal sempre aponta para outra coisa,
para algo que está além. Há realidades que precisam de sinais para serem
compreendidas. A partilha do pão é um dos sinais do evangelho segundo João:
sinal de que no Reino de Deus as pessoas não podem passar fome, e como este
Reino se realiza neste mundo, então é neste mundo que todos devem ter o
necessário para viver com dignidade.
Quando comemos
ficamos satisfeitos, “matamos” a fome, mas em poucas horas ela aparece de novo.
A fome nos leva a procura do que comer. Sabendo disso, Jesus se apresentou como
o pão enviado de Deus que permanece até a
vida eterna. Jesus é o alimento que permanece. Não se trata de um alimento
que sacia, de passagem, a fome, mas que permanece até a vida eterna. Todos podem
comer deste alimento, pois a mesa que oferece este alimento deve ser aberta,
acolhedora, simples, fraterna: é a Ceia do Senhor.
Dentro e fora do
Cristianismo (conjunto das Igrejas Cristãs) é grande o número dos que procuram
somente a satisfação para os corpos: alimento, moradia, saúde, lazer, prazer. O
apóstolo Paulo fala dos que se corrompem sob
o efeito das paixões enganadoras (Ef 4, 22). É verdade que devemos
satisfazer as necessidades básicas para termos vida digna: isto é justo e
necessário.
É verdade também
que, por natureza, tendemos às paixões, à satisfação dos instintos egoístas. Ninguém
está isento desta tendência. Ao final, todos chegam à conclusão de que é
impossível satisfazer-se plenamente. As necessidades e as paixões criam-se e
recriam-se, infinitamente. Portanto, buscar satisfazê-las de forma desordenada
é caminhar para a morte do corpo e do espírito, é perder a tranquilidade e a
paz necessárias.
Quando busca a
Deus, o ser humano tem a mesma tendência: quer que Deus satisfaça seus desejos
e vontades. A forte tentação é de transformar o Cristianismo numa religião de satisfação dos desejos. Não existe
nenhuma Igreja ou denominação cristã que não se preste a isto: em todas elas o
culto é marcado pela manifestação e procura de satisfação dos desejos e
vontades. No fundo, a maioria das pessoas deseja um Deus que resolva os
problemas da condição humana. O neopentecostalismo católico e evangélico
expressa bem o significado da religião como fonte de satisfação dos desejos.
Isto explica o
porquê de Jesus não ter fundado nem religião, nem Igreja, nem culto. Ele não fundou
nenhum sistema religioso para oprimir as pessoas, porque sabia que uma das
piores opressões que o ser humano já inventou em toda sua história consiste na
opressão religiosa. Ao invés de re-ligar
o ser humano à Deus, a religião se transforma cada vez mais num sistema de manipulação
das consciências e, consequentemente, de opressão.
A situação
chegou ao ponto do conflito sangrento (guerras) em nome de Deus. A história do Judaísmo,
Islamismo e Cristianismo, que são as três maiores religiões monoteístas (crença
num único Deus) é marcada pelo derramamento de sangue em nome de Deus. Infelizmente,
até os dias de hoje tenta-se justificar a eliminação do outro em nome de Deus;
tentativa totalmente contrária à Boa Nova anunciada por Jesus de Nazaré, que
revelou o verdadeiro rosto de Deus: amor que se traduz na solidariedade
(misericórdia) para com o próximo.
Nossa relação
com Deus deve ser filial, a modo de filhos que amam seu pai. Deus é amor, é um
Pai que não abandona seus filhos e filhas, que é presença amorosa, que cria e
recria na liberdade e para a liberdade, que enviou Jesus, pão da vida, para
saciar a fome e matar a sede que emergem do mais profundo do ser humano.
No culto
cristão, independentemente da denominação religiosa, esta deve ser a prece de
cada pessoa que busca o sentido último de sua vida: Senhor, dá-nos sempre desse pão. É preciso lembrar que fora do
culto cristão Jesus também oferece o alimento que permanece para a vida eterna.
Este alimento não está exclusivamente no interior das Igrejas cristãs, mas está
no mundo, à disposição de todo aquele que procurá-lo de coração sincero. Para o
leitor faço novamente a pergunta fundamental que motivou a elaboração da presente
reflexão, e peço que tente responder, sincera e honestamente, para si mesmo: O que
quero com Jesus de Nazaré?
Tiago de França
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