quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Carlo Maria Martini: homem da palavra de Deus e do diálogo


          Carlo Maria Martini nasceu em Turim, na Itália, em 1927. Foi ordenado padre jesuíta em 1952. Em 1979, foi eleito Arcebispo de Milão e ordenado Bispo em 1980. Em 1983, foi criado cardeal da Igreja, pelo Papa João Paulo II. Era doutor em teologia fundamental pela UGR –Universidade Gregoriana de Roma e em Sagrada Escritura pelo PIB – Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Foi nomeado reitor tanto do PIB (1969) quanto da UGR (1978). Em várias circunstâncias foi nomeado pelo Vaticano para participar de eventos importantes da vida da Igreja como, por exemplo, o Sínodo dos Bispos. Escreveu vários livros, entre outras publicações. Após longos anos de sofrimento, pois foi acometido pela doença de Parkinson, no dia 31 de agosto do corrente ano, em Gallarete, Itália, falece o Cardeal Arcebispo Emérito de Milão, Carlo Maria Martini.

            O que falar deste homem extraordinário? Afirmar que era inteligente e dotado de uma capacidade rara de assimilação e transmissão do conhecimento ainda é pouco. Sua expressividade não estava no fato de ter sido Bispo de Milão, Cardeal da Igreja, reitor do PIB e da UGR, mas na sua coragem em ser um pregador da Boa Notícia de Jesus de Nazaré. Era um profundo conhecedor das Sagradas Escrituras e isto o fez um homem íntegro e corajoso.

            A integridade do Cardeal Martini estava na sua liberdade interior: era um bispo marcado pelo único interesse de levar as pessoas a entrarem em comunhão com Deus por meio de sua palavra, palavra que não se esgota nas Sagradas Escrituras. A leitura e meditação que fazia da Bíblia o transformaram interiormente e o converteram em um bispo diferente, predominantemente marcado pela capacidade de dialogar com o mundo pós-moderno e, consequentemente, plural.

            O Cardeal Martini era um bispo corajoso. Sua coragem se manifestava na sua espontaneidade, transparência e ousadia no tratamento de temas e/ou questões complexas. Não tinha dificuldade alguma em se opor ao romano pontífice, o Bispo de Roma. Como poucos na Igreja, ousou pensar por si mesmo e manifestar seu pensamento. Por causa dessa sua liberdade, muitos na Igreja não gostavam de seus posicionamentos, principalmente os membros da Cúria Romana. O Cardeal Martini sonhava com uma Igreja mais aberta, enquanto os membros da Cúria Romana trabalham por uma Igreja cada vez mais fechada e voltada para o passado.

            Em sua última entrevista, concedida a um coirmão jesuíta, em 8 de agosto do corrente ano, o Cardeal Martini levanta algumas questões pertinentes que merecem nossa atenção. Ele afirma que a Igreja está cansada na Europa do bem-estar e na América. Fala do envelhecimento da cultura eclesiástica. Indica um caminho possível: ... Poderemos buscar pessoas que sejam livres e mais próximas do próximo, como foram o bispo Romero e os mártires jesuítas de El Salvador. Onde estão entre nós os nossos heróis para nos inspirar? Por nenhuma razão devemos limitá-los com os vínculos da instituição.

            De fato, é perceptível o cansaço da Igreja. Tem-se a impressão de que tudo se repete, numa mesmice e mecanicidade tediosas. Não estão permitindo que a novidade do Espírito se manifeste com força e vitalidade no seio do Povo de Deus. A preocupação com o ter, com o prestígio e com o poder sufoca a missão da Igreja. Certamente há as mencionadas pessoas livres e mais próximas do próximo. Elas estão no anonimato, testemunhando o Cristo ressuscitado no meio do mundo. Na hierarquia da Igreja restam poucas testemunhas, algumas como o próprio Martini estão desaparecendo.

            As testemunhas do Cristo ressuscitado são pessoas livres, que procuram viver mais próximas do próximo. As leis e orientações da Igreja não conseguem controlar nem manipular tais testemunhas. Elas vivem segundo o Espírito, guiadas e alimentadas por Ele. Acreditam e anunciam o Evangelho de Jesus, mensagem de liberdade para a liberdade do gênero humano.  Todas as que possuem certo vínculo institucional, graças ao Espírito de Deus, transcendem plenamente, portanto, estão muito além: são um mistério para si mesmas porque se deixam envolver pelo mistério divino.  

            Na entrevista, o sábio Cardeal Martini também fala do valor fundamental da proximidade com os pobres e com os jovens. Para se libertar do seu cansaço, Martini recomenda à Igreja três instrumentos muito fortes: a conversão, a Palavra de Deus e os sacramentos. A Igreja precisa se converter cada vez mais. Tal conversão passa necessariamente pelo reconhecimento dos próprios erros e pela coragem de se percorrer um caminho de mudança, começando pelo papa e pelos bispos. Questiona a credibilidade da Igreja ao explicitar opinião sobre questões de matéria sexual e moral: A Igreja ainda é uma autoridade de referência nesse campo ou somente uma caricatura na mídia?

            A entrevista chega a seu término com o Cardeal Martini mencionando o remédio por excelência, capaz de curar o cansaço da Igreja. Eis o que ele, finalmente, afirma: A Igreja ficou 200 anos para trás. Como é possível que ela não se sacuda? Temos medo? Medo ao invés de coragem? No entanto, a fé é o fundamento da Igreja. A fé, a confiança, a coragem. Eu sou velho e doente e dependo da ajuda dos outros. As pessoas boas ao meu redor me fazem sentir o amor. Esse amor é mais forte do que o sentimento de desconfiança que, às vezes, percebo com relação à Igreja na Europa. Só o amor vence o cansaço. Deus é Amor. Eu ainda tenho uma pergunta para você: o que você pode fazer pela Igreja?

            Estas indagações e/ou provocações deste grande homem que entrou para a história da Igreja não podem ser esquecidas. Antes, precisam ser pensadas e rezadas à luz do chamado divino ao serviço libertador que a Igreja é chamada a prestar à humanidade. O testemunho de Carlo Maria Martini é um apelo à conversão da Igreja, a fim de que se torne, verdadeiramente, uma Igreja cada vez mais humilde, missionária, samaritana, acolhedora, promotora e defensora da vida e da liberdade do ser humano em todo o mundo. À luz do Concílio Vaticano II, o que todos somos chamados a fazer é trabalhar para que a Igreja seja, afetiva e efetivamente, instrumento de salvação da humanidade.

Tiago de França

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