Carlo
Maria Martini nasceu em Turim, na Itália, em 1927. Foi ordenado padre jesuíta
em 1952. Em 1979, foi eleito Arcebispo de Milão e ordenado Bispo em 1980. Em 1983,
foi criado cardeal da Igreja, pelo Papa João Paulo II. Era doutor em teologia
fundamental pela UGR –Universidade Gregoriana de Roma e em Sagrada Escritura
pelo PIB – Pontifício Instituto Bíblico de Roma. Foi nomeado reitor tanto do
PIB (1969) quanto da UGR (1978). Em várias circunstâncias foi nomeado pelo
Vaticano para participar de eventos importantes da vida da Igreja como, por
exemplo, o Sínodo dos Bispos. Escreveu vários livros, entre outras publicações.
Após longos anos de sofrimento, pois foi acometido pela doença de Parkinson, no
dia 31 de agosto do corrente ano, em Gallarete, Itália, falece o Cardeal
Arcebispo Emérito de Milão, Carlo Maria Martini.
O que falar deste homem
extraordinário? Afirmar que era inteligente e dotado de uma capacidade rara de
assimilação e transmissão do conhecimento ainda é pouco. Sua expressividade não
estava no fato de ter sido Bispo de Milão, Cardeal da Igreja, reitor do PIB e
da UGR, mas na sua coragem em ser um pregador da Boa Notícia de Jesus de Nazaré.
Era um profundo conhecedor das Sagradas Escrituras e isto o fez um homem
íntegro e corajoso.
A integridade do Cardeal Martini
estava na sua liberdade interior: era um bispo marcado pelo único interesse de
levar as pessoas a entrarem em comunhão com Deus por meio de sua palavra,
palavra que não se esgota nas Sagradas Escrituras. A leitura e meditação que
fazia da Bíblia o transformaram interiormente e o converteram em um bispo
diferente, predominantemente marcado pela capacidade de dialogar com o mundo
pós-moderno e, consequentemente, plural.
O Cardeal Martini era um bispo
corajoso. Sua coragem se manifestava na sua espontaneidade, transparência e
ousadia no tratamento de temas e/ou questões complexas. Não tinha dificuldade
alguma em se opor ao romano pontífice, o Bispo de Roma. Como poucos na Igreja,
ousou pensar por si mesmo e manifestar seu pensamento. Por causa dessa sua
liberdade, muitos na Igreja não gostavam de seus posicionamentos,
principalmente os membros da Cúria Romana. O Cardeal Martini sonhava com uma
Igreja mais aberta, enquanto os membros da Cúria Romana trabalham por uma
Igreja cada vez mais fechada e voltada para o passado.
Em sua última entrevista, concedida
a um coirmão jesuíta, em 8 de agosto do corrente ano, o Cardeal Martini levanta
algumas questões pertinentes que merecem nossa atenção. Ele afirma que a
Igreja está cansada na Europa do bem-estar e na América. Fala do
envelhecimento da cultura eclesiástica. Indica um caminho possível: ... Poderemos
buscar pessoas que sejam livres e mais próximas do próximo, como foram o bispo
Romero e os mártires jesuítas de El Salvador. Onde estão entre nós os nossos
heróis para nos inspirar? Por nenhuma razão devemos limitá-los com os vínculos da
instituição.
De fato, é perceptível o cansaço da
Igreja. Tem-se a impressão de que tudo se repete, numa mesmice e mecanicidade
tediosas. Não estão permitindo que a novidade do Espírito se manifeste com
força e vitalidade no seio do Povo de Deus. A preocupação com o ter, com o
prestígio e com o poder sufoca a missão da Igreja. Certamente há as mencionadas
pessoas livres e mais próximas do próximo. Elas estão no anonimato,
testemunhando o Cristo ressuscitado no meio do mundo. Na hierarquia da Igreja
restam poucas testemunhas, algumas como o próprio Martini estão desaparecendo.
As testemunhas do Cristo
ressuscitado são pessoas livres, que procuram viver mais próximas do próximo. As
leis e orientações da Igreja não conseguem controlar nem manipular tais
testemunhas. Elas vivem segundo o Espírito, guiadas e alimentadas por Ele. Acreditam
e anunciam o Evangelho de Jesus, mensagem de liberdade para a liberdade do gênero
humano. Todas as que possuem certo
vínculo institucional, graças ao Espírito de Deus, transcendem plenamente,
portanto, estão muito além: são um mistério para si mesmas porque se deixam
envolver pelo mistério divino.
Na entrevista, o sábio Cardeal
Martini também fala do valor fundamental da proximidade com os pobres e com os
jovens. Para se libertar do seu cansaço, Martini recomenda à Igreja três instrumentos
muito fortes: a conversão, a Palavra de Deus e os sacramentos. A Igreja
precisa se converter cada vez mais. Tal conversão passa necessariamente pelo
reconhecimento dos próprios erros e pela coragem de se percorrer um caminho de
mudança, começando pelo papa e pelos bispos. Questiona a credibilidade
da Igreja ao explicitar opinião sobre questões de matéria sexual e moral: A
Igreja ainda é uma autoridade de referência nesse campo ou somente uma
caricatura na mídia?
A entrevista chega a seu término com
o Cardeal Martini mencionando o remédio por excelência, capaz de curar o
cansaço da Igreja. Eis o que ele, finalmente, afirma: A Igreja ficou 200 anos para
trás. Como é possível que ela não se sacuda? Temos medo? Medo ao invés de
coragem? No entanto, a fé é o fundamento da Igreja. A fé, a confiança, a
coragem. Eu sou velho e doente e dependo da ajuda dos outros. As pessoas boas
ao meu redor me fazem sentir o amor. Esse amor é mais forte do que o sentimento
de desconfiança que, às vezes, percebo com relação à Igreja na Europa. Só o
amor vence o cansaço. Deus é Amor. Eu ainda tenho uma pergunta para você: o que
você pode fazer pela Igreja?
Estas indagações
e/ou provocações deste grande homem que entrou para a história da Igreja não
podem ser esquecidas. Antes, precisam ser pensadas e rezadas à luz do chamado
divino ao serviço libertador que a Igreja é chamada a prestar à humanidade. O testemunho
de Carlo Maria Martini é um apelo à conversão da Igreja, a fim de que se torne,
verdadeiramente, uma Igreja cada vez mais humilde, missionária, samaritana,
acolhedora, promotora e defensora da vida e da liberdade do ser humano em todo
o mundo. À luz do Concílio Vaticano II, o que todos somos chamados a fazer é trabalhar
para que a Igreja seja, afetiva e efetivamente, instrumento de salvação da
humanidade.
Tiago de França
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