quinta-feira, 27 de setembro de 2012

São Vicente de Paulo: místico e missionário dos pobres


“O segredo mais íntimo de Deus é a sua misericórdia”.
(SVP. In: Coste XI, 341)

            Jesus confiou aos seus discípulos o anúncio da Boa Notícia do Reino de Deus. No cotidiano da missão lhes ensinou a ir aos mais pobres dentre os pobres. A opção de Jesus era pelos despossuídos, excluídos, marginalizados. Isto porque estes só têm a Deus como refúgio e proteção. Deus é a única riqueza dos pobres. Evangelizá-los significa clamar por justiça, levar os poderosos deste mundo a enxergarem a verdade evangélica de que Deus quer a vida de todos, deseja que todos possam viver dignamente: ninguém deve morrer em decorrência da falta do necessário. O desejo de Deus é que o ser humano tenha vida e a tenha em abundância: isto está na centralidade da mensagem evangélica.

            Ao longo da história, a Igreja foi se esquecendo e marginalizando esta mensagem de salvação, optando pelos ricos: adquiriu poder, prestígio e riqueza, muitas riquezas... Em relação aos pobres não se viveu a virtude da justiça, mas a prática da esmola. Os pobres sempre foram dignos somente de esmolas. Estas serviam como tentativa de amenizar a dor da consciência, que sempre acusou a hierarquia em sua subserviência para com os ricos e omissão para com os pobres. Pensava-se deste modo: é necessário ajudar os pobres para ser salvo. Portanto, é preciso manter os pobres em seu estado de decadência, pois eram objetos da caridade dos ricos piedosos que frequentavam os sacramentos.

            Ao longo da história Deus foi acompanhando o lamento dos pobres em seus sofrimentos e chamou mulheres e homens para socorrê-los em suas aflições. No séc. XVII apareceu São Vicente de Paulo: homem de origem humilde, que depois de convertido, tornou-se presbítero para os pobres. Tornando-se discípulo de Jesus de Nazaré descobriu nos pobres o verdadeiro sentido de seu ministério: o amor a Deus e aos pobres. Empenhou todas as suas energias e dedicação na evangelização dos pobres, através da pregação da palavra de Deus e do socorro material aos abandonados.

            Na oração e no serviço aos pobres São Vicente de Paulo descobriu também o significado do chamado à santidade. Para ele, a santidade passa necessariamente pelo amor incondicional ao próximo, especialmente os pobres. Esta maneira de entender a santidade era uma novidade, pois naquela época aquela era buscada no interior dos conventos e mosteiros, na vida de clausura e de ascese.

São Vicente de Paulo não encontrou Jesus de Nazaré na vida enclausurada, mas abandonado nas ruas e povoados, sofrendo na pessoa dos pobres. Convidou padres, mulheres e homens leigos para fazer a mesma coisa e os congregou em grupos de servidores e servidoras dos pobres. Suas duas maiores fundações foram a Congregação da Missão (Padres e Irmãos) e a Companhia das Filhas da Caridade. Ele não estava sozinho na missão, mas acompanhado por um grande número de pessoas dispostas a aliviar o sofrimento dos pobres e a evangelizá-los.

Recordar o testemunho de São Vicente de Paulo na liturgia do dia 27 de setembro de cada ano é importante, mas o mais importante é compreendê-lo no seu contexto e se perguntar sobre o significado de seu testemunho para a Igreja de hoje. A grande pergunta que o testemunho deste grande santo do séc. XVII faz à Igreja de hoje é a seguinte: Onde estão os pobres? Seria uma seríssima revisão de vida se toda a Família Vicentina e a Igreja se fizessem honesta e sinceramente esta pergunta. Rever a caminhada é atitude de poucos na Igreja.

Basta sair pelas ruas e nas periferias das cidades, assim como nos pequenos povoados que ainda restam para constatar o incontável número de pobres, dentre os quais se encontram os que nada têm para viver. No mundo, são centenas de milhões os que passam fome todos os dias. Há milhares de jovens pobres viciados em drogas e sendo brutalmente assassinados dentro e fora do sistema carcerário brasileiro. Há outras urgências que levam ao desespero muita gente: pessoas desrespeitadas e agredidas em sua dignidade. O que a Igreja tem feito por este povo? Como tem se manifestado a caridade evangélica profundamente caracterizada pela promoção da justiça em relação aos pobres?...

A opção pelos pobres, defendida explicitamente em Medellín, após o Vaticano II, foi a grande oportunidade que a Igreja teve de tomar consciência de sua missão fundamental no mundo. Na Igreja atual falar de opção pelos pobres é remeter-se ao passado, pois se vigora na Igreja o neopentecostalismo: catolicismo marcado pelo devocionismo, pelos excessos na liturgia, pelas construções de santuários, pela midiatização da fé, pela volta de usos e costumes da Igreja pré-Vaticano II e algumas esquisitices no comportamento de alguns católicos alienados e tomados pela confusão. E o testemunho de São Vicente de Paulo, lá no séc. XVII, grita sem cessar: Onde estão os pobres?...

Tiago de França 

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