“Só
uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um
tesouro no céu. Depois, vem e segue-me!” (Mc 10, 21).
O texto de Mc 10, 17 – 30 traz uma
reflexão de grande importância para quem quer seguir a Jesus de Nazaré. Trata-se
de uma exigência fundamental: despojar-se das riquezas para seguir Jesus. Ser materialmente
rico é incompatível com o seguimento de Jesus. Em outras palavras, ou
renuncia-se às riquezas, ou o seguimento a Jesus é impossível de se realizar. Há
quem pense que esta conclusão é exagerada e que não é necessário despojar-se de
nada para seguir Jesus. Muitos leem este texto relativizando o mal da riqueza. A
partir do próprio texto e da realidade eclesial vamos meditar sobre o problema
da riqueza e sua incompatibilidade com o seguimento de Jesus.
O texto fala que alguém correu e se
ajoelhou diante de Jesus e lhe fez a seguinte pergunta: Bom mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna? Antes de
responder, Jesus afirma que somente Deus é bom. Esta observação deve ter
deixado o homem pensativo. Em seguida, Jesus se refere aos mandamentos de Deus,
aqueles que tratam das relações interpessoais: não matar, não roubar, não levantar
falso testemunho, não prejudicar o próximo e honrar pai e mãe. Imediatamente, o
homem respondeu que desde a juventude cumpria estes mandamentos.
Se o diálogo de Jesus com o homem
terminasse aqui, então os ricos com suas riquezas poderiam ser justificados diante
de Deus, mas não é o que acontece. Só faltava uma coisa para o homem ter
assegurada a participação na vida eterna: vai,
vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e
segue-me! Após estas palavras, o homem ficou
abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico. Aos discípulos,
disse Jesus: Meus filhos, como é difícil
entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma
agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!
Os discípulos ficaram assustados com
estas palavras e se perguntaram: Então,
quem pode ser salvo? Jesus responde que para os homens isto é impossível,
mas para Deus tudo é possível. Em seguida,
disse Pedro a Jesus: Eis que nós deixamos
tudo e te seguimos. Jesus, como resposta à fala de Pedro, assegura que
serão recompensados já nesta vida todo aquele que tiver deixado tudo por causa
dele e do evangelho. Os que perseverarem receberão no mundo futuro, a vida eterna.
O
que fazer para ganhar a vida eterna?
A resposta é simples: Nada! A salvação
oferecida por Deus por meio de Jesus é universal e gratuita. Não há nada a
fazer, pois a vida eterna não se ganha, mas se alcança pela fé em Jesus. Ele nos
faz participar da vida eterna por intermédio de sua graça. No uso de sua
liberdade o ser humano pode recusar a salvação, como fez o homem rico que se
encontrou com Jesus, ao optar pelas riquezas. Como as riquezas impedem o ser
humano de participar do Reino de Deus?
Há quem diga que as riquezas em si
mesmas não implicam problema algum, mas o apego a elas. Na verdade, tanto a existência
das riquezas quanto o apego a elas são um entrave para se alcançar a vida
eterna (Reino de Deus). Entendemos as riquezas não no sentido dos bens
disponíveis e necessários à vida humana, mas nos referimos aos bens
concentrados nas mãos de poucos. Riquezas concentradas só geram miséria. Além disso,
a maioria das pessoas se enriquece ilicitamente. Riquezas que tem origem nas
diversas formas de corrupção são um gravíssimo pecado, são causa de muita
exclusão e marginalização social.
Portanto, afirmar que o pobre
sofredor viverá tranquilamente no Reino de Deus junto daquele que o explorou
durante esta vida é o mesmo que anular a justiça do Reino de Deus. Estamos afirmando
que os ricos estão condenados? Não! Jesus disse que para Deus tudo é possível. A
conversão dos ricos é possível, mas é preciso afirmar categoricamente que tal
conversão exige necessariamente a partilha fraterna dos bens. O supérfluo é
desnecessário.
Alguns ricos piedosos tentam
amenizar a própria consciência que os acusa incessantemente, fazendo doações às
instituições religiosas e oferecendo ajudas pontuais às pessoas em dificuldade:
são considerados ricos de “bom coração”. Na vida eclesial é muito comum
encontrar estes ricos se disponibilizando a ajudar nas despesas da comunidade
eclesial, e isto os tornam reconhecidos, valorizados e queridos. Outra finalidade
é, utilizando-se destas contribuições, tentar manipular o verdadeiro sentido da
caridade, que consiste na promoção da dignidade do outro.
Na vida da Igreja, pastores e leigos
são chamados ao seguimento de Jesus, portanto, a viverem despojados. O apego às
riquezas é capaz de desviar a pessoa do caminho de Jesus porque onde há apego
não há vivência do amor que se manifesta na verdadeira solidariedade para com o
próximo. Quanto mais desapegada for a pessoa mais livre estará para seguir
Jesus. Infelizmente, é perceptível a dificuldade da Igreja em lidar com o
desapego aos bens, visto que seus pastores, salvo as exceções, possuem padrão
de vida semelhante ao dos ricos. À luz do evangelho, o acúmulo de riquezas por
parte de pastores da Igreja é um grave contratestemunho e um vergonhoso escândalo,
verdadeiro entrave no processo de evangelização.
Tiago de França
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