“Eu
entendo que os sofrimentos do tempo presente nem merecem ser comparados com a
glória que deve ser revelada em nós” (Rm 8, 18).
Anualmente, a celebração do Dia de Finados convida-nos a
repensarmos a dimensão de finitude da existência humana: a espécie humana
nasce, cresce, se reproduz e morre. É um ciclo que não se interrompe. Não há
quem escape do fim, todos morrem. Há quem afirme que esta é a dimensão trágica
da existência. São poucas as pessoas que conseguem se reconciliar com a morte.
A maioria foge, uns não suportam nem ouvir falar. O ser humano tem medo da
morte. Esta angustia a uns, deprime a outros. Vamos ousar algumas afirmações a
partir da experiência de Jesus de Nazaré. Como Jesus encarou a morte? Qual
sentido que ele conferiu à própria morte? O que significa morrer em Cristo para ressuscitar com ele?
O texto evangélico nas suas quatro
versões (Mt, Mc, Lc e Jo) falam que Jesus realmente morreu crucificado. Jesus
não morreu aleatoriamente. Sua morte não foi mero acidente de percurso nem pura
predestinação, mas consequência de sua missão. Há quem faça uma interpretação
evangélica que leva a um Jesus neutro, sem causa alguma. Tal interpretação é
infiel aos fatos e, portanto, não corresponde à realidade que os textos
revelam. Se Jesus não tivesse optado pelos excluídos do seu tempo, certamente
teria morrido idoso e querido pelas autoridades civis e religiosas do seu
tempo.
Jesus procurou viver sua vida
intensamente, sem se preocupar com a morte. Quando se referia a ela sempre
mencionava a ressurreição, a vitória sobre a morte. Sua preocupação era o
cumprimento da vontade do Pai. Ele tinha plena consciência de que o cumprimento
da vontade divina naquele contexto o levaria à morte violenta. A vontade do Pai
era que ele fosse o missionário, o pregador da Boa Nova do Reino no meio dos
marginalizados da época. Em plena sintonia com esta divina vontade, Jesus
colocou-se a serviço da libertação dos empobrecidos, ensinando e pregando o
Evangelho do Reino no meio do povo de Deus.
A vida pública de Jesus nos ensina
que a morte não deve ser motivo de preocupação. Toda preocupação gera
ansiedade, angústia, medo e até depressão. A vida acontece naturalmente e
devemos procurar vivê-la com sentido. Viver sem sentido não vale a pena, já é a
morte visitando-nos, antecipadamente. Quem procura dar um sentido à própria
vida não tem medo da morte. Entregar-se plenamente a uma causa com amor e zelo
é caminho certo para superar tal medo. O amor afetivo e efetivo não permite que
o medo nos aprisione, mas nos mantêm esperançosos e acordados na vida.
Outro dado fundamental é que Jesus
era um homem despojado, desapegado: amava as pessoas sem se apegar a elas. Sua
liberdade o levou ao desapego da própria vida. Com sua vida mostrou que o apego
é um sério empecilho para o amor e com sua morte evidenciou o valor da
liberdade em relação a todas as coisas. Ninguém forçou Jesus, ele abraçou a
morte com liberdade. Somente a pessoa despojada é capaz de enfrentar a morte com
liberdade, do contrário morre angustiada e infeliz. Jesus foi ao encontro da
morte com plena confiança no Pai, pois sabia que não o abandonaria jamais. Na
morte, entregou-se nas mãos de Deus. Sua vida pertencia a Deus, pois Deus era o
sentido último de sua vida.
A íntima comunhão com Deus, através
de uma vida pautada no amor e na relação pessoal com Deus confortou Jesus
diante da morte. Suas ações e palavras testemunham sua entrega, sua fidelidade
ao Pai. Em sua vida não havia espaço para o domínio do medo. Ele não podia
ocupar-se com o medo sendo que tinha que estar com as pessoas, ouvindo-as,
consolando-as, levando-as à comunhão com Deus. Nisto consistia sua missão.
Todos se sentiam atraídos por este jeito simples e autêntico de ser.
São Francisco de Assis ensinava que
a morte é nossa irmã, companheira que não falta a ninguém, que nos conduz ao
encontro com o Absoluto, que faz a criatura voltar ao seio de seu Criador. Quem
assistiu sua morte é testemunha de sua serenidade, de sua alegria, de sua
entrega definitiva. Outra morte edificante foi a de Santa Terezinha do Menino
Jesus: tranquila, serena, pacífica, santa. Estas e tantas outras pessoas
levaram uma vida sem egoísmo, sem pretensões ambiciosas, sem ódio. Sabiam que a
vida continua após a morte, que seriam acolhidas na alegria da face de Deus. Neste
sentido, a morte deixa de ser algo ruim e terrível e se transforma num momento
de encontro, de paz de espírito, de páscoa.
Todas as pessoas corajosas que
buscam viver simples e humildemente neste mundo, sem ilusões nem apegos já
estão vencendo a morte, estão ressuscitando. Quando a morte do corpo lhes chegar
não será motivo de desespero, mas de chegada, de encontro, de alegria. Os que
vivem apegados às coisas e às pessoas não são capazes de entender isto, porque
o medo e a angústia os cegam, os endurecem, os aprisionam, os tornam infelizes.
Portanto, na liberdade de filhos e filhas de Deus, na comunhão com Ele e na
confiança filial busquemos viver uma vida simples e despojada para que a morte
não nos surpreenda e não se torne um pesadelo para nós. Ela não foi criada por
Deus, mas em Cristo podemos vencê-la, definitivamente.
Tiago de França
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