sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

A conversão do apóstolo Paulo


“Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas através do encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e, com isso, uma orientação decisiva” (Bento XVI, discurso inaugural da Conferência de Aparecida).

            Fala-se muito de conversão nas Igrejas cristãs. Todas entendem que se trata de mudança radical de vida. Os protestantes, mais do que os católicos, entendem que conversão significa aceitar Jesus como único Salvador. Na Igreja, a realidade da conversão ficou mais conhecida após o Concílio Vaticano II, com a compreensão da universalização do chamado à santidade. Antes disso, entendia-se que somente os religiosos e os membros da hierarquia podiam se converter e alcançar a santidade. Portanto, ao falarmos de conversão estamos falando, consequentemente, do chamado à santidade.

            Conversão e santidade: dois termos que formam uma só realidade, pois é para sermos santos que buscamos a conversão. E a santidade é um caminhar árduo e longo, que perdura toda a vida, rumo à contemplação definitiva daquele que nos criou. A conversão fala desse caminhar, fala dos encontros e desencontros, das tristezas e das alegrias, do desespero e da esperança dos peregrinos de Deus. Nossa reflexão quer falar desse caminhar a partir do testemunho de um dos maiores missionários da Igreja primitiva, o convertido Paulo de Tarso. Tornou-se apóstolo de Jesus, aderiu ao Caminho.

            Saulo era de Tarso da Cilícia, judeu formado na escola do grande Gamaliel, rigoroso instrutor da Lei. Estas informações já bastam para afirmarmos algo fundamental: a Lei não converte as pessoas. Estas não podem viver em função daquela. Na Carta aos Romanos, Paulo fala do lugar da Lei na vida cristã. Apesar de ter falado tão claramente e de ter afirmado que a vocação cristã está para a liberdade (cf. Carta aos Gálatas), a geração posterior ao apóstolo, especialmente a partir do reconhecimento da Igreja como religião oficial do império romano, os cristãos renunciaram a esta dádiva divina: a de buscar responder ao chamado à liberdade.

            A história da Igreja está marcada pela exaltação da Lei e pelo consequente esquecimento do Evangelho. Lei e Evangelho são duas realidades que não caminham juntas, porque a primeira tende à escravidão e a segunda à liberdade. Paulo era versado na Lei, mas não era nem convertido nem livre. A conversão é caminho de liberdade. Portanto, quem não quer se libertar não deve procurar se converter. A consequência real e lógica da conversão é a liberdade do ser humano. Em todas as épocas da história encontramos, dentro e fora do Cristianismo, mulheres e homens que ousaram trilhar o caminho da conversão.

            Nem o Concílio Vaticano II deu conta de conscientizar a Igreja sobre o lugar do Evangelho de Jesus na vida cristã. O legalismo continua vigorando. Há leis para normatizar todas as realidades eclesiais, há regras para tudo na Igreja. E a regra por excelência é fazer com que as normas sejam cumpridas. A maioria das normas não leva em conta a caridade evangélica, mas a situação pecaminosa das pessoas. As regras não estão em função da salvação do pecador, mas em vista de sua condenação. Quando aplicadas, o pecador é imediatamente julgado e excluído. O leitor pode pensar que isto é exagero ou coisa irreal. Vamos a um exemplo para entendermos que se trata da realidade.

            Na Igreja, só pode comungar os que se confessam pelo menos uma vez por ano. Casais de segunda união e os que cometem pecados graves não podem comungar o Cristo presente na Eucaristia. Isto é o que ensina a Lei, mas o Evangelho de Cristo ensina o contrário. Jesus se aproximou dos pecadores e conviveu entre eles; acolheu a todos sem fazer distinção alguma. Ele agiu assim porque o Pai o enviou para os pecadores, para os que precisavam de saúde. Os legisladores se esquecem de que só há conversão quando se entra em comunhão com o Cristo. A Eucaristia não é alimento de fariseus, mas de pecadores sedentos de conversão.

            Paulo era perseguidor dos cristãos e se encontrou com Jesus no caminho de Damasco. Jesus lhe apareceu como uma luz forte que o deixou sem enxergar por um determinado momento. Quando recuperou a vista passou a enxergar a vida de outro modo, foi batizado e se tornou missionário de Jesus (cf. At 22, 3 – 16). Aqui temos alguns elementos que precisam ser considerados, pois falam do processo de conversão. O primeiro elemento é o da perseguição. O que o motivava interiormente para agir contra os que aderiam ao Caminho? De modo geral, poucos pensam nesta questão.

            Paulo perseguia os cristãos porque era fiel à Lei e às determinações do império romano. Vivia a serviço das forças da escravidão, que destruíam e matavam as pessoas. Não entendia que perseguindo os cristãos estava perseguindo o próprio Cristo Jesus. A Lei não o despertava para a visão do outro, não permitia que agisse com liberdade. Versado na Lei, porém totalmente cego e alienado, escravo das determinações romanas. Era um ilustre cidadão romano a serviço do caminho que conduzia à morte de pessoas inocentes.

            Na Igreja, os que inventam as leis, as promovem e as defendem com unhas e dentes agem da mesma forma: perseguem impiedosamente os cristãos. Estas pessoas fazem parte do cristianismo oficial e se julgam no direito de julgar e condenar os cristãos em nome de Jesus. É claro que não receberam de Jesus esse encargo, mas a cegueira as impede de enxergar a verdade que liberta. Os que desobedecem às leias que estas pessoas criam e promovem são consideradas pecadoras e infiéis. De modo geral, os pobres são excluídos porque a vida difícil que levam não lhes permitem serem fiéis a determinadas leis da Igreja. Estes pobres formam o que podemos denominar de cristianismo alternativo.

            O segundo elemento é o encontro com Jesus no caminho. Encontrar-se com Jesus não é algo fácil, mas também não é trágico! Paulo se encontrou com Jesus e este lhe deu um novo horizonte de vida. Não encontrou Jesus no templo ou na sinagoga, mas no caminho. Jesus é o homem do caminho e é neste que pode ser encontrado. O encontro com Jesus mudou radicalmente sua vida: deixou de ser perseguidor e se tornou missionário da Boa Notícia do Reino de Deus. Se o encontro com Jesus não transformar radicalmente a vida da pessoa, então tal pessoa não se encontrou com Jesus.

            Na vida eclesial, muitos se encontram com Jesus na oração pessoal e comunitária, na Eucaristia, nos momentos litúrgicos e nos eventos da comunidade. É verdade que não podemos desconsiderar estes encontros. Eles são legítimos e podem ser verdadeiros. Há somente um problema visível a ser considerado: estas mesmas pessoas se recusam a se encontrar com Jesus na vida dos que sofrem. Comungam na igreja, mas se recusam a comungar na vida do próximo, principalmente quando o próximo faz parte do grupo dos “pecadores públicos”. É preciso afirmar com toda clareza: engana-se a si mesmo quem pensa que estar em comunhão com Jesus na oração, na Eucaristia e nos momentos eclesiais, mas se recusa a encontrá-lo na vida dos que mais sofrem e dos que são excluídos.

            Jesus nos espera no próximo. Ele está nas pessoas. É no encontro com elas que encontramos sua presença. Jesus está vivo na vida de seus seguidores. Amá-los, é amá-lo; persegui-los, é persegui-lo. A conversão se dá no encontro com o outro. É neste encontro que descobrimos nossa necessidade de conversão, que nos descobrimos como pessoas. Não há conversão sem o encontro com as pessoas nas relações que se dão na comunidade cristã. Não há conversão fora do espírito comunitário do ser cristão. Sozinho ninguém muda de vida. O outro é oportunidade imprescindível no processo pessoal de conversão.  

            O terceiro e último elemento que podemos pensar é o da missão. Este elemento nos convida a pensarmos a seguinte questão: Para que nos convertermos? O chamado à conversão é um chamado à missão. É para a missão que Deus nos chama e é na mesma que a conversão acontece. Quanto mais entregue à missão, mais convertida se torna a pessoa, porque aí acontece o encontro com Jesus. Não há convertido no vácuo. Toda pessoa que se encontra com Jesus se torna missionária da Boa Notícia do Reino de Deus. Tornar-se missionário é consequência natural e inevitável do encontro com o enviado do Pai.

            Por fim, é preciso dizer que converter-se é aderir ao caminho de Jesus, pedregoso e estreito, é se colocar na fileira dos últimos, é ser operário da vinha do Senhor, é assumir com coragem e ousadia o projeto de Jesus. Não pode haver convertido sem adesão ao projeto salvador de Jesus. Aderir a este projeto significa optar pelo essencial: amar a Deus e ao próximo como a si mesmo. A Igreja e o mundo carecem urgentemente de autênticos cristãos, de pessoas que renunciando ao egoísmo se coloquem a serviço do próximo cultivando, assim, a fraternidade.

Tiago de França

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A união civil homoafetiva


           Alguns leitores do meu Blog, após terem conferido os textos que escrevi e publiquei, escreveram-me solicitando minha opinião a respeito do tema do presente artigo. São muitas as pesquisas e opiniões a respeito deste tema. Portanto, para delimitar o tema vamos discorrê-lo a partir de três afirmações: 1) Os homossexuais fazem parte das minorias excluídas pela sociedade; 2) A Bíblia não pode ser utilizada para condená-los e 3) A união civil entre pessoas do mesmo sexo não ameaça a instituição familiar.

            É preciso prevenir alguns leitores piedosos, que comungam cegamente com a moral sexual católica, pois iremos tratar o assunto a partir da liberdade dos filhos de Deus. Infelizmente, em algumas questões a moral sexual não respeita esta liberdade, mas define dogmaticamente e condena sem deixar margem a novas e necessárias interpretações. Com isto, não estamos afirmando que a moral sexual ensinada pela Igreja seja destituída de importância, mas ao tratar da questão homoafetiva, a mesma é rígida, fechada e intolerável. É preciso afirmar de antemão que não se trata de defesa ou acusação contra homossexuais, mas de reconhecimento da dignidade humana que se manifesta na diversidade sexual.

Os homossexuais fazem parte das minorias excluídas pela sociedade

            A exclusão de pessoas em nenhum caso é legítima e, por isso mesmo, não pode ser legitimada. Infelizmente, se assiste a tantas exclusões que a impressão que se tem é que se tornaram normais, aceitáveis, legítimas. Pobres, iletrados, abandonados, presidiários, prostitutas, homossexuais e outros grupos minoritários são excluídos na sociedade. Esta não tolera o diferente, o novo, aquilo que foge ou ultrapassa os padrões estabelecidos. Os padrões ditam o jeito de ser e de viver das pessoas e estas são consideradas normais quando obedecem sem questionamentos o que foi estabelecido como normal.

            Ser pobre, segundo a ideologia capitalista não é normal. Todos têm que procurar as riquezas. Ser pobre é sinônimo de vergonha, de inferioridade. A dignidade se encontra na aquisição das riquezas. Não importa os meios para a aquisição, importa ser rico porque este é considerado o importante, o reconhecido, o respeitado. Estando contaminada por essas ideias, muitas pessoas, por meios ilícitos, ficam ricas da noite para o dia. Tais pessoas não conseguem se libertar porque a corrupção é viciosa. O maior medo do rico é ficar pobre.

            O iletrado é ignorante, pois não tem conhecimento escolar. A sociedade capitalista não exclui o iletrado rico, pois este possui dinheiro e quem tem dinheiro não é excluído. Para o iletrado estão as profissões com pouca remuneração e consideradas inferiores. Por mais que queira um bom cargo, jamais ocupará profissões reconhecidamente importantes. É verdade que toda e qualquer profissão tem o seu valor, mas o capitalismo ensina que todos precisam estudar para, no exercício da profissão, manter o sistema revigorado.

            Os abandonados são inúteis: não compram nem produzem, são anônimos. Nas grandes cidades se encontram nas praças e debaixo dos viadutos, juntamente com o lixo e a sujeira. São invisíveis, ninguém os vê. Quando incomodam são violentados pela polícia, que os expulsa para lugares pouco frequentados. A regra é não incomodar. Sobrevivem do que conseguem no lixo e do que pessoas e Igrejas dão do que sobra.  

            “Os presidiários são criminosos que merecem morrer”: de modo geral, esta é a opinião das pessoas a respeito deles. Quem nunca foi a um presídio pensa que o governo os sustenta numa vida confortável. A realidade mostra que são tratados como animais constantemente violentados. Quem defende que o encarcerado leva vida fácil não deseja tal estilo de vida para si! Esquecem que o maior castigo consiste na perda da liberdade de ir e vir.

            As prostitutas são preguiçosas que não querem trabalhar, sinônimos da perdição, mulheres da vida fácil. Quem desconhece o cotidiano delas e as causas que levaram a viverem de tal modo as julga sem conhecimento de causa, utilizando-se de argumentos infundados. Afirmar que elas vivem somente a procura de prazer sexual é um grave equívoco. Segundo Jesus, elas precederão os religiosos no Reino de Deus.

            Os homossexuais eram considerados doentes. Com o avanço dos estudos psicológicos, foram admitidos à categoria dos que são normais. Não são aceitos porque a religião cristã fez e faz uma leitura ao pé da letra da narrativa da criação do livro do Gênesis: Deus fez homem e mulher à sua imagem e semelhança. Segundo esta concepção, só há homem e mulher. Portanto, homossexuais, bissexuais e transexuais são considerados desviados, não estão de acordo com o que Deus criou.

A Bíblia não pode ser utilizada para condená-los

            Infelizmente, a Bíblia é utilizada para julgá-los e condená-los. Quem faz este tipo de uso desconhece a Deus, porque este não faz acepção de pessoas. Todos são filhos legítimos de Deus, criados e recriados em seu amor benevolente. Todos são dignos de atenção, carinho e respeito porque formamos uma só família humana na qual deve existir a tolerância necessária para que haja relações igualitárias e, consequentemente, sadias.

            A leitura fundamentalista da Bíblia tem sido um dos piores males praticados no seio das Igrejas cristãs. Quem costuma praticar este tipo de leitura encontra na Bíblia toda espécie de condenação contra o próximo, e os homossexuais são vítimas de condenação severa. De modo geral, as pessoas se esquecem de que toda a Escritura converge para o mistério da encarnação, morte e ressurreição de Jesus de Nazaré e de que este confirmou o mandamento do amor como a norma que deve orientar e salvar a vida humana. Na prática do amor não há espaço para condenação do próximo.

A união civil entre pessoas do mesmo sexo não ameaça a instituição familiar.

            Esta afirmação é verdadeira porque o amor entre as pessoas não constitui ameaçar a nenhuma forma de moralidade. Assim como na relação heterossexual, o amor é uma experiência que existe e que progride cada vez mais. Ninguém tem o direito de causar dano ou desmoralizar o amor que existe entre casais homossexuais. É verdade que a banalidade e o desrespeito também podem ocorrer. É um risco constante na experiência humana de relacionamentos. É algo que acontece em muitos casos, mas ninguém está autorizado a afirmar que correta e agradável a Deus é a relação heterossexual e que a homossexual é banal e abominável aos olhos de Deus.

            O grande problema da religião cristã é a leitura que muitos fazem daquilo que denominamos vontade divina. Julgamos as realidades à luz dos padrões culturalmente estabelecidos e afirmamos que estão ou não de acordo com a vontade de Deus. A vontade divina continua sendo um mistério para cada ser humano, mas em Cristo Jesus podemos afirmar que o chamado à santidade no amor é universal, é um convite a todos, também aos homossexuais. A vontade divina se realiza no amor. Portanto, toda pessoa que procura viver o mandamento do amor nas diversas circunstâncias e formas de vida estão respondendo com generosidade e liberdade ao chamado de Deus.

            O amor é um dom a ser vivido na diversidade, jamais na uniformidade; não é uniforme nem tende à padronização; não se enquadra em padrões ou esquemas, mas é vivido na liberdade, no respeito, na gratuidade e na reciprocidade. O amor sempre tende para a realização do ser humano, para o seu bem e para a plenitude da vida. Por isso, aos olhos de Deus nenhuma maneira de amar é abominável. Mesmo que não aceitemos, pois tendemos à exclusão do amor que se manifesta, antes de tudo, na diferença e na liberdade, foi assim que Jesus ensinou e nos convidou a vivermos no amor.

Tiago de França

sábado, 12 de janeiro de 2013

O Batismo do Senhor


“Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem-querer” (Lc 3, 22).

            A Festa do Batismo do Senhor é uma excelente oportunidade para refletirmos sobre a realidade dos que são batizados em nossas Igrejas cristãs. De modo geral, as pessoas se esquecem do batismo que receberam e, consequentemente, não procuram viver segundo as promessas batismais. É uma realidade lamentável, motivo de escândalo na comunidade cristã. A partir do batismo de Jesus (cf. Lc 3, 15 – 16. 21 – 22) vamos pensar em alguns elementos práticos do nosso batismo, a fim de podermos repensar a vida que estamos levando.

            O texto fala que o profeta João Batista batizava as pessoas no rio Jordão. O batismo realizado por ele era um convite à conversão, à mudança radical de vida. João batizava com água e com a palavra. Advertia os pecadores à conversão, à abertura de coração para acolher o Messias esperado, que estava chegando. Eis, portanto, a primeira dimensão do batismo cristão: abertura à conversão. Quem vai à contramão do caminho da conversão torna inválido o batismo recebido.

            Nas comunidades dos primeiros séculos, o batismo era conferido aos que eram iniciados nos ensinamentos de Jesus e na vida da comunidade cristã. Por isso, a pessoa consciente das consequências de sua adesão a Cristo pedia o batismo à Igreja e era batizada em nome do Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo. A partir do momento do batismo e já bem antes da realização do mesmo, uma vez membro da comunidade cristã, a pessoa deveria orientar a sua vida pelo evangelho de Jesus, Boa Nova do Reino de Deus.

            Desde que o cristianismo se tornou religião oficial do império romano, no séc. IV, até os dias de hoje, o batismo perdeu a sua dimensão ética e profética. As pessoas se deixam batizar, mas o batismo não significa nada em suas vidas. De modo geral, buscam o batismo porque entendem que permanecer pagão é algo diabólico e feio. A vida que levam contradiz radicalmente o batismo que receberam. Isto pode ser dito com mais propriedade e verdade quando olhamos para os que dedicam a própria vida à exploração do próximo.

            Citemos um exemplo ilustrativo. É comum nas cidades interioranas e também nas grandes metrópoles, sobretudo nas primeiras encontrarmos os políticos corruptos nas festas dos padroeiros das comunidades católicas. Nas igrejas, sentam nos primeiros bancos porque são considerados autoridades. Sendo amigos do pároco ou vigário são chamados a fazer leitura e são citados na homilia. O sermão do padre os confirma em sua conduta desonesta. Na hora da comunhão eucarística comungam piedosamente. Ao terminar a celebração, recebem elogios por terem ajudado financeiramente na realização da festa e finalizam tal participação procurando cumprimentar a todos. Estes políticos não encontram nenhuma contradição entre a vida que levam e a Eucaristia que buscam ocasionalmente nas celebrações.

            O texto também fala que Jesus procurou o batismo de João. Esta procura, segundo a nossa fé, não foi por causa da conversão, pois cremos que Jesus não tinha pecado. Jesus era membro do povo de Deus e, encontrando-se no meio deste povo, esteve junto ao povo quando este procurava se converter. O Messias não estava desvinculado do povo, pois foi enviado para a vida do povo de Deus. Jesus não foi apresentado ao povo por João Batista como se apresenta um candidato a um cargo político a seus eleitores. Por isso, o texto é teológico, não meramente histórico.

            A respeito de Jesus, rebatendo aqueles que pensavam que João era o Messias esperado, eis as qualificações de que fala o profeta: Jesus é o forte, que batizará com o Espírito Santo e com o fogo; é identificado com o Deus Santo e Forte, que realiza prodígios em favor do povo. Esta é a imagem de Deus que o povo cultivava no Antigo Testamento. Em Cristo, a fortaleza divina se manifesta na pequenez e na fragilidade. O forte Jesus está comumente no meio do povo simples, não se identificando com a fortaleza dos poderosos, mas com a realidade dos empobrecidos.

            Jesus é aquele que batiza com o Espírito Santo e com o fogo. Os neopentecostais católicos e evangélicos fazem uma interpretação espiritualista deste batismo de Jesus. O batismo no Espírito e no fogo não é nenhuma experiência extática ou mágica que se possa constatar com os olhos da carne; não é nenhuma sessão espiritual na qual a pessoa sente na carne a força do Espírito que a transporta a um estado emocional negando, assim, a realidade na qual se vive. Não é nada disso. Tudo isso está mais para a esquizofrenia espiritual do que para a ação batismal de Jesus na vida do crente.

            Antes de voltar para o Pai, Jesus assegurou aos discípulos que enviaria o Espírito Santo. Este Espírito que procede do Pai e do Filho entrou definitivamente no mundo para realizar a história da salvação. Esta história acontece no desenrolar dos acontecimentos cotidianos, na construção do Reino a partir das alegrias e vitórias dos pequenos e indefesos. Eis o significado do batismo no Espírito e no fogo: manifestação da força amorosa do Espírito na vida dos sofredores, fazendo-os perseverar no caminho de Jesus até às últimas consequências.

            Pelo batismo nos tornamos filhos amados e queridos de Deus. Este mesmo batismo nos chama para a missão de trabalharmos incansavelmente para que este mundo seja transformado, a fim de que todos possam viver dignamente. Eis o compromisso batismal fundamental do cristão: ser sal e luz do mundo para a salvação de todos. Portanto, assumir o batismo significa se colocar a caminho, na direção do outro, é sair de si, é não ter medo de amar sem medida. Agindo assim o cristão faz resplandecer neste mundo a luz de Cristo Jesus.

Tiago de França

sábado, 5 de janeiro de 2013

Solenidade da Epifania do Senhor


“Levanta-te, acende as luzes, Jerusalém, porque chegou a tua luz, apareceu sobre ti a glória do Senhor” (Is 60, 1).

            Epifania quer dizer manifestação. A Festa da Manifestação do Senhor é a festa do reconhecimento da universalidade da salvação. Não há um povo, um grupo, uma religião, uma pessoa a quem se destina com exclusividade a salvação oferecida por Deus em Jesus de Nazaré. Os cristãos precisam meditar este mistério. É mistério de amor, de doação, de redenção do gênero humano e de toda a criação. É o Deus Uno e Trino que vem ao encontro do ser humano para divinizá-lo, para chamá-lo à plenitude da vida.

            O texto evangélico escolhido para a celebração litúrgica desta grande festa (cf. Mt 2, 1 – 12) traz algumas informações que merecem destaque. Não é um texto de caráter propriamente histórico, mas profundamente teológico. Olhando para o povo da antiga Aliança, o autor sagrado quer falar do significado e do lugar do Messias na história da salvação. O Messias prometido, enviado pelo Pai, realmente veio não somente para cumprir as promessas realizadas na antiga Aliança, mas para salvar toda a humanidade. Jesus é o Messias da humanidade, o esperado para reconfigurar a história humana e resignificar a caminhada do povo de Deus.

            Tendo nascido Jesus na cidade de Belém, na Judéia, no tempo do rei Herodes. A geografia da época coloca Belém como um lugar sem muita importância, a periferia da Judéia. Jesus nasceu em um lugar sem importância política e econômica, onde nascem e vivem os últimos. Esta escolha não é sem importância, mas revela a predileção divina por aquilo que é pequeno, insignificante, frágil. Isso legitima a escolha divina de um povo pequeno e fraco, carente de proteção e cuidado. Jesus nasceu no seio do povo de Deus.

            Frequentando as igrejas urbanas fico escandalizado. Como desfiguram o pobre Jesus! É tudo muito grande, sofisticado, excessivamente fino e destinado aos ricos. Católicos e evangélicos investem na construção dos santuários, no estilo do Templo de Jerusalém. Não restam dúvidas de que são necessários muitos profetas para descer o chicote e expulsar os vendilhões, os exploradores do povo! É preciso fazer saber que Jesus nasceu em Belém (é unânime entre os exegetas a ideia de que Jesus nasceu mesmo em Nazaré e não em Belém, mas isso não muda o foco de nossa reflexão) e que a grandeza e o luxo dos templos sagrados desfiguram-no, escandalosamente.

            O lugar de nascimento fala da identidade da pessoa. O fato de Jesus ter nascido e vivido entre os pequenos é um dado incontestável nos evangelhos. Ninguém pode mudar isso, por mais que incomode a consciência dos ricos que frequentam as igrejas. Os ricos admiram a pobreza de Jesus e a predileção divina pelos humildes e pobres, mas não aceitam de modo algum esta preciosa revelação. Há muitas reflexões até de teólogos que tentam amenizar a situação dos ricos em relação aos pobres, mas perdem o seu tempo. No exercício de sua missão, o Messias foi claro ao reafirmar e cumprir a profecia de Isaías, declarando a todos que foi enviado para evangelizar os pobres (cf. Lc 4, 18).

            Os reis magos seguiram a indicação de uma estrela que os levou até o Messias recém-nascido. Estes magos não eram judeus, não pertenciam ao povo de Deus, desconheciam o Deus dos judeus; mesmo assim colocaram-se a caminho e foram ao encontro do Messias. Aqui aparece a dinâmica do caminho e do interesse pelo caminhar. O interesse dos magos era adorar o Messias. Depois que cumpriram sua missão voltaram para sua terra natal. Eles deixaram-se guiar pela estrela.

            Há um caminho que leva seguramente ao Messias e uma orientação fundamental: o caminho é o dos pobres e a orientação fundamental é o evangelho de Jesus de Nazaré. O caminho dos pobres é cheio de aperreios, difícil de trilhar. Caminho de humilhações, perseguições e de lutas; de poucas vitórias e de muitas derrotas. Os pobres sofrem, mas não perdem a esperança. Portanto, é o caminho da verdadeira esperança. Os ricos e os que se identificam com as riquezas tem pavor do caminho dos pobres. Na vida da Igreja, mulheres e homens como Dom Helder Câmara, Madre Teresa de Calcutá, Dom Oscar Romero, Ir. Doroth Stang e tantas outras pessoas ousaram se colocar no caminho dos pobres e se encontraram verdadeiramente com o Messias.

            Estas pessoas se deixaram conduzir por uma estrela de valor fundamental: o evangelho de Jesus de Nazaré. Sem o evangelho não se chega ao Messias. A ausência do evangelho causa total desorientação e confusão. Nenhum sistema doutrinal nem devocional consegue substituir o evangelho. Este possui uma força transformadora capaz de mudar radicalmente a vida dos que o escutam e praticam. O evangelho é perigoso. Somente os que desejam realmente ser livres é que podem compreendê-lo e praticá-lo, pois é caminho que conduz à liberdade.

            Ao saber que o Messias tinha nascido em Belém, o rei Herodes ficou perturbado, assim como toda a cidade de Jerusalém. Herodes logo se sentiu ameaçado e reuniu os amigos próximos (mestres da lei e sumos sacerdotes) para ter informações a respeito do lugar do nascimento do Messias. Como liam as Escrituras, as autoridades religiosas logo entenderam que se tratava do Messias que deveria nascer em Belém, na Judéia. Utilizando-se de todos os meios, Herodes procura eliminar Jesus. A notícia do nascimento do Messias deixou muita gente perturbada, principalmente os poderosos, que viviam a custa dos pobres. Os reis magos foram até Jesus, as autoridades religiosas não ousaram fazer o mesmo.

            O discípulo missionário de Jesus precisa ter coragem para enfrentar o poder herodiano que impera no mundo. Este poder se manifesta por meio de forças que atrasam, corrompem, alienam, iludem, confundem, dispersam e desorientam o ser humano: são as forças do anti-Reino. Estas forças trabalham na direção da destruição dos indefesos e frágeis; elas não toleram a pequenez, mas se manifestam na arrogância dos grandes deste mundo. O Messias está aí, junto a nossas portas, nas ruas e praças, olhando o movimento do mundo, despertando a esperança no coração das mulheres e homens de boa vontade. Esta é sua maneira misteriosa e ao mesmo tempo escandalosa de se manifestar. Bendito seja Deus por nos ter enviado Jesus!

Tiago de França