sábado, 12 de janeiro de 2013

O Batismo do Senhor


“Tu és o meu Filho amado, em ti ponho o meu bem-querer” (Lc 3, 22).

            A Festa do Batismo do Senhor é uma excelente oportunidade para refletirmos sobre a realidade dos que são batizados em nossas Igrejas cristãs. De modo geral, as pessoas se esquecem do batismo que receberam e, consequentemente, não procuram viver segundo as promessas batismais. É uma realidade lamentável, motivo de escândalo na comunidade cristã. A partir do batismo de Jesus (cf. Lc 3, 15 – 16. 21 – 22) vamos pensar em alguns elementos práticos do nosso batismo, a fim de podermos repensar a vida que estamos levando.

            O texto fala que o profeta João Batista batizava as pessoas no rio Jordão. O batismo realizado por ele era um convite à conversão, à mudança radical de vida. João batizava com água e com a palavra. Advertia os pecadores à conversão, à abertura de coração para acolher o Messias esperado, que estava chegando. Eis, portanto, a primeira dimensão do batismo cristão: abertura à conversão. Quem vai à contramão do caminho da conversão torna inválido o batismo recebido.

            Nas comunidades dos primeiros séculos, o batismo era conferido aos que eram iniciados nos ensinamentos de Jesus e na vida da comunidade cristã. Por isso, a pessoa consciente das consequências de sua adesão a Cristo pedia o batismo à Igreja e era batizada em nome do Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo. A partir do momento do batismo e já bem antes da realização do mesmo, uma vez membro da comunidade cristã, a pessoa deveria orientar a sua vida pelo evangelho de Jesus, Boa Nova do Reino de Deus.

            Desde que o cristianismo se tornou religião oficial do império romano, no séc. IV, até os dias de hoje, o batismo perdeu a sua dimensão ética e profética. As pessoas se deixam batizar, mas o batismo não significa nada em suas vidas. De modo geral, buscam o batismo porque entendem que permanecer pagão é algo diabólico e feio. A vida que levam contradiz radicalmente o batismo que receberam. Isto pode ser dito com mais propriedade e verdade quando olhamos para os que dedicam a própria vida à exploração do próximo.

            Citemos um exemplo ilustrativo. É comum nas cidades interioranas e também nas grandes metrópoles, sobretudo nas primeiras encontrarmos os políticos corruptos nas festas dos padroeiros das comunidades católicas. Nas igrejas, sentam nos primeiros bancos porque são considerados autoridades. Sendo amigos do pároco ou vigário são chamados a fazer leitura e são citados na homilia. O sermão do padre os confirma em sua conduta desonesta. Na hora da comunhão eucarística comungam piedosamente. Ao terminar a celebração, recebem elogios por terem ajudado financeiramente na realização da festa e finalizam tal participação procurando cumprimentar a todos. Estes políticos não encontram nenhuma contradição entre a vida que levam e a Eucaristia que buscam ocasionalmente nas celebrações.

            O texto também fala que Jesus procurou o batismo de João. Esta procura, segundo a nossa fé, não foi por causa da conversão, pois cremos que Jesus não tinha pecado. Jesus era membro do povo de Deus e, encontrando-se no meio deste povo, esteve junto ao povo quando este procurava se converter. O Messias não estava desvinculado do povo, pois foi enviado para a vida do povo de Deus. Jesus não foi apresentado ao povo por João Batista como se apresenta um candidato a um cargo político a seus eleitores. Por isso, o texto é teológico, não meramente histórico.

            A respeito de Jesus, rebatendo aqueles que pensavam que João era o Messias esperado, eis as qualificações de que fala o profeta: Jesus é o forte, que batizará com o Espírito Santo e com o fogo; é identificado com o Deus Santo e Forte, que realiza prodígios em favor do povo. Esta é a imagem de Deus que o povo cultivava no Antigo Testamento. Em Cristo, a fortaleza divina se manifesta na pequenez e na fragilidade. O forte Jesus está comumente no meio do povo simples, não se identificando com a fortaleza dos poderosos, mas com a realidade dos empobrecidos.

            Jesus é aquele que batiza com o Espírito Santo e com o fogo. Os neopentecostais católicos e evangélicos fazem uma interpretação espiritualista deste batismo de Jesus. O batismo no Espírito e no fogo não é nenhuma experiência extática ou mágica que se possa constatar com os olhos da carne; não é nenhuma sessão espiritual na qual a pessoa sente na carne a força do Espírito que a transporta a um estado emocional negando, assim, a realidade na qual se vive. Não é nada disso. Tudo isso está mais para a esquizofrenia espiritual do que para a ação batismal de Jesus na vida do crente.

            Antes de voltar para o Pai, Jesus assegurou aos discípulos que enviaria o Espírito Santo. Este Espírito que procede do Pai e do Filho entrou definitivamente no mundo para realizar a história da salvação. Esta história acontece no desenrolar dos acontecimentos cotidianos, na construção do Reino a partir das alegrias e vitórias dos pequenos e indefesos. Eis o significado do batismo no Espírito e no fogo: manifestação da força amorosa do Espírito na vida dos sofredores, fazendo-os perseverar no caminho de Jesus até às últimas consequências.

            Pelo batismo nos tornamos filhos amados e queridos de Deus. Este mesmo batismo nos chama para a missão de trabalharmos incansavelmente para que este mundo seja transformado, a fim de que todos possam viver dignamente. Eis o compromisso batismal fundamental do cristão: ser sal e luz do mundo para a salvação de todos. Portanto, assumir o batismo significa se colocar a caminho, na direção do outro, é sair de si, é não ter medo de amar sem medida. Agindo assim o cristão faz resplandecer neste mundo a luz de Cristo Jesus.

Tiago de França

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