“Em
verdade eu vos digo que nenhum profeta é bem recebido em sua pátria” (Lc 4, 24).
O texto evangélico deste IV Domingo
Comum (cf. Lc 4, 21 – 30) fala de Jesus sendo rejeitado pelos seus conterrâneos.
Vamos pensar o texto a partir do entendimento do que vem a ser o profeta, a
profecia e a missão profética na experiência do povo de Deus e na de Jesus de Nazaré,
aí entenderemos a rejeição por parte dos seus conterrâneos. Por fim, é preciso
encontrar-se com Jesus e seus profetas hoje e vermos se continuam sendo
rejeitados.
O profeta
O profeta é uma pessoa conhecida,
consagrada e enviada por Deus para a missão de comunicar a palavra de Deus (cf.
Jr 1, 4 – 5. 17 – 19). Portanto, é escolhida e enviada para agir na e para a
liberdade. Não fala de si nem para si mesmo, mas é portador de uma palavra viva
e eficaz, que é capaz de transformar e salvar o ser humano.
Consagrado para o anúncio da Palavra
na liberdade, o profeta age livremente, sem se deixar prender a pessoas e
grupos. Sua ação não permite apegos, mas vive num espírito de abertura e de
encontro. O profeta é um missionário em movimento. É pessoa do caminho, da
periferia e dos lugares distantes. Despojadamente, não é daqui nem dali, é de
onde a Providência o enviar. Por isso, é pessoa itinerante, que vai até mesmo aonde
não quer ir.
Ungido para servir ao próximo, o profeta
age guiado pelo Espírito Santo. Este o reveste de coragem, entendimento e
ousadia para a denúncia e para o anúncio. Não temendo aos perigos, a palavra do
profeta é cortante e penetrante como a de Deus, pois a sua palavra é palavra
divina. O Espírito o conduz nos caminhos mais tenebrosos possíveis, o coloca
diante das pessoas que desejam sua morte. Este mesmo Espírito o orienta e protege.
O profeta não morre sem cumprir a sua missão.
A profecia
A profecia não é adivinhação nem
previsão do futuro, não são sentenças nem ameaças de morte contra ninguém. A profecia
é a verdade da palavra de Deus que sai da boca do profeta, pondo fim na
mentira, na confusão e na ilusão. Por isso, é anúncio de libertação integral do
ser humano.
A profecia anuncia um mundo novo, de
vida e de liberdade para todos. É palavra edificante que se coloca contra a
mentira dos poderosos. Uma vez proclamada, esta palavra conscientiza, reanima,
dar força, confere sentido e desperta a esperança nos oprimidos. A profecia é
como a chuva em terra seca, fazendo brotar o verde e a fartura para saciar a
fome do povo. Este, liberto das trevas do medo e da ignorância, levanta-se para
lutar pela vida na fraternidade.
A profecia é luz que liberta da
cegueira da consciência que conduz à morte. Acolhendo a profecia, a comunidade
goza da clareza, do entendimento das coisas, da verdade que liberta da
dispersão e da confusão. O profeta sabe que o povo padece por falta de
compreensão de seus direitos e da própria dignidade. Por isso, em nome Deus vai
encontro das pessoas falando-lhes do Reino de Deus. A profecia ensina que este
mundo foi criado para todos e que todos somos irmãos. A fraternidade é como que
a lei que rege as relações entre as pessoas na dinâmica do Reino.
A missão
profética
Para falar da missão profética é
preciso considerar a relação conflituosa que há entre as instituições
religiosas e os profetas e profetisas. É verdade que há profetas nas
instituições religiosas, mas estas, de modo geral, não os compreendem nem os
aceitam. Nelas são tolerados, não queridos. Há quem os admire, mas poucos os apoiam
e incentivam. A maioria persegue, calunia, trata com indiferença, procura
silenciá-los. Este é o tratamento reservado aos profetas no interior das
instituições religiosas.
Na história da Igreja inúmeras
pessoas exerceram a missão profética. Nenhuma escapou da perseguição e do
sofrimento, da incompreensão e da indiferença. O verdadeiro profeta não
renuncia à sua missão, primeiro porque o Espírito é seu guia e fortaleza,
segundo porque está plenamente consciente das consequências da missão. São os profetas
que falam o que o Espírito quer dizer à Igreja. Por isso, se a Igreja quiser
discernir os sinais dos tempos deve escutá-los.
Jesus é o modelo por excelência do
profeta de Deus: homem livre e libertador, que enviado a este mundo para
anunciar a Boa Nova do Reino viveu entre os pequenos e sofredores, libertando-os
do poder da morte. Todos os que queriam aprisioná-lo e que se recusaram a
acolher sua mensagem (mandamento do amor) perseguiram-no até a morte de cruz. Hoje,
na Igreja e no mundo, os que não acolhem o amor como a regra suprema da vida
continuam a perseguir os profetas porque sabem que estes são portadores da
mensagem do amor para a vida de toda a humanidade.
Aceitos ou não, os profetas estão
aí. Vez e outra se dá notícia de algum. Não são personagens da mídia, mas do
anonimato, do cotidiano da vida simples do povo de Deus. Usando as palavras e
os gestos são a presença amorosa e libertadora de Deus neste mundo cada vez
mais desumano. No interior da Igreja, atualmente são poucos, mas estão presentes,
denunciando o pecado da omissão e o silêncio diante das injustiças sociais e
anunciando outro mundo possível.
Tiago de França
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