sábado, 30 de março de 2013

Ressurreição


Cristo Jesus na fidelidade ao Pai,
Escolheu o caminho dos últimos.
Sentiu e participou de seus sofrimentos,
Foi fiel até as últimas consequências.

Acolheu os pecadores públicos,
Sentou-se e fez refeição com eles, humildemente.
Foi perseguido e caluniado,
Anunciou a todos a fraternidade.

Com palavras e gestos humildes,
Acolheu a mulher adúltera.
Escolheu homens fracos e pobres,
Homens pescadores e pecadores, que se tornaram homens da palavra de Deus.

Palavras e gestos ditos e vividos,
No meio dos pobres e para os pobres.
Boa Notícia do Pai,
Para a vida e a liberdade do ser humano.

Passando pelo mundo fazendo o bem,
Amou sem medo de ser feliz.
Anunciou a justiça do Reino,
Justiça que gera outro mundo possível.

Odiado por homens religiosos,
Famosos pelo serviço à lei mosaica.
Homens que tomados pela inveja e pela vingança,
Levaram-no ao madeiro escandaloso da cruz.

Humanamente, fraco e impotente,
Escandalosamente crucificado.
Não fugiu da cruz o Servo Sofredor,
Homem das dores e da fidelidade.

Sentiu na pele a humilhação,
Participou da sorte dos fracos e empobrecidos.
De um lado, mulheres e pobres chorando,
De outro, autoridades religiosas e civis rindo e zombando.

Na madrugada do terceiro dia,
Mulheres corajosas e fiéis foram ver seu túmulo.
Viram o lugar vazio,
RESSUSCITOU!

Vivo na comunidade de seus seguidores,
Força na caminhada dos sofredores.
Vida dos que desfalecem no caminho da vida,
Vitória dos empobrecidos e perseguidos.

A Igreja, chamada a ser Casa de Irmãos,
Assembleia dos chamados à participação no Reino de Deus.
Igreja, lugar da fraternidade,
Chamada a testemunhar, no meio dos empobrecidos, a ressurreição de Jesus.

Testemunhar a ressurreição:
Sem exclusão, hipocrisia nem indiferença.
Na acolhida dos irmãos e das irmãs,
Independentemente da cor, da condição social, sexual e cultural.

Testemunhar com liberdade e ousadia,
Sem temor, sem medo, com amor e atenção aos pequenos.
Sem preconceitos, sem ostentação,
Na humildade e simplicidade, na sinceridade de coração.

Pai,
Obrigado por nos ter enviado teu Filho e nosso Irmão Jesus.
Ensina-nos a sermos livres e amorosos como ele.
Concede-nos a graça de vivermos para os outros, não para nós mesmos.
Ressuscita-nos, Pai,
Para uma vida nova, para outro mundo possível, no qual sejamos todos irmãos.
Amém.

Tiago de França

sexta-feira, 22 de março de 2013

O risco da papolatria


          Certamente, a maioria dos leitores católicos não se sentirá bem com a leitura deste breve artigo. Por isso, usarei de toda a caridade possível com os que se identificam demasiadamente com a figura do Papa. Vamos considerar o risco da papolatria a partir da cobertura midiática e da reação popular quanto à eleição do Papa Francisco, mas antes deste é preciso considerar os dois pontificados anteriores, principalmente o do Papa João Paulo II, que soube, como nenhum outro Papa da história, se aproveitar bem dos meios de comunicação para reforçar a imagem de si mesmo e de seu modelo autoritário de Igreja.

            Toda pessoa de bom senso sabe de duas coisas fundamentais: primeira, que a mídia distorce a realidade e tem poder para elevar e destruir a boa imagem das pessoas. A mídia não é neutra, mas ideológica e corporativista; ela calcula com precisão todas as coisas e as apresenta para as pessoas a partir de seus interesses. Trata-se de um jogo sujo, que arrecada muito dinheiro em todo o mundo. Segunda coisa, que a Igreja sempre foi um dos alvos prediletos da mídia, sendo que a primeira sempre se aproveitou da segunda para também se beneficiar. Agora vamos discernir outras duas questões que também tem passado despercebidamente aos olhos das pessoas ingênuas, destituídas de espírito crítico.

            Vamos à primeira. A Igreja se utiliza da mídia para proclamar ao mundo o evangelho de Jesus ou para manter sua hegemonia? Se considerarmos a verdade dos fatos, certamente a resposta é a segunda opção. Mídia e Igreja se beneficiam, reciprocamente. A primeira ganha dinheiro e controla as pessoas, a segunda ganha prestígio e poder de influência no mundo. Tanto a mídia secular quanto a religiosa não tem o anúncio do evangelho de Jesus como meta fundamental. O foco é outro. Reforçar a própria imagem decadente é o objetivo da mídia católica, que possui programações totalmente voltadas para a difusão da doutrina tradicional católica e das devoções aos santos. No Brasil atual, as devoções à Maria e ao Divino Pai eterno tem se destacado. Não há espaço para o evangelho de Jesus.

            Vale insistir na questão da programação da mídia católica. Aos canais católicos (Canção Nova, Rede Vida e TV Século 21, que são os principais) faço as seguintes indagações: onde está a preocupação pela justiça social? Em algum momento se recordam do sofrimento dos pobres? E as denúncias contras as injustiças? Estas e outras questões fundamentais são deixadas de lado. Um leitor anônimo do meu Blog me falou que estas são questões secundárias!... O que, então, é o essencial para a mídia católica oficial? O essencial é a doutrina da Igreja. Esta, na visão dos mencionados canais, deve ser proclamada ao mundo como se fosse o evangelho, capaz da libertar as pessoas. A mídia oficial católica não se identifica com as lutas dos pobres.

            Vamos à segunda questão. Por que a Igreja tem dificuldade de colocar em prática a opção pelos pobres pensada na Conferência de Medellín (1968) e confirmada nas demais conferências posteriores? A resposta está na homilia da primeira missa que o Papa Francisco celebrou com seus cardeais. Ele ousou dizer: “Gostaria de uma Igreja pobre para os pobres”. De fato, a hierarquia da Igreja precisa assumir, corajosa e profeticamente, um estilo de vida despojado e, consequentemente, humilde e simples. Uma hierarquia rica não entende o mistério do Reino de Deus, a não ser pelas especulações realizadas nos estudos teológicos, mas como o próprio nome indica, especulações não são experiências. Evangelho é vida, não especulação.

            Tendo em vista o que até aqui consideramos, visivelmente percebemos que os pontificados de João Paulo II e de Bento XVI caminharam na contramão do que indica o evangelho de Jesus. Enquanto Jesus trilhou o caminho da humildade e da cruz, e chamou a atenção do apóstolo Pedro para que não fugisse da realidade verdadeira do discipulado, os pontificados anteriores ao do atual que se inicia optaram por caminhar nas veredas largas do aplauso, da ostentação, da visibilidade e da glória humana. Enquanto Jesus estava preocupado com os pobres que eram explorados pelo Templo de Jerusalém, casa santa transformada em covil de ladrões, João Paulo II e Bento XVI estavam preocupados em salvaguardar o depósito da fé a todo custo, condenando impiedosamente mulheres e homens que tentaram repensá-lo a partir do evangelho de Jesus.

            Tudo isto está por trás e explica o sentido do que passou a se chamar de papolatria. Concentrando todo o poder em suas mãos, o Papa procura controlar a vida da Igreja a partir da sua cadeira, em Roma. Para isto, se utiliza de todos os meios possíveis. Há um sistema de controle revestido de linguagem e símbolos religiosos. Jesus não pediu nada disso. Evangelho e controle de pessoas são duas realidades totalmente opostas, que jamais se identificarão. O evangelho de Jesus é sinônimo de vida e liberdade, e onde há controle do ser humano não há vida nem liberdade. Toda forma de controle desumaniza as pessoas, escravizando-as.

            O efeito disso na vida da Igreja é o fundamentalismo católico. Os fundamentalistas, clérigos e leigos, não aceitam nenhum tipo de crítica ao Papa nem à Igreja, principalmente ao Papa. Os fundamentalistas desconhecem o evangelho de Jesus e no lugar deste colocam o ídolo e seu sistema de poder. Para eles, o Papa é um ídolo a ser cultuado. O ídolo, na visão do idólatra, não é uma pessoa comum, mas alguém mais que extraordinário, que se encontra no mundo, mas vivendo noutra dimensão, mais sublime, pura e inalcançável. Neste sentido, o Papa é o Santo Padre, o Sumo Pontífice, o Beatíssimo, o Venerável, o elo que liga a terra ao céu. Somente alguém destituído de bom senso e espírito crítico é que não enxerga nesta realidade o pecado da papolatria.

            Um dos títulos mais recentes do Papa é o de Servo dos servos de Deus. Este, na verdade, não é um título, mas um convite à santidade que acontece no serviço aos irmãos e às irmãs. Somente no dia em que a Igreja ser pobre entre os pobres e para os pobres é que o Papa conseguirá ser o servo dos servos de Deus. O Código de Direito Canônico, que fala do poder papal e a prática dos Papas ao longo da história são uma prova incontestável de que o Papa não ocupa a posição de servo, mas de senhor; um senhor que possui os poderes espiritual (líder espiritual) e temporal (Chefe de Estado) concentrados em si mesmo.

            Francisco, mantendo-se humilde, mostrará que o Papa não é um homem sobrenatural, mas apenas o Bispo de Roma, chamado a promover a unidade cristã. Ele mostrará também que Jesus é o centro da vida cristã, o Libertador enviado pelo Pai para levar à plenitude a obra da criação. Por isso, terá que ter cuidado com a mídia, com os  elogios e aplausos, que tendem a divinizá-lo, levando as pessoas à prática da papolatria. Despojando-se de toda ostentação e vanglória, o Papa Francisco deve apontar para Jesus, criando na Igreja, com suas palavras e gestos, novos discípulos de Jesus e missionários audaciosos da Palavra de Deus para a vida do mundo. Nenhum Papa pode permitir que sua atuação ofusque a verdadeira Luz do mundo, Jesus de Nazaré, o enviado do Pai.

Tiago de França

quinta-feira, 14 de março de 2013

Francisco I: um novo Papa


           São muitos os comentários que surgem com muita emoção e júbilo desde o anúncio da eleição do Papa Francisco I. Vamos partilhar algumas impressões sobre o eleito. Estas impressões não são fruto da emoção despertada pelo sensacionalismo midiático, mas a partir do evangelho de Jesus vamos pensar a respeito do significado e do alcance histórico da eleição de Francisco I. Todo acontecimento tem seu lugar, significado e alcance.

Antes do conclave

            Bento XVI renunciou e sua renúncia concedeu à Igreja o aparecimento de um novo Papa. Aos poucos, o bispo emérito de Roma vai passando para a memória histórica. Nada mais que isso. O predecessor de Francisco I perdeu uma grande oportunidade, a de ter tido a coragem de reformar a Igreja. Cada um faz o que pode, o que lhe apraz. Com sua teologia e seu prestígio, Bento XVI não conseguiu muita coisa. Escolheu o caminho da política da manutenção, sem dar espaço ao novo que o Espírito continuamente faz surgir nas bases da Igreja.

            Após a renúncia, as especulações foram muitas e exaustivas. A mídia forjou papáveis entre os cardeais mais famosos e poderosos da Igreja. Todos, com raras exceções, eram homens importantes, de renome internacional. Nenhum deles foi eleito para a tristeza e a frustração de multidões. A Cúria Romana, controlada pelos cardeais Tarciso Bertone e Angelo Sodano esperava mais um Papa no estilo de João Paulo II e Bento XVI. O estilo destes papas é conhecido por todos: foram homens marcados pela poder e pela ostentação.

A eleição

            No primeiro dia, 12 de março, fumaça preta. Nada de novo Papa. No outro dia, aparece Francisco. Um Francisco no Vaticano! Utilizando somente o hábito papal, com gestos e sorriso simples, acena para a multidão e fica, em silêncio, olhando para ela. Com espontaneidade, fala resumidamente, menos de dez minutos. Francisco reza com o povo pelo bispo emérito de Roma, Bento XVI; afirma que os irmãos do colégio de cardeais foram buscar um Papa no fim do mundo; inclina-se para receber a oração do povo de Deus; abençoa em seguida o povo e deseja a todos um bom descanso e uma boa noite.

            Francisco é conhecido pela sua humildade. Recentemente, um de seus predecessores, o Papa João XXIII, era do mesmo jeito: manso e humilde. Francisco surpreendeu toda a Igreja. Todos se perguntam pelo significado de seu nome, de sua origem e de sua missão. Está causando entusiasmo e despertando a esperança nos corações de milhões de pessoas em todo o mundo. As pessoas estão acreditando que será o Papa da reforma da Igreja, a exemplo de São Francisco de Assis, que recebeu o chamado divino para reconstruir a Igreja de seu tempo.

Francisco é o novo Papa

            O primeiro dia de Francisco em Roma tem causado admiração, pois ele continua andando de ônibus como fazia na sua terra natal, Argentina. A figura do Papa foi revestida de tanto poder e ostentação que era inconcebível um Papa andar de ônibus! A humildade de Francisco ainda vai escandalizar e surpreender muita gente, dentro e fora da Igreja. Francisco sabe dos desafios que a Igreja precisa enfrentar para continuar sua missão no mundo. Ao aceitar a eleição demonstrou ser um homem humilde e corajoso.

            A humildade do novo Papa, sem dúvida, é algo fundamental. Trata-se de uma qualidade que chama a atenção das pessoas e as cativa. Um Papa humilde é um homem próximo das pessoas e acessível a todos. Através dela, Francisco desarmará seus inimigos e será um promotor da paz, assim como São Francisco de Assis. Certamente, encontrará muitas dificuldades em manter-se na humildade residindo em um palácio. Os empregados do palácio terão muito trabalho para lidar com Francisco, pois estavam acostumados ao jeito totalmente oposto dos papas polonês e alemão. Tomara que o eleito não renuncie à humildade!

Francisco e a reforma da Igreja

            Não basta que Francisco seja humilde e simpático, mas é preciso que realize as reformas urgentemente necessárias; reformas que não podem ser adiadas. É verdade que sozinho ele não fará nada. Em comunhão com o povo de Deus e a partir deste povo as reformas são possíveis. Não poderá seguir os mesmos passos de seu predecessor, que reconheceu a necessidade de se reformar a Igreja, mas não deu passos significativos na direção da reforma.

            Francisco conhecerá mais de perto a Cúria Romana. O santo de Assis também a conheceu e quase não foi recebido quando quis se encontrar com o Papa da época. Quando esteve diante do Papa foi ridicularizado, pois era um pobre que vivia da mendicância. São Francisco de Assis foi dizer ao Papa que a regra de vida da Igreja deveria ser o evangelho de Jesus de Nazaré. O Papa ficou admirado com sua humildade e sua coragem, mas lamentou por não poder corresponder ao pedido do santo frade de Assis.

            Após Francisco veio Lutero e após este veio João XXIII. Agora é a vez de Francisco, não o de Assis, mas o da Argentina, do fim do mundo, da América Latina. Francisco terá que reformar a Cúria; do contrário, não vai suportá-la e renunciará em breve. Há duas perguntas fundamentais a serem consideradas: Qual a contribuição que a Cúria Romana tem dado à Igreja? Em que a Cúria tem atrapalhado a vida da Igreja? Não bastará trocar os oficiais da Cúria, mas será necessária uma reforma estrutural; do contrário, tudo continuará do mesmo jeito.

            Além da reforma da Cúria Romana, outras realidades emergentes precisam ser consideradas: o celibato sacerdotal (é preciso torná-lo opcional); o lugar da mulher na Igreja (permitir que também recebam o sacramento da Ordem); a colegialidade episcopal (reconhecer a liberdade de pensamento e ação dos bispos); revisão da moral sexual (rever posicionamentos tradicionais ultrapassados); autonomia e protagonismo laicais (inserir os leigos na missão da Igreja); abertura ao mundo pós-moderno (dialogar com espírito de igualdade e abertura); diálogo ecumênico e inter-religioso (promover o diálogo e a paz entre as Igrejas e com outras religiões) entre outras questões emergentes.

            Se o Papa Francisco I chegar ao final de seu pontificado sem ter tocado nestas questões e sem ter procurado, juntamente com o povo de Deus, soluções possíveis para tais desafios, o seu pontificado será semelhante ao do seu predecessor. Então, infelizmente, teremos que esperar outro Papa que tenha a coragem de enfrentar tais situações. A esperança cristã nos convida a crer que Francisco I não será um mero Papa de transição, como o foi seu predecessor. Caso se torne mais um Papa de transição, o Espírito que inspirou o santo de Assis tornará outro Francisco o reformador da Igreja. Francisco I já tem 75 anos. Já estamos a 50 anos do Concílio Vaticano II. Os sinais dos tempos e o evangelho apontam para o caminho a ser trilhado. O tempo chegou, a hora é agora.

Tiago de França

terça-feira, 12 de março de 2013

A misericórdia de Deus e a eleição do novo Papa


“Com efeito, em Cristo, Deus reconciliou o mundo consigo, não imputando aos homens as suas faltas e colocando em nós a palavra da reconciliação” (2 Cor 5, 19).

            A famosa parábola do filho pródigo (cf. Lc 15, 1 – 3.11 – 32) se encontra no centro da Liturgia da Palavra desde IV Domingo da Quaresma. Trata-se de uma parábola que Jesus contou referindo-se aos fariseus e mestres da lei, que o criticavam por se aproximar dos cobradores de impostos e comer com os pecadores. A crítica merece destaque: “Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles”. Eis duas atitudes importantes de Jesus: acolher os pecadores e fazer refeição com eles. Isto escandalizou os religiosos da época e continuar escandalizando nos dias de hoje.

            É uma profunda contradição pensar que se segue a Jesus excluindo as pessoas. Infelizmente, na comunidade eclesial muitas pessoas são excluídas por vários motivos: por causa da condição social, da cor da pele, das ideias que defendem, por não tolerarem abusos, por se recusarem à obediência cega etc. Além destas pessoas, há as que pertencem às “minorias abraâmicas”, como dizia o santo bispo Dom Helder Câmara; aquelas pessoas excluídas na sociedade, que são desprezadas por diversos motivos.

Infelizmente, as Igrejas cristãs pouco se interessam por estas pessoas. Elas se encontram no anonimato, padecendo em seus sofrimentos; não aparecem nos templos religiosos e não vivem segundo as prescrições religiosas das Igrejas. Estas pessoas, de modo geral, estão muito unidas a Deus porque participam, na carne, da cruz de Cristo. Deus é sua única riqueza. Ele se encontra com elas, cotidianamente, sustentando-as de algum modo. Ele as ama com ternura e espera que o encontremos nelas. Elas conhecem o mistério do Reino de Deus, pois pertencem à numerosa porção dos “pequeninos de Deus”.

Jesus acolheu os pecadores do seu tempo. A leitura desta acolhida para a Igreja de hoje traz sérias implicações. Jesus era um homem próximo dos que sofriam e dos que eram excluídos. Para estes, ele era a Boa Notícia de Deus. De fato, Jesus é o evangelho do Pai. A Igreja, essencialmente missionária, é chamada a ser uma Boa Notícia para o mundo. Para isto, precisa fazer a mesma coisa que Jesus fez: acolher os pecadores e fazer refeição com eles. É preciso que as condenações deem lugar à prática da misericórdia. Fazer refeição significa estar (permanecer) com os pecadores, identificar-se com eles. Para a Igreja este sempre foi um desafio.

A parábola é a resposta de Jesus a seus opositores. Nela, ele está falando de si e da misericórdia do Pai, que acolhe a todos, especialmente os excluídos. Os fariseus e mestres da lei não eram homens do povo, mas servidores da lei e separados, que julgavam e condenavam as pessoas, pois se achavam melhores e superiores a elas. Na Igreja temos inúmeros fariseus e mestres da lei, tanto no laicato quanto no clero: pessoas que se julgam superiores às outras somente por serem observantes das prescrições religiosas. Às vezes, nem são tão observantes, mas se escondem por trás da falsa observância. São pessoas apegadas à lei, que se esqueceram do evangelho de Jesus.

A parábola fala da misericórdia divina. Deus é essencialmente misericordioso. Ele ama e perdoa, infinitamente. Jesus revelou a verdadeira face de Deus: amoroso e misericordioso para com seus filhos e filhas. Como nos ensina o apóstolo Paulo, Ele não imputa aos homens suas faltas, mas coloca no coração humano a palavra da reconciliação. Portanto, todo gesto de reconciliação é o Espírito do Senhor agindo nas pessoas. Este Espírito torna possível a experiência salvífica da reconciliação.

Nesta terça-feira, 12 de março, ocorrerá o conclave que elegerá o novo Bispo de Roma e Pontífice da Igreja. Após o grande Papa João XXIII, que ousou convocar o Concílio Vaticano II vieram os Papas Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II e Bento XVI. Paulo VI não interrompeu o Concílio e o aprovou. Foi o maior feito de seu pontificado. João Paulo I morreu, prematura e misteriosamente; seu pontificado durou apenas 33 dias. Era homem de bom coração, simples e de um sorriso acolhedor.

João Paulo II foi eleito bem jovem. Seu pontificado ficou marcado pelo conservadorismo e pela volta à grande disciplina. Após quase três décadas de pontificado, um dos maiores da história, foi eleito Bento XVI. Este foi fiel a seu predecessor: continuou na mesma linha de pensamento e ação sem apresentar novidade alguma. Após séculos sem renúncia papal, Bento XVI recorreu à renúncia por não ter mais condições físicas e psicológicas de permanecer no pontificado. Surpreendeu a Igreja, principalmente os membros de Cúria Romana, deixando os sedentos de poder de “orelha em pé”.

A mídia tem falado de alguns nomes fortes para o conclave que se aproxima. São os candidatos mais fortes: Angelo Scola, Cardeal Arcebispo de Milão, Itália; Gianfraco Ravasi, Cardeal Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, Roma; Odilo Pedro Scherer, Cardeal Arcebispo de São Paulo, Brasil e Timothy Michael Dolan, Cardeal Arcebispo de Nova Iorque, EUA. Estes quatro são os mais falados. Um deles pode ser eleito, ou não.

Os dois primeiros são os candidatos que possuem certa cultura teológica reconhecida. Ambos são da mesma linha de Bento XVI. De repente, surgiu Dom Odilo! Assim como na Igreja onde é Arcebispo, se fosse eleito não apresentaria novidades, seria um fiel continuador de Bento XVI. O que está causando entusiasmo é o norte-americano Cardeal Timothy M. Dolan: simpático, parece progressista e pouco apegado à pomposidade, inteligente, rejuvenescido, aberto ao diálogo. Particularmente, creio que se fosse eleito poderia apresentar algumas novidades.

O novo Papa precisa ser um homem misericordioso e atento aos sinais dos tempos. A Igreja precisa de reformas. O espírito do Vaticano II precisa ser retomado e a Cúria Romana carece de uma reforma radical. Muitas coisas precisam ser revistas e como os leigos não tem espaço sequer para opinar, resta esperar que o novo Papa e os Bispos possam realizar as mudanças necessárias. É verdade que não podemos esperar que as mudanças venham de cima, pois elas nascem da ação do Espírito do Senhor, que age nas bases da Igreja, a partir das lutas do povo de Deus. Aguardemos, pois, o resultado do conclave e rezemos para que o eleito seja um homem sensível aos apelos do povo de Deus e à voz do Espírito do Senhor.

Tiago de França

sábado, 2 de março de 2013

A urgência da conversão


           O tempo quaresmal é muito oportuno para pensar a realidade da conversão. Esta é muito refletida no interior das Igrejas cristãs, porém pouco vivenciada pelas pessoas. O clima de silêncio e de escuta atenta da palavra de Deus no interior da Igreja, que marca o período que antecede a celebração da Páscoa do Senhor é ocasião para aprofundar o sentido da conversão na vida eclesial.

            O silêncio é oportunidade para a compreensão e para a escuta. O mundo pós-moderno é marcado pelo barulho que gera pessoas dispersas e desorientadas. Para se converter, a pessoa precisa pensar na própria vida, rever sua caminhada. Para isto, é necessário o silêncio. Através do silêncio acontece o encontro consigo mesmo e Deus fala ao coração da pessoa que o procura com sinceridade e verdade. É na tranquilidade que a pessoa se reconhece pecadora e necessitada da graça divina.

            A escuta da palavra conduz à obediência. Como obedecer a Deus desconhecendo sua palavra? A conversão se inicia no encontro com a palavra de Deus. É um encontro feliz, de avivamento da fé e de conhecimento da vontade divina. Na Escritura Deus fala para orientar, mostrar o caminho, fortalecer as forças e conduzir o crente à vida que dura para sempre. Na vida da Igreja, a meditação da palavra deveria ser mais forte do que outras práticas que não são essenciais para a vida dos que buscam a Deus.

            No texto evangélico deste III Domingo da Quaresma (cf. Lc 13, 1 – 9) Jesus convida à conversão. Afirma que sem a conversão a morte é a consequência lógica e inevitável. Esta morte não é a do corpo, mas a não participação no Reino de Deus. Com a parábola da figueira que não dá frutos há três anos Jesus indica que a conversão deve ser buscada pelos que desejam segui-lo. É uma necessidade que não pode ser adiada, mas vivenciada; é uma exigência do caminho que conduz à vida.

            Sem conversão não há seguimento a Jesus de Nazaré. Colocar-se no caminho de Jesus já é viver a conversão. Colocar-se no caminho pressupõe um encontro com Jesus e este encontro muda radicalmente a vida da pessoa. Esta se encontra diante de um projeto de vida e de liberdade que é capaz de transformar o mundo naquilo que Deus quer. Não há conversão sem adesão ao projeto de Jesus. Este projeto é libertador, visa à vida do ser humano e acontece no anúncio da Boa Notícia e a na denúncia das injustiças.

            A Igreja e o mundo carecem de pessoas que se decidam pelo caminho de Jesus. O mundo está tomado pelo espírito capitalista, que tem tirado a vida e a liberdade de muitas pessoas. As diversas formas de exclusão e de sofrimento assolam a humanidade. O egoísmo e tantos outros males tomam conta das pessoas tornando-as cada vez mais insensíveis diante do sofrimento do próximo. Tudo se torna superficial, passageiro, descartável. O amor, a justiça, a solidariedade e tantos outros valores importantes para a convivência sadia e feliz são deixados de lado. Este mundo necessita de autênticos cristãos.

            A Igreja se encontra em um momento difícil. A situação da Cúria Romana se agravou, o Papa perdeu as forças e renunciou. Todos os olhos estão voltados para Roma. Todos almejam que seja eleito um Papa mais aberto e humano. As pessoas pensam que o Espírito Santo é quem vai inspirar o Colégio Cardinalício. Particularmente, não duvido da ação do Espírito do Senhor; mas também não duvido que a luta pelo poder tira a liberdade de ação do mesmo Espírito. A Escritura ensina que o Espírito age na liberdade e para a liberdade, e em Roma e na Igreja o tema da liberdade sempre gerou e continua gerando desconforto e desconfiança.

            A Igreja necessita de mulheres e homens convictos da vocação cristã recebida no batismo, de pessoas despojadas, simples e verdadeiras; de pessoas cada vez mais livres para o anúncio do evangelho de Cristo. Sem liberdade não há autêntico anúncio do evangelho, pois este é liberdade. As mudanças que a Igreja precisa realizar no seu aparato institucional dependem da liberdade. Não há mudanças na vida de quem não ousa ser livre. A liberdade é sempre um risco e ela tem sempre dado lugar à mesmice e à letargia na vida da Igreja. Resta esperar que as pessoas se abram à ação do Espírito e, assim, coloquem-se no caminho de Jesus, transformando a Igreja e o mundo em lugares fraternos, em Casas de irmãos e irmãs que se querem bem.

Tiago de França