“É
preciso obedecer a Deus, antes que aos homens” (At 5, 29).
Pela terceira vez, Jesus aparece
ressuscitado aos seus discípulos (cf. Jo 21, 1 – 19). Eles se encontram fazendo
aquilo que faziam antes de conhecer e seguir Jesus: pescando peixes no mar. Sem
a presença do Mestre eles continuam na mesmice. Sem Jesus, a vida cristã perde
seu sentido; lançam-se as redes, mas estas não conseguem pegar um peixe sequer.
Quais os frutos de nossas pescarias? O que estamos procurando? As redes nos
levam a estas perguntas. O que está acontecendo com nossas comunidades cristãs?
O que estão procurando? Se observarmos com atenção, a impressão que dá é que os
cristãos de hoje se parecem com os discípulos de Jesus: conversam com ele, mas
não conseguem reconhecê-lo.
Onde está Jesus? Como reconhecê-lo
na comunidade cristã? Será que Jesus se encontra na mera instrumentalização de
nossos rituais, de nossas celebrações pomposas? Quais as consequências dessas
celebrações no cotidiano da vida das pessoas? Estas conseguem realizar uma
profunda experiência de Deus em suas vidas? Elas permanecem com Jesus ou
raramente se encontram com ele? De uma coisa estamos certos: cada vez mais o
ser humano, direta ou indiretamente, tem sede de algo que preencha o vazio de
sua existência, vazio causado por um estilo de vida cada vez mais distante de
Deus.
Nossas igrejas e celebrações são
espaços de encontro com Deus? Será que as pessoas realmente rezam e se
confraternizam? Particularmente, ando tendo sérias dificuldades para participar
das celebrações litúrgicas. Estas parecem não traduzir a ação amorosa do
Ressuscitado que podemos encontrar no Evangelho. Há uma mesmice que cansa, que
causa inquietação, tédio. Tudo parece muito mecânico, repetitivo, morno. Quanto
não sentimos sono por causa da repetição enfadonha, sentimos dor no ouvido por causa
do barulho ensurdecedor. E parece que as pessoas voltam para casa sem ter
experimentado algo diferente, que as anime na dura lida do cotidiano.
O Ressuscitado orienta a pesca e
eles pegam muitos peixes. O convite expresso de Jesus é para que matem a fome,
para que comam juntos: “Vinde comer”.
Eles o reconhecem por causa dos inúmeros peixes que pescaram e por terem sido
convidados à refeição. Jesus se encontra com os seus discípulos durante a
refeição. A refeição deve ser este momento de encontro e de reencontro. Os que
seguem Jesus devem encontrá-lo na mesa da refeição. Esta mesa, que na Igreja
aparece na partilha da palavra de Deus e do pão eucarístico, também se encontra
no encontro com os que precisam comer.
O encontro com o outro para o
diálogo e a partilha fraterna dos bens é encontro com o Ressuscitado. As alegrias
e esperanças partilhadas nas conversas sinceras e verdadeiras, a escuta atenta
ao que outro quer falar, a visita para tomar o café saboroso e tantos outros
momentos fraternos que constroem a comunidade cristã são oportunidades para se
encontrar com Jesus; encontro natural, espontâneo, alegre, gratuito, feliz. São
oportunidades para combater o mal do isolamento, do individualismo, da tristeza
e tantos outros males advindos da ausência desses momentos felizes. Jesus se
encontra na verdadeira alegria experimentada pelas pessoas que buscam partilhar
a vida.
Após a refeição Jesus pergunta três
vezes a Simão Pedro se este o amava. Respondendo sempre positivamente, Pedro
recebe o encargo de cuidar das pessoas. Apascentar é cuidar. Este é o verbo que
melhor traduz a responsabilidade do pastor. Os que seguem Jesus devem cuidar
uns dos outros. Cuidar é, antes de tudo, permanecer com as pessoas. Mais do em
outras épocas, o ser humano necessita de cuidados. Criam-se sempre estilos de
vida nos quais o cuidado, a atenção, o olhar, o sentir, o responsabilizar-se
pelo outro são gestos cada vez mais escassos. O número dos que são esquecidos
cresce, assustadoramente. Na comunidade cristã ninguém deveria ser esquecido
nem ser tratado com desprezo.
Jesus pergunta pelo amor. Como anda
a prática do amor no interior de nossas comunidades? O que tem mais preocupado
nossas comunidades? Será que a situação difícil na qual muita gente se encontra
é motivo de preocupação e está contida no planejamento pastoral de nossas
comunidades? Ou continuamos preocupados com as reformas materiais dos templos e
com o cumprimento rigoroso das rubricas nas liturgias? Se Jesus pudesse nos
dirigir a palavra como o fez com Simão Pedro, ele nos perguntaria e está nos
perguntando pelo amor. As rubricas litúrgicas e a materialidade de nossos
templos não estão em função do amor, mas da organização material, da estética,
que, em si mesma, não é o essencial da vida eclesial.
Simão Pedro declarou seu amor por
Jesus. Posteriormente, abraçando a coroa do martírio provou, de fato, que o
amava. Foi uma testemunha fiel da Ressurreição de seu Mestre. Testemunhou com a
própria vida. Era um simples homem, pescador, casado, humilde. A Igreja atual
carece de testemunhas. É verdade que temos muitas pessoas testemunhando Jesus
no silêncio do anonimato. Isso é bom, justo e agradável a Deus; mas é verdade
também que na hierarquia encontramos poucos dispostos a testemunhar Jesus até
as últimas consequências. Isto afeta gravemente a credibilidade da Igreja no
mundo.
O relato termina com Jesus
convidando a segui-lo. O seguimento de Jesus acontece na verdade e na
liberdade. Estas asseguram a coerência de vida e a consequente integridade do discípulo
missionário. Verdade, liberdade, coerência constituem a vida do seguidor de
Jesus; são as qualidades da mulher e do homem íntegros. Os cristãos na Igreja,
leigos e/ou ordenados, precisam abraçar esta integridade de vida, sem
farisaísmo, para fazer brilhar no mundo a luz de Cristo, sendo testemunhas da
Ressurreição em um mundo que padece por tantos males, marcado por tantos sinais
de morte. E o Espírito do Senhor, presença silenciosa e vigorosa na vida dos
que aderem a Jesus, é a força que assegura o testemunho missionário dos que
retamente se colocam no caminho do Ressuscitado.
Tiago de França
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