“O
reino de Deus está próximo de vós” (Lc 10, 9).
O tema da missão profundo e belo e
constitui a essência da vida cristã. Falar da missão é falar de encontro, de
chamado e de envio, que incluem necessariamente outros dois temas fundamentais,
que estão, por isso mesmo, intimamente ligados: o seguimento de Jesus e o reino
de Deus. Brevemente, vamos refletir sobre a missão dos discípulos de Jesus à
luz do texto evangélico deste XIV Domingo Comum (cf. Lc 10, 1 – 12.17 – 20).
“O
Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos...” É Deus quem nos
escolhe. Nenhum missionário adere à missão por conta própria, mas porque sente
o chamado divino. Sentir-se escolhido por Deus é algo extraordinário, pois não
se trata de um mero serviço, de mera ocupação, mero passatempo, mas de se
colocar no caminho de Jesus e nele perseverar. Portanto, no princípio
da missão está a escuta atenta à voz do Pai que chama cada um por seu nome,
carinhosamente. O chamado acontece no silêncio da vida e do coração, é uma voz
que chama a partir de dentro, que não dá sossego, chama insistentemente e
espera uma resposta decidida, firme e generosa.
“...
e os enviou dois a dois...” A missão acontece na comunidade dos seguidores de
Jesus, jamais fora dela. O missionário não está a serviço de uma empresa, mas a
serviço do Autor da vida, para a transmissão de sua Palavra libertadora.
Portanto, não basta sentir-se chamado, mas é preciso sair do lugar onde se encontra, sair de si mesmo e partir,
mergulhar nas águas mais profundas da vida das mulheres e homens que precisam
conhecer a Palavra e se encontrar definitivamente com ela, para reencontrar o
sentido último de suas vidas. A missão acontece na comunhão dos irmãos e irmãs
que se querem bem, que na alegria e no testemunho fazem a luz de Jesus
resplandecer em meio às trevas deste mundo.
“Eis
que vos envio como cordeiros para o meio de lobos”. As
incompreensões, as perseguições e, em alguns casos, a morte fazem parte da vida
dos seguidores e seguidoras, missionários e missionárias de Jesus. Além disso,
a hostilidade e a indiferença por parte de muitos são obstáculos na caminhada.
Em um mundo marcado pela mentira, pela
competição, pelas diversas formas de violência, pelo materialismo e consumismo
e por tantos outros males que afetam a vida, o anúncio da Palavra de Deus se
torna cada vez mais necessário e, ao mesmo tempo, encontra inúmeros
adversários, além dos já mencionados. Por isso, o discípulo missionário precisa
ser audaciosamente corajoso, firme e perseverante, deve confiar na graça de Deus que o
assiste sem jamais abandoná-lo.
“Não
leveis bolsa, nem sacola, nem sandálias...” Necessariamente, o discípulo
missionário precisa ser como Jesus: despojadamente livre para a missão. O apego
a lugares, pessoas, instituições e à riqueza é um forte empecilho para que a missão
se realize plenamente. Atualmente, mais do que em outras épocas, a cultura da
posse dos bens materiais tem se intensificado bastante.
De modo geral, são importantes aquelas
pessoas que possuem riquezas. O valor está ligado à posse dos bens supérfluos. Estes
constituem aquilo que falta na vida de muitos, ou seja, enquanto alguns possuem
demasiadamente, tantos outros padecem pela falta do necessário para viver
dignamente. É impossível ser missionário da Palavra de Deus apegando-se a
lugares, pessoas, instituições e à riqueza. O apego tira a liberdade e esta é
fundamental para que existam o discipulado e a missão.
“Em
qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa! ’” O discípulo missionário
é um portador da paz de Jesus, paz que o mundo não tem para dar. A missão está
em função da verdadeira paz, oriunda da justiça do Reino e da verdadeira
alegria. Portanto, a missão acontece no anúncio da justiça, na vivência alegre
da proclamação da palavra de Deus, por meio de gestos e palavras.
Como na oração de São Francisco de
Assis, onde houver tristeza, o missionário levará a alegria e esta, que difere
da alegria meramente mundana, transforma o ambiente em espaço de paz, de
serenidade, de tranquilidade do espírito e das relações entre as pessoas. Com
isto, não estamos afirmando que a paz de Jesus é ausência de conflito, pelo
contrário, é no enfrentamento das injustiças, por meio da denúncia firme e
corajosa, que a justiça do Reino e a paz acontecem na vida das pessoas.
“Quando
entrardes numa cidade e fordes bem recebidos, comei do que vos servirem, curai
os doentes que nela houver e dizei ao povo: ‘O reino de Deus está próximo de
vós’”.
O discípulo missionário é o operário do Senhor. Sentar e comer com as pessoas
são gestos imprescindíveis na missão. Jesus sentava e comia com as pessoas e
isto demonstrava que ele estava em plena comunhão com elas.
O evangelho ensina que a refeição é o
lugar da partilha da vida, da comunhão dos irmãos, do encontro com o Cristo que
se fez plenamente humano. Curar os doentes é sinônimo de libertação integral. A
missão está em função desta libertação, que se interessa pela salvação do homem
todo e de todo homem. O anúncio do Reino de Deus está no núcleo, ou seja, no
centro da mensagem de Jesus e deve está no centro da missão da Igreja, enquanto
peregrina neste mundo rumo ao Pai.
O texto termina com a alegria dos
enviados em missão. Ficaram muito felizes e disseram a Jesus que até os
demônios lhes obedeceram. Jesus os escuta e chama-lhes a atenção para aquilo
que é importante: “Contudo, não vos
alegreis porque os espíritos vos obedecem. Antes, ficai alegres porque vossos
nomes estão escritos no céu”. A felicidade do discípulo missionário de
Jesus não se encontra na realização de curas e outros prodígios em nome de
Deus, mas no fato de serem discípulos missionários, continuadores da missão que
o Pai confiou ao Filho e este a confiou à Comunidade de seus seguidores e
seguidoras. A espiritualidade cristã ensina que este mundo é incapaz de
oferecer a verdadeira felicidade, pois esta se encontra no seguimento de Jesus
de Nazaré.
Por fim, é preciso considerar que na
vida da Igreja há discípulos missionários leigos e ordenados. Estes últimos tem
mais dificuldades de cumprirem o mandato missionário do Senhor por causa da
constituição hierárquica da Igreja, ou seja, a maneira como a hierarquia está
organizada, assim como a forma como a mesma atua vai na contramão do caminho de
Jesus. Não é difícil perceber que são poucos os hierarcas da Igreja que são
realmente livres para a missão.
A maioria dos padres e bispos se
encontra submetida a diversas formas de apego que conduz ao comodismo e ao
consequente aburguesamento. A realidade mostra que, infelizmente, ainda estamos
longe de termos uma Igreja pobre para os
pobres conforme o desejo de Jesus, desejo reconhecido pelo Papa Francisco
em suas primeiras palavras como Bispo da Igreja de Roma e responsável por
confirmar os irmãos e irmãs na fé do Cristo ressuscitado. Que o Espírito nos
confirme em nossa missão batismal, a de sermos, neste mundo, verdadeiros
discípulos missionários de Jesus de Nazaré.
Tiago de França
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