“...
qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu
discípulo”
(Lc 24, 33).
À luz do texto bíblico lido na
liturgia deste domingo (cf. Lc 14, 25 – 33), vamos refletir sobre o seguimento
de Jesus. Há muitas leituras e interpretações feitas no interior das Igrejas
cristãs que tendem a esvaziar o texto, tirando-lhe seu real sentido, tornando-o
superficial. Isto ocorre porque muitos daqueles que se afirmam cristãos não aceitam
a palavra de Jesus. Na opinião deles a palavra de Jesus é dura demais,
insuportável. No mencionado texto Jesus apresenta algumas exigências para os
que desejam segui-lo. Estas exigências não tiram a dimensão de gratuidade do
seguimento, apenas falam do compromisso radical que o mesmo significa. Portanto,
seguir
Jesus é comprometer-se com o Reino de Deus anunciado por ele.
Por que muitas pessoas acham que as
palavras de Jesus são pesadas demais e até insuportáveis? O ser humano é
marcado pelos interesses. De modo geral, sempre se busca os próprios interesses
em detrimento dos interesses do outro. Muitas vezes, este outro é usado para a
satisfação pessoal ou realização dos próprios interesses. Ir ao encontro do
outro é, na maioria dos casos, ir à procura de satisfação dos interesses
pessoais. O mandamento do amor se encontra na contramão dos interesses pessoais
e corporativistas. Relações gratuitas e desinteressadas marcam a mensagem de
Jesus e, para muitas pessoas, estas relações não interessam. É pedir demais.
Se pararmos para observar as pessoas
e o mundo que nos rodeiam, facilmente perceberemos o grande mal que assola a
humanidade: o apego. As pessoas se apegam demasiadamente umas às outras e
também aos bens que julgam possuir. O interesse é manter estes apegos, custe o
que custar. O apego ao poder parece ser o mais perigoso, pois corrobora na
destruição do outro. Este, quando ameaça o detentor do poder é, por isso mesmo,
perseguido e eliminado. Quem possui o poder não quer largá-lo e para
mantê-lo comete as maiores atrocidades. Os homens criaram o poder e
fazem de tudo para preservá-lo. Onde há poder há quem manda e quem obedece. Trata-se
de uma relação desigual.
A forma como o homem lida com o poder é
desumana, porque se usa o mesmo em função dos interesses pessoais e
corporativistas. Neste sentido, os fracos não tem vez, são explorados. Os discípulos
de Jesus não são pessoas do poder, não foram chamadas a dominar, não possuem
autoridade sobre ninguém. Jesus sabia muito bem que não se constrói fraternidade
através de relações de poder. A palavra de ordem da fraternidade é a igualdade
entre as pessoas. Somente assim elas são, de fato, irmãs umas das outras. A partir
do evangelho podemos assegurar sem sombra de dúvidas o seguinte: quem
se apegar ao poder não pode ser discípulo de Jesus. Na Igreja e na
sociedade, a raiz de todos os males se encontra no apego ao poder: os que
possuem o poder exploram os mais fracos. Isto é diabólico e antievangélico.
No texto de hoje, para indicar a
necessidade do desapego, Jesus se refere à família e à própria vida do
discípulo. Claro que não está pedindo que se despreze ou se renuncie aos laços
familiares. Jesus não quis dizer isto. Também não está pedindo que se odeie a
si mesmo ou que se viva num autodesprezo, mas que se coloque o seguimento à sua
pessoa no centro da existência. Em outras palavras, Jesus está enfatizando a
necessidade de o discípulo colocar o seguimento no centro da própria vida.
Jesus é o centro da vida cristã. Não é a religião, com suas doutrinas e
prescrições o centro da vida cristã, mas a pessoa e a mensagem de Jesus de
Nazaré. Isto significa identificar-se com Jesus, segui-lo na intimidade
e na verdade.
Em seguida, Jesus fala de carregar a
cruz e segui-lo. O caminho de Jesus é marcado pela incompreensão, pela perseguição e
pelo martírio. São muitas as dificuldades que não permitem ao discípulo
ter vida fácil e tranquila. Por isso, a pessoa que deseja salvar a própria
vida, viver longamente numa estilo de vida marcado pelas seguranças que este
mundo oferece, sem nenhum interesse na situação sofredora do próximo, não pode
ser discípulo de Jesus. Quem não se preocupa em aliviar o sofrimento
do próximo, recusando-se à justiça e à solidariedade, não pode ser discípulo de
Jesus. Nenhum egoísta consegue seguir Jesus e, consequentemente, não
participará do Reino de Deus. Quem só pensa em si mesmo vive em função de si e
é incapaz de viver na comunidade dos filhos de Deus porque a solidariedade não
lhe interessa.
Carregar a cruz é fazer o papel do homem
que ajudou Jesus a carregar a cruz rumo ao Gólgota, o “lugar da caveira”. Há muitas
pessoas que precisam de ajuda para carregar a sua cruz. Quando há solidariedade ninguém
abandona a cruz, pois o caminho se torna possível, pois a reciprocidade no
auxílio fraterno é prova clara do auxílio divino. Quando somos irmãos
na justiça e na solidariedade manifestamos, assim, o real significado do
auxílio de Deus. O auxílio divino se manifesta na força de nossas palavras e
gestos em prol daquele que foi assaltado no caminho de Jericó. Carregar
a cruz é ser um bom samaritano, é ser capaz de caminha com perseverança até a
entrega da própria vida.
Por fim, Jesus fala da renúncia a tudo o
que se tem para que o seguimento a ele se torne realidade. Toda pessoa que
deseja seguir Jesus precisa perguntar-se a si mesma a respeito de tudo aquilo
que tem e que impede tal seguimento. Renunciar a tudo aquilo que impede o
seguimento é permanecer livre para a missão. A liberdade é fundamental
para o seguimento. Sem ela não é possível se colocar no caminho de Jesus. Há tantas
pessoas que pensam que são seguidoras de Jesus, mas que são escravas de si
mesmas e de tantas coisas. Às vezes, não conseguem se libertar porque, na
verdade, não querem se libertar; acomodaram-se à escravidão.
O caminho de Jesus carece de pessoas
ousadas, que desejam ser livres e que queiram se colocar a serviço da
libertação de tantos outros que estão à espera do evangelho libertador de Jesus. As Igrejas
cristãs precisam de sangue novo em suas veias, de pessoas que aceitem a
proposta de Jesus, aderindo-a com ousadia e coragem para a salvação do mundo. Eis,
então, as exigências de Jesus: desapegar-se, tomar a cruz, renunciar a tudo o
que se julga ter e segui-lo na liberdade dos filhos e filhas de Deus. Para
termos justiça e paz precisamos que os cristãos assumam essas exigências até as
últimas consequências.
Tiago de França
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