terça-feira, 17 de setembro de 2013

O direito e a justiça

       
           Esta breve reflexão não tem como objetivo explicitar, cientificamente, a diferença entre direito e justiça, tarefa que exige maiores aprofundamentos. Certamente, há uma enorme bibliografia especializada a respeito, que pode ser consultada por qualquer leitor interessado. O fato é que o direito e a justiça são temas essenciais não somente para que haja uma compreensão sobre a organização social, como também para entendermos um pouco sobre o que está por trás das ideologias soltas e legitimadas por diversos atores sociais.

            Na condição de estudante de direito, preocupa-me a situação atual na qual o mesmo se encontra. Não há como se posicionar contrariamente ao fato de que o direito é necessário para a sociedade. A rigor, o direito deveria estar a serviço dos fracos, daqueles que precisam do auxílio do Estado para gozar de seus direitos fundamentais. Os diversos ramos do direito se encontram em função dos seres humanos, de sua realização no mundo. O ordenamento jurídico (conjunto de normas) de um determinado país, segundo os especialistas no direito, está em função do aparelho estatal e este em função do povo, sendo este último o detentor do poder constituinte originário. Em outras palavras, o poder do Estado emana do povo.

            Pois bem, e a justiça? Hans Kelsen, um dos maiores estudiosos do direito no séc. XX, fala que o problema da justiça é um problema da ética (cf. Teoria Pura do Direito, 1976, p. 100). Parece que sua preocupação, como indica o título de sua obra clássica, refere-se ao direito enquanto conjunto de normas positivadas, ou seja, inscrita no ordenamento com suas respectivas finalidades. Isto parece complexo demais, pois, a princípio, é uma questão puramente técnica, que somente interessa a juristas, especialistas na doutrina jurídica. Na vida prática, a pergunta que segue nos abre os olhos para a realidade: Para que serve o direito que não se coloca como instrumento da promoção da justiça?

            Sem sombra de dúvidas, se formos olhar para o contexto histórico, sem nos preocupamos com maiores pormenores no momento, podemos assegurar que o direito natural e, posteriormente, o direito positivo surgiram porque sempre existiram pessoas em relações. Considerando o ser humano no meio do mundo, na relação de conflito por desentendimentos de toda ordem e na busca desenfreada dos próprios interesses, encontramos aí o que poderíamos chamar de certa finalidade prática do direito. Consequentemente, o justo e o injusto aparecem nestas relações.

            Deixando Hans Kelsen de lado, juntamente com sua metódica preocupação pelo direito positivo e seus modos hierárquico-estruturais, voltemo-nos para a pergunta do parágrafo que precede o anterior. Pensemos uma resposta a partir de duas realidades preocupantes: o direito na universidade e o problema da justiça na promoção dos direitos fundamentais das pessoas. Na universidade, o direito é pensado de forma rigorosa e, portanto, sistemática; na sociedade ele é aplicado pelos responsáveis em fazer com que o mesmo seja respeitado.

            O que me chama a atenção no estudo do direito resume-se nas três ideias que seguem:

1. O curso de direito, historicamente, é um curso reservado à elite brasileira. Ser advogado, promotor, juiz, procurador, desembargador, ministro etc. sempre foi “coisa de rico”. Os ricos, salvo raras exceções, nunca se preocuparam com a justiça, porque esta questiona seriamente o status quo. Assim, interessa aos pobres, historicamente pisados, o problema da justiça. A maioria dos estudantes do curso de direito continua sendo formada por pessoas ricas, apesar do esforço do governo em facilitar o ingresso dos pobres nos cursos mais visados e reconhecidos no mercado de trabalho. Os estudantes ricos dos cursos de direito visam, de modo geral, aprender o direito, tê-lo na ponta da língua, não porque estejam preocupados com o problema da justiça social, mas porque almejam os grandes postos e os grandes salários. O objetivo é claro: ganhar muito dinheiro e viver hipocritamente, sem nenhuma preocupação com as injustiças que se cometem no mundo.

2. Ainda no contexto universitário, faz até vergonha mencionar a qualidade de muitos cursos. O direito virou mercadoria. São inúmeros cursos que se dizem “reconhecidos” pelos órgãos governamentais, mas que na verdade almejam ganhar muito dinheiro. O direito é vendido, os profissionais são formados dentro deste contexto de venda de doutrina jurídica. Consequentemente, encontramos profissionais que apresentam falta de qualificação profissional, pois não sabem lidar com o direito e aqueles que se utilizam do mesmo para a manipulação de pessoas e instituições. É preciso não nos esquecermos da OAB – Ordem  dos Advogados do Brasil. Para quem não sabe o que esta faz, podemos resumir na seguinte sentença: Trata-se de uma instituição que tem como objetivo implícito a manutenção do exercício da advocacia nas mãos de poucos, assim como visa legitimar as forças de direita no Brasil, aquelas forças contrárias à justiça que procura defender e promover os direitos dos marginalizados. Prova disso é que não se vê, salvo em casos raros e isolados, a OAB envolvida nas grandes causas da justiça social brasileira.

3.  Por fim, é preciso considerar aquilo que desde o primeiro parágrafo desta reflexão estamos enfatizando: o direito precisa se colocar a serviço da justiça, cultivando um olhar benevolente para com os marginalizados da sociedade. Neste sentido, o Poder Judiciário precisa exercer sua missão fundamental: promover a justiça. Assistindo aos jornais, certamente a maioria dos brasileiros fica se perguntando a respeito do significado de tantos termos utilizados pelos ministros da suprema corte de justiça do país. Termos característicos de um ordenamento jurídico elaborado pelos ricos, que se utiliza de uma linguagem erudita e complexa, justamente com a intenção de fazer com que os cidadãos continuem naquele lamentável estado de desconhecimento do texto da lei e de sua necessária interpretação. A manobra falaciosa do ordenamento em detrimento dos pobres da nação brasileira é visível quando se noticia a falta de firmeza e até de vergonha dos magistrados na insistente postura desonesta de proteger os ricos e poderosos, fazendo com que a impunidade se perpetue na sociedade brasileira.

      É preciso muita atenção ao que está acontecendo. Informar-se nas fontes alternativas da informação, que não reproduzem as ideologias do poder opressor tem se tornado uma necessidade urgente não somente dos grupos sociais que lutam pela promoção dos direitos humanos, como também de todo cidadão brasileiro, detentor do poder constituinte. Deter o poder não é somente exercer o sagrado direito de participar ativamente do processo eleitoral, mas também manter-se informado e procurar os meios necessários (canais de participação popular) para fiscalizar e gritar contra as injustiças mais perigosas, as que são institucionalizadas.


Tiago de França

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