sábado, 12 de outubro de 2013

Maria e as crianças

“Fazei o que ele vos disser” (Jo 2, 5).

            O dia 12 de outubro é dia de Nossa Senhora Aparecida (para os católicos) e dia das crianças. É uma data muito significativa e que merece algumas reflexões. Vamos pensar a relação que há entre o significado da pessoa da mãe de Jesus e o das crianças, em vista de um mundo melhor. O dia de hoje nos traz uma grande lição: a de buscarmos ser cada vez mais atentos ao próximo, nosso irmão, em uma sociedade marcada pela indiferença e pelo esquecimento. Maria e as crianças nos remetem ao próximo, à importância do cuidado e do amor sincero e recíproco.

O que Maria nos ensina?

            No relato bíblico das bodas de Caná (cf. Jo 2, 1 – 11) Jesus se fez presente e Maria percebe que faltou vinho na festa. Então, recorre a Jesus e em seguida aos que serviam, falando o seguinte: “Fazei o que ele vos disser”. Conhecendo o filho que tinha, estas palavras de Maria soam como se ela quisesse dizer: “prestem atenção em Jesus e façam o que ele vos disser, pois o vinho novo vai aparecer”. A ação atenta e generosa de Maria fez com que Jesus oferecesse o vinho da solidariedade assegurando, assim, a realização da festa. Numa festa de casamento não pode falta o vinho, que alegra o coração, que promove a fraternidade, animando as pessoas.

            A partir das bodas de Caná da Galiléia podemos aprender com Maria a virtude da atenção. Pode parecer estranho, mas estar atento é virtude de poucos! O mundo atual é marcado pela dispersão e pela desatenção. De modo geral, as pessoas não prestam atenção umas às outras. Muitas pessoas e situações passam despercebidas. Por que isto ocorre? Qual a raiz deste mal? A raiz deste mal se chama egoísmo. Quando concentramos nosso olhar e nossa atenção em nós mesmos, facilmente nos esquecemos dos outros. Maria pediu para Jesus resolver o problema da falta de vinho porque ela pensou nos noivos e na festa. Ela pensou na alegria dos outros. O egoísta não pensa no outro e quando se recorda do outro é para buscar beneficiar-se em alguma coisa pensando, assim, em satisfazer suas próprias necessidades.

            Maria ensina-nos a voltarmo-nos para o outro, pois no encontro com o outro acontece o encontro com Deus. O mundo carece de relações verdadeiras, transparentes, humildes, desinteressadas, harmoniosas, felizes. As pessoas precisam aprender e recuperar o espírito da gratuidade. Onde estão os relacionamentos pautados na gratuidade? Por que as pessoas, mesmo sabendo que se trata de um mal, insistem em querer transformar o outro em mero objeto de satisfação de seus desejos? Isso é o egoísmo arraigado até as entranhas. Por que só lembrar-se do outro quando precisamos de algo? Basta de relações interesseiras! Quem pensa que segue Jesus, mas entrega-se ao egoísmo é mentiroso e não conhece o sentido e o alcance do amor generoso de Deus.

O que nos ensinam as crianças?

            Quem acredita em Jesus e conhece seu evangelho sabe muito bem o significado das crianças para a espiritualidade cristã. Vamos recordar para jamais cairmos na tentação da mania de grandeza, da soberba e do espírito de superioridade. A humildade e a pequenez da criança nos ensinam a sermos humildes e pequenos. A criança precisa da atenção e do cuidado dos adultos, sem os quais elas não conseguem sobreviver, pois são frágeis e pequenas. A criança necessita do cuidado e concede ao adulto a oportunidade de aprender a ser humilde por meio da prática da virtude do cuidado. Aprendemos com as crianças a cuidar do próximo. Sem discurso e sem moralismo, as crianças ensinam os adultos a se voltarem para o próximo. Por isso que Jesus falou que para participar do Reino de Deus é necessário ser como elas: humildes, abertas, disponíveis, alegres, pequenas.

            O mundo atual é marcado por um número incontável de pessoas que procuram a fama, o sucesso, o prestígio e o poder. De modo geral, as pessoas querem ser grandes, famosas, poderosas; desejam ser o centro das atenções, querem ser vistas, reconhecidas, aplaudidas. Nas universidades, os jovens sonham em se formar para alcançar os grandes postos, visando ganhar os maiores salários. No mundo empresarial, os empresários não se satisfazem com o que tem, mas almejam mais lucro, mais dinheiro, querem a hegemonia no mercado. Na religião, encontramos religiosos ambiciosos e sedentos de poder, fazendo de tudo para não perdê-lo. Iguais aos homens seculares, estes religiosos querem se manter no poder opondo-se, assim, ao evangelho de Jesus, que ensinou o oposto, o caminho do serviço.

            Muitos outros espaços poderiam ser mencionados. O que se percebe é que em todos eles o ser humano é cego, portanto, ignorante. O evangelho de Jesus é totalmente ignorado pela maioria, que só almeja a grandeza e o poder. Não adianta essas pessoas pensarem que enganam a Deus mantendo-se em seus desejos e ambições e, ao mesmo tempo, praticando atos de piedade na religião. Isso se chama farisaísmo. Os mestres da lei e fariseus assim viviam: procuravam o prestígio e o poder e, assim, exploravam as pessoas para garantir seus privilégios, e para não serem desmascarados em seus projetos ambiciosos se escondiam por trás de uma linguagem e estética religiosas. Atualmente, eles continuam agindo da mesma forma e, por incrível que pareça, conseguem enganar muita gente.

            Colocando a criança no meio e chamando a atenção de seus discípulos (cf. Mt 18, 2 – 5) para a importância da pequenez, Jesus mostra o verdadeiro lugar de seu discípulo. Ser pequeno não é sinônimo de anulação da personalidade ou desinteresse em construir uma personalidade autêntica e capaz; pelo contrário, ser pequeno é não alimentar em si mesmo a mania de grandeza, é procurar em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça. No caminho de Jesus, revelado pelas crianças, as pessoas assumem a pequenez, a humildade, o despojamento, a espontaneidade e a justiça; aprendem que Deus se encarnou na pobreza de Nazaré e se fez pequeno para confundir os grandes e para mostrar que seu Reino é dos pequenos.

Toda pessoa que almeja ser grande e poderoso não participará do Reino de Deus, pois neste não há lugar para os poderosos. Por que não há? Porque o poderoso só procura o poder e para conquistá-lo e manter-se nele, inevitavelmente, explora e mata os pequenos. No Reino de Deus não há lugar para os poderosos assassinos e exploradores, exceto para os que abandonam o poder, o prestígio e a riqueza e se tornam, assim, na verdade e na liberdade, como as crianças: pequeno, humilde, despojado, disponível, aberto e justo.  Não há meio termo, mas adesão a uma das duas alternativas propostas por Jesus: ou permanece no caminho do poder e, portanto, do egoísmo, ou abraça a conversão à pequenez das crianças tornando-se, dessa forma, membro ativo do povo de Deus e de seu Reino. Fora desta conversão não há salvação possível.


Tiago de França

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