domingo, 24 de novembro de 2013

Jesus, o Reino de Deus e os reinos do mundo

“Ele é o princípio, o primogênito dentre os mortos; de sorte que em tudo ele tem a primazia, porque Deus quis habitar nele com toda a sua plenitude e por ele reconciliar consigo todos os seres, os que estão na terra e no céu, realizando a paz pelo sangue da sua cruz” (Cl 1, 18 – 19).

            Na Solenidade do Cristo, rei do universo, o texto de Lucas 23, 35 – 43 nos fala da pequenez e da impotência de Jesus. Como, então, entender o sentido e o alcance desta solenidade? Dispensando os mínimos detalhes históricos que podem explicar a origem da mesma, basta-nos olhar para Jesus crucificado. Brevemente, com certa ousadia, arrisquemos alguns pensamentos a respeito daquilo que está no título desta reflexão: a pessoa de Jesus, o Filho de Deus, na sua relação com o Reino do Pai e a dinâmica interna dos reinos deste mundo. Claro que se trata de um tema digno de longas análises teológicas, presentes nas reflexões da cristologia moderna. Vamos pensar Jesus a partir de baixo, a partir dos crucificados da história (cf. a obra teológica do famoso jesuíta Jon Sobrino).

Jesus na sua relação com o Reino do Pai

            No nordeste do Brasil, Jesus é tido como o servo sofredor. Na cúria romana, Jesus é o rei. Claro que o papa Francisco acredita no servo sofredor, pois o encontrou nas periferias de Buenos Aires, Argentina. Certamente o servo sofredor continua com ele, em seu coração de pastor, livrando-o dos perigos dos lobos ferozes que habitam o Vaticano, que são filhos das trevas e inimigos da luz. Mas o que isso tem a ver com Jesus e sua relação com o Reino do Pai?
           
            Não basta ver Jesus se relacionando com o Pai na inauguração de seu Reino. Isto é o que narram os evangelhos; mas Jesus não está no passado. Ele é o Emanuel, Deus conosco. Hoje, Jesus continua sua relação com o Pai, na ação do Espírito Santo. A obra do Reino é contínua na história humana. Não é pura abstração. É suor e sangue, conflito e reconciliação. Em Jesus, o Pai se reconcilia com a humanidade, como nos ensina o apóstolo dos gentios. Assim, os evangelhos são unânimes em mostrar Jesus na periferia do mundo, agindo com amor e misericórdia, mostrando o caminho que leva ao Pai.

            Na sua relação com o Pai, Jesus é o servo fiel e prudente, o missionário da Boa Nova do Reino, o peregrino das estradas deste mundo desigual. Sua coroa é de espinhos e seu reino não é deste mundo, mas tomemos cuidado para não deixarmos nossa fértil imaginação criar um falso reino de Deus, um paraíso como depósito de almas, descanso dos justos e sofredores. Este reino imaginário, como o próprio nome indica, não tem existência, é fruto da fantasia humana. Aqui podemos pensar a respeito de Jesus como rei.

Jesus é rei?

            Atestam os evangelhos que todas as tentativas dos discípulos de Jesus para glorificá-lo neste mundo foram frustradas. Ele não procurava o poder, o prestígio e a riqueza, pois não foi para isto que veio a este mundo. Jesus estava totalmente concentrado na sua missão e guiado pelo Espírito do Senhor, e foi fiel até as últimas conseqüências. Não foi enviado para tomar o poder dos romanos. Não era o Messias glorioso, esperado por muitos. Humanamente, era despojado do poder, não podia nada. Era um pobre homem, “sem lenço e sem documento”!

            O que a Igreja viu em Jesus para dedicar-lhe o título de rei do universo? Após o reconhecimento da Igreja como religião oficial do império romano, no séc. IV, a riqueza, o prestígio e o poder se infiltraram definitivamente na Igreja. O evangelho de Jesus foi posto de lado e a hierarquia, salvo raras exceções de pessoas, se tornou sedenta de poder. Até hoje a sede pelo poder continua sendo o problema da Igreja. Assim fica claro o entendimento acerca da criação da solenidade de Cristo, rei do universo: a Igreja, preocupada em dominar o mundo, cria a idéia de um Cristo poderoso e dominador. O que significa dizer que, na verdade, não estava preocupada com o Cristo das Escrituras, mas consigo mesma. Para legitimar seu poder perante o mundo havia a necessidade de se criar a imagem de um Deus todo-poderoso, rei do universo.

            Durante toda a Idade Média esta é a idéia que vigorou: toda pessoa tinha que aderir ao Cristianismo, a religião do rei do universo; do contrário, estaria fadada à condenação eterna. Até hoje, os cristãos de mentalidade medieval continuam pensando o mesmo, recusando-se a aceitar o pluralismo religioso. Mesmo após o Concílio Vaticano II, que tentou corrigir esse gravíssimo equívoco, leigos e clérigos continuam pensando o que foi declarado até em documento oriundo da cúria romana: fora da Igreja não há salvação!

O Reino de Deus e os reinos do mundo

            Os que aderem e adoram a imagem do Cristo, rei do universo são aquelas pessoas que desejam que o Cristianismo domine o mundo, como na era medieval. Essas pessoas morrem e continuarão morrendo frustradas. A era do Cristianismo de dominação passou, a cristandade não existe mais. Estamos na era da diversidade e da pluralidade. Não adianta fechar os olhos para a realidade. A diversidade e a pluralidade são dons do Espírito do Senhor, pois este não é uniforme, mas plural e libertador. Não existe libertação na uniformidade.

O que também está por trás da adoração à imagem do Cristo, rei do universo, é a busca por segurança, material e psicológica. As pessoas querem um Deus forte e poderoso, que possa resolver seus problemas e atender a seus desejos ocultos e explícitos. A imagem do Cristo, rei do universo é muito usada nas Igrejas cristãs de hoje. Aderir a este Cristo é ter uma vida próspera e feliz neste mundo, vida cheia de riqueza, prestígio e poder. Para estas pessoas podemos dizer sem medo de equívocos: Vocês criaram um deus de conveniência! Jesus não tem nada que ver com isso. Tudo não passa de fantasia, frustração e ilusão.

            A Igreja precisa se despojar da idéia do Cristo, rei do universo, e abraçar o que os evangelhos falam dele: o missionário, o itinerante, o pobre, o coitado de Nazaré, homem fiel ao projeto do Pai, que lhe foi fiel até a morte de cruz. É hora de abolir, definitivamente, a imagem do Cristo coroado, de cetro real nas mãos. Isto não vem de Deus, mas da imaginação humana. A realeza de Jesus está naquilo que apóstolo Paulo falou aos colossenses: ele é o princípio, o primogênito entre os mortos, é o “meio” pelo qual Deus reconcilia toda a humanidade. Jesus não pode ser desvinculado do Reino do Pai, pois é impossível entendê-lo sem esta necessária referência.

            Aderir a Jesus significa colocar-se em seu caminho. Este caminho é o da justiça, do amor, do perdão, da solidariedade, do serviço e da doação. Colocar-se neste caminho é tornar-se participante da vida divina, é tomar parte no Reino do Pai, tornando-o realidade na história humana. Na Igreja e fora dela, os que procuram a riqueza, o prestígio e o poder estão na contramão do Reino do Pai, portanto, estão a serviço das forças das trevas, que geram sofrimento e morte no mundo. Os reinos deste mundo criam estas forças contrárias ao Reino de Deus e há muitas pessoas que pensam que são cristãs, mas na verdade estão a serviço dos reinos deste mundo, em clara oposição ao Reino de Deus. Converter-se a Jesus é abandonar as pretensões meramente humanas e entrar, definitivamente, nas fileiras daqueles que o seguem.

Tiago de França

sábado, 16 de novembro de 2013

Fidelidade em meio às adversidades

“É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” (Lc 21, 19).

            A fidelidade é dom de Deus. Confiando nas próprias forças, o ser humano não consegue ir muito longe.  A fraqueza lhe é condição natural. Chamado a viver na intimidade com Deus, o cristão procura se entregar à sua bondade e misericórdia. Jesus, na sua peregrinação terrestre viveu plenamente unido ao Pai, na certeza de que este jamais o abandonaria. Esta confiança o levou à entrega de sua própria vida. O seguidor de Jesus conhece como é o caminho e sabe também dos riscos do mesmo. Inspirados pelas palavras de Jesus (cf. Lc 21, 5 – 19), vamos meditar algumas questões importantes para o seguimento de Jesus em nossos dias.

O tempo está próximo

            Livres dos apocaliptismos e das profecias que anunciam somente a desgraça, precisamos suscitar a esperança na vida das pessoas; mas a esperança cristã não é ingênua nem fadada ao fracasso. Ela brota da vida sofrida do povo e não poderia ser diferente. Os sofredores deste mundo, renunciando ao desespero, vislumbram um novo amanhecer. Ricos e poderosos não sabem o que isto significa, e quando tomam conhecimento de tal esperança, geralmente não a entendem. O motivo é simples: não a entendem porque estão fora do caminho de Jesus. Somente os que estão no caminho entendem a dinâmica contagiante da esperança cristã.

            Para aqueles que estavam admirados com a beleza das belas pedras preciosas que embelezavam o Templo de Jerusalém, Jesus fala da transitoriedade de todas as coisas. Mais do que isto, Jesus aponta para o fim de todo sistema que explora as pessoas. Infelizmente, o Templo de Jerusalém foi transformado em casa de exploração do povo. A religião se transformou em pedra de tropeço, em instrumento de alienação e exploração dos pobres. O tempo da destruição do mal é certo. É tardio, mas certo. Os homens criam o mal, o aperfeiçoam, tornando-o cada vez mais destruidor; porém, com o passar do tempo tudo se acaba, se evapora, não sobrando pedra sobre pedra.

            Todos os dias assistimos às denúncias que destronam muitos poderosos. Eles riem e usufruem os bens roubados do próximo, mas, de repente, tudo é descoberto e a ruína lhes surpreende. O mal contém em si o germe de sua própria destruição. Todas as pessoas que se enveredam pelo caminho da maldade, cedo ou tarde, serão eliminadas da face da terra. Isto é inevitável. O mal não contém a verdade, mas é alicerçado na mentira, na ilusão e no falso progresso. É igual a um castelo construído sobre a areia, quando vem a tempestade tudo se desmorona. Soberbos e ímpios, segundo a profecia de Malaquias, são iguais à palha, que não suporta o fogo devorador (cf. Malaquias 3, 19).

Falsos mestres e falsas profecias

            Jesus alerta para o perigo dos falsos mestres: pessoas que afirmam ser o Messias, o Salvador. Aqui e acolá aparece gente dessa espécie, mas só fazem barulho, nada mais. Não são portadoras da verdade que liberta o ser humano. São inimigas da verdade e da liberdade. No Cristianismo de nossos dias elas estão nos púlpitos e nos templos, mas seus discursos estão desvinculados da palavra de Deus. São mentira e ilusão, não falam em nome de Deus, mas a partir de si mesmas e em função de si mesmas. Quando cansam, desistem e morrem com suas falsas profecias.

            Além de pessoas, o dinheiro continua sendo o deus de muita gente. As pessoas o procuram e se entregam, procurando ser felizes. O deus dinheiro parece ser a mola propulsora da humanidade atual. Suas espécies asseguram riqueza e prestígio. Consequência: vazio existencial, que leva inevitavelmente à morte. As pessoas que adoram ao dinheiro, colocando-o no centro de suas vidas, cedo ou tarde perdem o sentido da vida e morrem desesperadas, tragicamente. É vergonhoso e triste assistir a morte de quem passou toda a sua vida a serviço do deus dinheiro.

O testemunho das profetisas e profetas do Senhor

            Finalmente, Jesus fala da provação. Para os seguidores de Jesus este mundo é inadequado, pois sua mentalidade é outra. Quem se encontra no caminho de Jesus não se amolda às estruturas deste mundo, mas isso não quer dizer que se encontra em outro mundo. Afirmar que o cristão vive em outro mundo seria enganoso. Nos meios eclesiásticos, onde se encontram os estudiosos da lei de Deus, falar em transformação do mundo é falar de coisa ultrapassada. A Igreja atual está retomando esta mentalidade de transformação porque o Papa Francisco ousou retomá-la, mas os doutores da lei e fariseus da Igreja não param de dar boas risadas do Bispo de Roma.

            O mundo está profundamente marcado pela mentalidade capitalista, que ensina o ter e o poder. Muitos cristãos abandonaram Jesus e aderiram a esta mentalidade doentia e desumanizadora. Portanto, amoldaram-se às estruturas injustas deste mundo, que somente geram sofrimento e morte. Segundo a mentalidade capitalista, importante é a pessoa que tem dinheiro. O pobre e o desvalido são tratados como lixo e/ou como clientes da infinidade de mercadorias descartáveis que são produzidas. Em pouco tempo, pessoas e mercadorias se tornam a mesma coisa. A pessoa se torna coisa, podendo ser descartada.

            Para quem está contaminado pela mentalidade capitalista estas palavras soam como subversivas e dignas de desprezo. Os capitalistas são inimigos da liberdade, pois são demasiadamente apegados às coisas e às pessoas coisificadas. Suas vidas são superficiais e neutras, sua alegria é falsa e passageira. Os discípulos de Jesus fazem uso das coisas necessárias à vida. Certamente usam computador, telefone, carro, internet, roupas, sapatos. Seria hipocrisia afirmar o contrário.

É até comum encontrarmos cristãos fazendo uso dos modismos da atualidade. Os modistas estão contaminados. Os cristãos estão no mundo, mas fora da moda. São considerados ultrapassados porque não aderem à descartabilidade de todas as coisas e das pessoas. Usam das coisas necessárias e se relacionam com as pessoas, tendo Jesus diante dos olhos.  

            Jesus convida à firmeza e à fidelidade até o fim. O Reino de Deus está acontecendo, silenciosamente, na história. As testemunhas da ressurreição de Jesus, aqui e acolá fazem o Reino acontecer. Claro que a edificação do Reino não depende da força delas, mas o Espírito do Senhor, presente e atuante no mundo, é quem faz o Reino acontecer. Este mesmo Espírito está presente nas lutas dos sofredores, no cotidiano de suas vidas. A fidelidade a Jesus é graça deste Espírito. Alcançar, enfim, a vida plena é graça do Espírito.

O cristão permanece de pé, caminhando firme, porque é impulsionado pela esperança, que é graça do Espírito de Deus. Somente o Espírito é capaz de conceder a verdadeira liberdade, que o mundo jamais oferece nem se interessa em oferecer. O que os homens de hoje pensam ser a liberdade para as suas vidas, na verdade não passa de ilusão. Em pouco tempo descobrem que continuam desorientados e perdidos.

Não há outra liberdade senão a liberdade dos filhos e filhas de Deus. Nela se encontra a felicidade de que todos procuram. Fora desta liberdade somente existe ilusão, frustração, desorientação, dispersão e vazio existencial. Quer ser feliz? Arrisque-se encontrar a liberdade caminhando com Jesus. Este é o caminho.


Tiago de França

domingo, 10 de novembro de 2013

Ressurreição: realidade humana e espiritual

“Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos, pois todos vivem pra ele” (Lc 20, 38).

            O tema da ressurreição ocupa o centro da mensagem cristã. Não há Cristianismo sem fé na ressurreição. O que significa ressuscitar? Ressurreição não é reanimação de cadáver, como pensavam os saduceus que foram falar com Jesus (cf. Lc 20, 27 – 38) e como até hoje pensam muitos cristãos. A realidade da ressurreição é indescritível, ninguém sabe ao certo como acontece. Metaforicamente, arriscamos imagens e ideias, mas continua sendo um mistério. Portanto, todas as afirmações a respeito da ressurreição são aproximativas, pois não conseguem falar plenamente do mistério.

            Para entendermos a ressurreição precisamos olhar para Jesus, o Filho de Deus, primeiro a ressuscitar dentre os mortos. Ele mostrou que a ressurreição não é mera realidade pós-morte. Quando o discípulo se coloca no caminho de Jesus já começa a experimentar a realidade da ressurreição. Portanto, ressuscitar é estar em comunhão com Deus. Comunhão que ressuscita a pessoa para uma vida nova, transformada pela força do Espírito. A ressurreição é um mistério impulsionado pela ação amorosa do Espírito do Senhor.

            A ação do Espírito é silenciosa e gradativa, sem pressa alguma. A pessoa sente no seu cotidiano que há uma força que a conduz, encoraja, ilumina, torna a vida possível. A vida dessa pessoa é alegre e cheia de paz. Mesmo em meio às dificuldades e desafios, não há abatimento nem desespero, mas passo firme na direção de Deus. É algo tão misterioso que a pessoa já se sente naquela comunhão plena de que fala a escatologia. Há certa antecipação das alegrias celestiais. Essas pessoas que assim vivem são inabaláveis porque são movidas pela força divina. Elas já se desapegaram de tudo, inclusive de si mesmas. Deus, misteriosamente, as habita.

            Neste sentido, a ressurreição é uma experiência que antecede a morte e chega após esta à sua plenitude. Com a morte somos transformados em algo que no momento é indizível, algo que transcende a realidade humana. A este algo chamamos de ressurreição. Os que nesta vida estão unidos a Deus e esperam confiantemente nele são resgatados na morte para uma realidade nova. Em Jesus e na força do Espírito, a pessoa entra definitivamente na comunhão trinitária. É algo sublime, racionalmente inalcançável.

            Ter fé na ressurreição é colocar-se no caminho de Jesus. O caminho do calvário e a realidade da cruz antecedem à glória da ressurreição. Jesus entregou-se confiantemente a Deus, cumprindo sua vontade. As Escrituras atestam que sua fidelidade ao Pai o fez ressurgir da morte para a vida. Por meio de Jesus, Deus ressuscita a humanidade, concedendo-lhe vida plena. Não basta crer com a boca, mas é necessário fazer a experiência cotidiana da ressurreição.

            Quem acredita na ressurreição sabe que a vida não tem fim, que a morte é como que uma metamorfose, certa transubstanciação da realidade. Por isso, o discípulo de Jesus vai ao encontro da morte como seu Mestre: com a confiança que não será abandonado no túmulo. Quem acredita na ressurreição só conhecerá a morte do corpo, sabendo que este será transfigurado, transformado em algo eterno, assim como aconteceu com Jesus. É isso que Deus quer e é isto que Ele fará, pois é o que diz as Escrituras, palavra de Deus que não passa.

            A Igreja e o mundo de nossos dias carecem de mulheres e homens ressuscitados no Cristo Jesus: pessoas alegres, firmes, esperançosas, trabalhadoras, corajosas, audaciosas, simples, livres e de fé enraizada no testemunho da palavra de Deus. Há muito sofrimento no mundo, causado pelas diversas formas de violência e exploração. Os discípulos missionários de Jesus, iluminados pelo evangelho da vida e da liberdade, devem testemunhar a ressurreição de Jesus. Isto significa abraçar as grandes causas do Reino de Deus até as últimas consequências.

Nenhuma força deste mundo é superior à força da ressurreição e esta acontece por meio do suor e do sangue dos discípulos de Jesus, que são chamados a ser fermento, sal e luz em meio à desumanização que está acontecendo no mundo. E na parusia do Senhor, o grande dia da vitória sobre a morte, o Deus e Pai de Jesus fará justiça aos oprimidos e todos se sentarão à mesa de seu Reino. A festa vai ser bonita e sem fim, pois a vida, definitivamente, vai ser a realidade única. E Deus, Pai infinitamente amoroso e misericordioso, será tudo em todos. Enquanto este dia não chega, o Espírito consolador vai mantendo viva a nossa esperança e o caminho vai se tornando possível.


Tiago de França

domingo, 3 de novembro de 2013

A santidade no século XXI

“Esses são os que vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro” (Ap 7, 14).

            Houve uma época na história do Cristianismo em que os seguidores de Jesus identificaram-se de tal modo com seu estilo de vida que eram capazes de dar a própria vida como ele, enfrentando as ameaças e perseguições por parte dos mandatários do império romano. Toda a Igreja dos primeiros séculos foi assim: regada pelo sangue dos mártires, mulheres e homens que experimentaram no corpo as consequências da fidelidade a Jesus. Ser santo é ser fiel a Jesus.

            A fidelidade a Jesus se traduz na adesão ao seu projeto de humanização das pessoas. Isso não é comunismo, não é ideologia, é evangelho de Jesus. Este Jesus, crucificado e ressuscitado é a Luz que liberta das trevas da ignorância e do erro todo aquele que se dispõe à libertação. O santo de Deus é um iluminado, atingido pela luz de Jesus. É alguém capaz de oferecer aos outros essa luz, tornando-a visível, colando-a sobre os telhados. O santo reflete em sua vida a luz de Jesus.

            Na Idade Média, os santos foram fieis à sua época: contemplaram a Deus na vida monacal. Reservaram-se do mundo, distanciando-se dele. Eram ascéticos, disciplinados, virtuosos, orantes. Os grandes místicos eram assim: pessoas altamente compenetradas na contemplação. Enquanto alguns clérigos procuravam manter os privilégios da Igreja, os místicos estavam diante de Deus perguntando-se a respeito de sua vontade. Muitos não foram escutados, reconhecidos, vistos, mencionados; caíram no sagrado anonimato, no esquecimento da memória eclesiástica, mas permanecem vivos na memória do Deus que os chamou à perfeição.

            Karl Rahner, grande teólogo jesuíta, em algum lugar afirmou, no século passado, que os cristãos do sec. XXI seriam místicos, ou não seriam cristãos. De fato, o mundo atual é marcado por um barulho dispersivo, pela crise de identidade, que geram indiferença e ódio. Os santos não podem mais seguir as trilhas da contemplação monacal. Até os monges de hoje estão no meio do mundo, mesmo experimentando o silêncio exterior de seus monastérios. A humanidade está clamando por libertação e os cristãos, os santos de Deus, precisam ser sal e luz em meio ao azedume da mesmice, do engano, da mentira, da ilusão e da violenta exploração do homem pelo homem.

            Lavar e alvejar as vestes no sangue do Cordeiro: eis as palavras que traduzem com perfeição a vida genuinamente cristã. Ser fermento na massa, fazer crescer a semente de mostarda que de tão pequena se transforma na árvore da vida. O Reino precisa crescer, não pela mera força humana, frágil e errante, mas pela força de Deus que circula nas veias dos santos. Francisco, Terezinha, Pe. Cícero, Dorothy, Margarida, Oscar, Helder, Gandhi, Luther King, Bonhoeffer, Comblin, Fragoso, Ibiapina, Damião e tantas outras testemunhas da Ressurreição estão no mundo, silenciosamente, fazendo germinar, discretamente, o Reino de Deus.

            São os pobres, os aflitos, os mansos, os famintos e sedentos de justiça, os misericordiosos, os puros, os promotores da paz, os perseguidos e injuriados: eis os santos de Deus. Estes são os construtores do Reino, que, cotidianamente, lavam e alvejam as vestes no sangue de Jesus, o Cordeiro de Deus. Na Igreja de nossos dias, o sangue do Cordeiro está na mesa do altar e nas lutas do povo; muitos o recebem nas espécies sagradas, mas se recusam a agir impulsionados pela mensagem o Cordeiro. A Eucaristia parece que não consegue frutificar na vida. Falta o testemunho diário, ousado, profeticamente transformador.

            Quem são, portanto, os santos do séc. XXI? São mulheres e homens que escutam a palavra de Jesus e se arriscam ao anunciá-la e praticá-la na vida. A maioria está fora da religião oficial: vive a experiência de Jesus, que não era doutor da lei nem fariseu, mas um pobre homem, considerado um clandestino, subversivo e agitador político. A religião tenta sacralizar Jesus e os santos, mas não consegue. Eles sempre escapam e o motivo é simples: Jesus foi conduzido não pelo imperativo categórico da lei, mas pelo Espírito, que é livre e libertador.

Os santos trilham o mesmo caminho: deixam-se guiar pelo Espírito que conduz à liberdade. Como na religião a liberdade não é bem aceita, então a maioria dos santos está fora dela. Os que se encontram nela são considerados loucos e desobedientes, simplesmente porque são guiados pelo Espírito do Senhor e não pelas normas, prescrições e orientações oriundas da lei criada pelos eclesiásticos; lei que não salva nem liberta, mas somente prende e oprime. Os santos vivem o princípio bíblico da obediência a Deus e não aos homens. Isto se chama liberdade. Não há santidade fora da liberdade. Os santos são mulheres e homens em processo contínuo de libertação. As palavras que os orientam são: Espírito, novidade, liberdade e Reino de Deus. Estas palavras não se encontram na lei, mas no evangelho de Jesus. Por isso que um santo não vive em função da lei, mas guiado pela luz e pela força de Deus.


Tiago de França

sábado, 2 de novembro de 2013

A morte

A MORTE

Realidade
Misteriosamente indescritível
Humanamente
Inaceitável

Trágica?
Não
Tranquila?
Às vezes

Pobres e ricos, humildes e prepotentes
Fracos e fortes
Sem exceção nem distinção
Encontram-se, inevitavelmente, com a morte

A morte é irmã
Companheira da vida
Breve pausa na existência material
Rumo ao invisível

Compreendê-la
Reconciliar-se com ela
Eis o caminho
Para se alcançar, plenamente, a Realdade última

Realidade, igualdade
Companhia
Caminho rumo ao infinito, alegria
Acolhimento

(Tiago de França)