quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A essência do Cristianismo

           
             A ideia de essência nos remete ao núcleo de alguma coisa, aquilo de mais profundo e verdadeiro que existe, ao centro. A pergunta pela centralidade da vida cristã e, consequentemente, do Cristianismo deveria ser levada mais a sério pelos cristãos, pois com muita facilidade se marginaliza o essencial e se centraliza o secundário. Vamos entender o essencial e o secundário na vida cristã e no Cristianismo a partir da experiência de Jesus de Nazaré.

O essencial

            A partir da experiência de Jesus, o pobre de Nazaré, podemos assegurar que ele mesmo é o centro da vida cristã: ele é o caminho, a verdade e a vida. A princípio, todo cristão sabe disso, mas, geralmente, não aceita nem vive conforme esta verdade. Quais as implicações existenciais da afirmação de que Jesus é o centro da vida cristã? Inicialmente, é preciso considerar a imutabilidade da centralidade de Jesus. Em outras palavras, independentemente de qualquer coisa, Jesus foi, é e continuará sendo o centro da vida cristã. É uma realidade que não muda, apesar da resistência de muitos. E quem é Jesus? É a encarnação do próprio Deus no mundo, Deus que é amor.

            Afirmar que Jesus é o centro da vida cristã significa que o secundário não pode ocupar o seu lugar. Então, se Jesus é o centro, o que é o secundário? Tudo aquilo que radicalmente se opõe a Jesus, que busca impedir sua centralidade, que desfavorece a vida humana, que é oposto ao seu projeto salvador. Falar em projeto é falar de algo essencial da centralidade de Jesus, pois há o grave risco de se aceitar a Jesus sem nenhuma referência ao seu projeto, que é o Reino de Deus. Quem aceita Jesus e se recusa a crer e se colocar a serviço do Reino de Deus está cometendo uma profunda contradição. Jesus e o projeto do Reino formam o essencial da vida cristã e são inseparáveis.

            Os primeiros cristãos souberam entender esta realidade, pois colocaram Jesus no centro de suas vidas e se tornaram, de fato, sal e luz do mundo. Converteram-se porque se colocaram no caminho de Jesus e nele perseveraram até as últimas consequências. Não se deixaram desviar pela busca do poder, do prestígio e da riqueza, mas viveram a alegria do Evangelho, testemunhando-o no mundo. Esta fidelidade à mensagem de Jesus foi e continua sendo causa de muitas perseguições e mortes. Unidos a Jesus e doando suas vidas por causa do Evangelho alcançaram a liberdade, a felicidade e a vida plena.

O secundário

            Com o passar do tempo e a evolução da cultura, o Cristianismo foi se transformando em uma religião complexa e poderosa: complexa no aspecto doutrinal e litúrgico (dogmas, leis, rituais etc.) e poderosa porque acumulou muita riqueza, prestígio e poder. Todo o período da Idade Média é a maior prova disso: a Igreja assassinava pessoas para manter seus privilégios e riquezas. Hoje ela não mata, pois não é mais possível fazer como fazia. Hoje seus meios são outros.

            O secundário é tudo aquilo que é criação humana, que é fruto da cultura e que o ser humano tende a absolutizar: doutrinas, dogmas, leis, normas, rituais, riqueza, prestígio, poder, estruturas etc. Tudo isto é criação humana. Jesus não criou nada disso nem o Espírito pode ser é a causa da criação destas coisas. Todas são passíveis de mudanças e podem acabar; são finitas, imperfeitas e, às vezes, desnecessárias. O poder, o prestígio e a riqueza são o joio no meio do trigo. Doutrinas, leis e rituais podem ser tolerados, mas jamais absolutizados, pois Deus é o Absoluto.

            A história do Cristianismo mostra com clareza a tendência do homem religioso em absolutizar ideias, doutrinas, leis e rituais. Jesus e o Evangelho foram postos de lado, cedendo o lugar para a busca do poder, do prestígio e da riqueza. Em torno dessa busca, criaram-se doutrinas, dogmas, leis e rituais de toda sorte, sem nenhuma fundamentação evangélica. O Espírito do Senhor, que age na liberdade e para a liberdade, foi esquecido e passou a ser invocado somente para legitimar tudo o que se foi criando para a manutenção do poder na Igreja.

            Na hierarquia da Igreja há pessoas para tudo: uns se consagram em função do poder, enquanto outros optam pelo serviço evangélico. No momento da consagração, todos falam de serviço, mas é mentira. Os que se consagram para servirem ao poder se tornam os funcionários do sagrado e da religião, e se ocupam do secundário. Estes desconhecem o Evangelho. Só entendem da letra, mas desconhecem o espírito que está por trás da letra. Não possuem nenhuma experiência de Deus. Suas bocas falam de Deus, mas seus corações estão distantes; possuem aparência angelical, mas são lobos ferozes, demônios encarnados.

            Os que se consagram verdadeiramente ao serviço do Senhor e do seu povo são os discípulos missionários de Jesus, pastores e profetas do Reino de Deus. Estes possuem uma profunda comunhão com Deus e esta unidade com a Trindade é que os sustenta na missão. Alguns estão na hierarquia, mas a maioria está no laicato. Quer estejam na hierarquia ou no laicato sofrem muitas perseguições, muitos são brutalmente assassinados. Alguns são assassinados dentro das comunidades cristãs por pessoas que aparentam muita piedade. Os consagrados ao serviço do Senhor e seu povo são testemunhas da ressurreição de Jesus, pessoas livres que vivem em função da liberdade do gênero humano.

Restaura a Igreja, Francisco!

            Não poderia concluir estas provocações sem fazer referência ao tempo de graça e salvação vivido nesta hora oportuna da história da Igreja. O Espírito do Senhor ungiu um bispo e o fez chegar à cobiçada cadeira de Pedro, o pescador de homens. Seu nome é Francisco e como o de Assis, do séc. XIII, ele não está perdendo tempo. Antes que seus coirmãos rasguem a regra de vida e tentem impedir a transformação necessária, Francisco fala da alegria do Evangelho porque está consciente da força transformadora desta alegria. Rodeado por pessoas tristes e ambiciosas, Francisco grita ao mundo a palavra de Jesus contida no Evangelho da vida e da liberdade.

            As pessoas riem, choram, admiram e se preocupam. Conhecendo a história da Igreja, muitos perguntam-se: “Quando será a hora que vão tirar a sua vida?”... Francisco, orante e sereno, não está preocupado com a própria vida, mas está com os olhos fixos em Jesus, está acordado, alegria e disposto. Os fariseus hipócritas, desde as bases até a cúpula, estão preocupados, pois são inimigos da cruz de Cristo, mas nada podem fazer porque ninguém e força alguma neste mundo conseguem dar conta de segurar a ação amorosa, forte e transformadora de Deus, que opera neste mundo em favor de seus pobres, por meio da voz e da força dos braços de seus ungidos. Restaura a Igreja, Francisco!


Tiago de França

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