quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

A reforma da Igreja

         
         Com muito entusiasmo, as pessoas tomam conhecimento da persistência do Papa Francisco na tentativa incansável de reformar a Igreja. Recentemente, o Papa publicou sua primeira exortação apostólica, intitulada Evangelii Gaudium (A alegria do Evangelho). Ainda não tive tempo para me debruçar sobre ela, mas as primeiras palavras da mesma merecem nossa atenção: “A alegria do Evangelho enche o coração e a vida daqueles que se encontram com Jesus”. Vamos ousar algumas ideias a partir destas palavras do Papa.

A alegria do Evangelho

            Desde o início do seu pontificado o Papa vem chamado a atenção da Igreja e do mundo para a importância da alegria. De fato, diante de tanto sofrimento, a alegria merece o seu lugar na vida humana; mas a alegria da qual fala o pontífice não é a alegria meramente mundana, oriunda do mero desfrute dos prazeres, mas se refere à perfeita alegria, da qual também falava São Francisco de Assis. A perfeita alegria o mundo não consegue dar, pois ela não é passageira, e traz consigo a paz. Quem goza da perfeita alegria não perde o bom humor e sempre está em paz consigo mesmo, com os outros e com Deus.

            O cristão precisa ser uma pessoa alegre. Por meio de palavras e gestos é chamado a transmitir a alegria da ressurreição de Jesus. Como tão bem tem lembrado o Papa, Jesus era um homem alegre. A tristeza leva ao desânimo e este engessa a pessoa, tirando-lhe a alegria de viver. Mesmo que a vida nos pareça difícil e pesada, é preciso permanecer no espírito da verdadeira alegria, aquela alegria que animou Jesus na missão, no encontro com as pessoas. Pessoas alegres tornam o mundo melhor, pois a alegria interfere positivamente nas relações interpessoais.

            A Boa Notícia de Jesus possui em si mesma uma alegria radiante porque liberta as pessoas de toda espécie de prisão. Quem está preso está triste, desolado, sem estímulo para viver. Chamado à liberdade, o ser humano reencontra a alegria quando livre das forças que provocam a morte. Esta liberdade somente é obtida por meio do anúncio da Boa Notícia do Reino de Deus. Portanto, a reforma da Igreja desejada pelo Papa e por tantos cristãos está intimamente ligada à alegria do Evangelho. Cristãos tomados por esta alegria são verdadeiramente capazes de aderir ao projeto do Reino de Deus anunciado por Jesus.

A conversão do coração

            Nestes dias estive lendo algumas homilias do Papa. Ele fala com convicção e com alegria. Suas palavras vem de seu coração. Então, me recordei de um pensamento do famoso jesuíta Anthony de Mello: “A religião não é uma questão de rituais ou estudos acadêmicos. Não é um tipo de culto ou de boas ações. Religião é uma questão de arrancar as impurezas do coração. Este é o caminho para encontrar a Deus”. Rituais, estudos acadêmicos, culto e boas ações: desde sempre o ser humano reduziu a religião a isso. Portanto, o essencial foi esquecido. Passaram-se séculos de apego ao secundário.

            Quem realmente se interessa em arrancar as impurezas do próprio coração? Por que as pessoas resistem a isso? O que fazer para alcançar esta graça? Anthony de Mello, SJ, em sua vasta obra espiritual aponta o desapego como caminho para a libertação interior, para que seja possível arrancar as impurezas do coração. De fato, compreendendo o que significa o desapego, este parecer ser o único caminho que conduz à verdadeira liberdade. Jesus ensina no Evangelho que o que torna o homem impuro não é o que entra no ser humano, mas o que sai dele. Assim sendo, toda pessoa possui impurezas que precisam ser arrancadas. Eis a questão da religião.

            Essas impurezas do coração nos tornam agentes das forças de morte que operam no mundo. Elas nos conduzem ao mal, à ofensa a nós mesmos e ao outro; transformam-nos em pessoas calculistas, oportunistas, egoístas, falsas, desonestas, mentirosas, arrogantes e dissimuladas. Há uma tendência de maquinar o mal contra o outro e uma falsa alegria em vê-lo destruído. A situação pecaminosa do ser humano é tão lastimosa que há pessoas que sentem prazer em ver seu semelhante destruído, humilhado, desorientado, aflito, desesperado e morto. Isso precisa ser arrancado de dentro de nós.

Precisamos nos libertar desta cruel tendência em levar o próximo à desgraça. Esta e tantas outras impurezas somente desaparecem quando nos desapegamos de nós mesmos e de tudo o que existe neste mundo. A raiz da ofensa ao outro está na busca de nossos interesses mesquinhos. Isso se chama egoísmo. Quando procuramos prejudicar nosso semelhante estamos, na verdade, procurando alguma satisfação, estamos querendo ganhar alguma coisa em troca. Sempre foi assim e enquanto o desapego não for o caminho a ser trilhado, a situação, infelizmente, vai continuar sendo a mesma.

A Igreja precisa de mulheres e homens que ousem fazer a reforma do coração, pois sem esta não é possível reformar nenhuma espécie de estrutura. A reforma da Igreja passa pela reforma do coração, e reformar o coração significa arrancar as suas impurezas. Neste sentido, o que o Papa está propondo é o que Jesus exortou no seu Evangelho: convertam-se e creiam no evangelho! Sem esta conversão, que passa pelo coração, não é possível reforma alguma. Aliás, precisamos mais de que uma reforma, precisamos de rupturas! Estas exigem coragem e determinação para serem realizadas, mas antes é preciso alegria e desapego para que haja libertação do medo, do egoísmo e das diversas formas de apegos que nos aprisionam. Que o Espírito do Senhor nos ajude com sua força.


Tiago de França

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