sábado, 18 de janeiro de 2014

Santidade: viver segundo o Espírito do Senhor

“Eis o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1, 29).

            Em Cristo Jesus o discípulo missionário é santificado (cf. 1 Cor 1, 2). Como se procede esta santificação? É preciso considerá-la, antes de tudo, como ação misteriosa de Deus por meio de seu Espírito. É o próprio Deus que deseja a santificação do gênero humano. Marcado pelo pecado, o ser humano é incapaz, por si mesmo, de chegar à santificação; mas uma vez alcançado pela graça santificadora de Deus se torna capaz de entrar em comunhão com Deus. Ser santificado, portanto, é isto: abrir-se à ação amorosa do Espírito do Senhor, deixando-se moldar por Ele para a salvação do mundo. Isto é ser outro Cristo.

            Não se trata de mera compreensão, mas de vida concreta no mundo. Observemos a saudação do profeta João, quando viu Jesus se aproximar: “Eis o cordeiro de Deus”. Na linguagem bíblica, a imagem do cordeiro estava ligada aos sacrifícios de expiação dos pecados. Ao saudá-lo dessa forma, João está nos dizendo que Jesus, unido ao Pai na força do Espírito, é capaz de nos libertar do pecado. Assim, o pecado não deve ser mais motivo de preocupação. No Cristo estamos livres, não seremos condenados. Fomos abraçados pela graça. Este é o desejo de Deus. Ninguém pode invalidar isso. Somos mais que vencedores.

            Unidos ao Cordeiro de Deus, Jesus de Nazaré, o Filho amado do Pai, recebemos o convite de sermos cordeiros. Isto significa que a nossa vida deve ser como a de Jesus: vida doada ao próximo, nosso irmão. Pelo batismo somos incorporados ao ser de Jesus, ou seja, participamos de sua vida doada aos irmãos e aprendemos com ele a fazer a mesma experiência de cruz e ressurreição. Aqui está o núcleo de nossa santificação. Unidos e somente se unidos ao Cordeiro de Deus é que somos santificados. Quais as consequências práticas deste ser santificado para a vida do mundo atual?

            Deixar-se santificar por Deus é uma maravilha, uma alegria inexplicável, mas também um risco, algo perigoso. No mundo encontramos quem escolhe viver nas trevas da ilusão, da mentira e do erro. Há quem resista à proposta de Jesus, a santificação cotidiana. Consciente e inconscientemente, estas pessoas acabam contribuindo para aumentar cada vez mais o joio no meio do trigo. Os santificados em Cristo Jesus precisam da virtude da paciência e da perseverança: a primeira ajuda a compreender os limites da realidade, a segunda não permite que o desânimo tome conta da vida.

            A alegria oriunda da ação amorosa de Deus é filha da liberdade. Apesar dos condicionamentos da vida, o discípulo missionário está alicerçado na rocha firme, que é o próprio Cristo Jesus. Escolhendo segui-lo e tendo os olhos fixos nele, segue a diante, sem medo de ser feliz. Aí se percebe claramente uma entrega sem limites porque há um forte vínculo de confiança no Deus que chama e envia para a missão. Estas pessoas ungidas pelo Espírito, batizadas por Jesus, o Cordeiro divino, fazem brilhar no mundo a Luz da vida. Esta Luz é o próprio Jesus, Palavra de Deus para a vida do mundo.

            A missão dos santificados em Cristo, dos que são batizados na força do Espírito, está repleta de alegrias e de perseguições. São muitas as lágrimas e os sorrisos dos discípulos de Jesus. Há um refrão cantado nas comunidades cristãs que diz: “Indo e vindo, trevas e luz, tudo é graça, Deus nos conduz!” A missão é movimento de ida e vinda, de pecado e graça, e Deus é o condutor da vida dos que se permitem santificar. Não há medo paralisante, não há ideologia alienadora, mas há caminho a seguir. Os discípulos missionários de Jesus não se deixam dominar pelo medo nem pela covardia, mas, iluminados e sustentados pelo Espírito Santificador se entregam à missão, apesar do risco constante do derramamento de sangue.

            É visível que os santificados em Cristo Jesus são pessoas do mundo para o trabalho santificador do mundo. Por isso, não vivem fugindo do mundo nem o demonizam. Na Igreja, há quem pensa que está agindo no Espírito do Senhor somente porque procura evitar o pecado. Jesus nunca pediu a nenhum dos seus discípulos para evitar o pecado. Essa mania de evitar o pecado é coisa de gente medrosa, que não confia na força de Deus, mas em suas próprias capacidades e forças. Estas pessoas são as que mais pecam.

Combater o pecado é coisa de gente fraca, que não entendeu o Evangelho. Jesus não nos chama a combater o pecado, mas a confiar em Deus e na força do Espírito. Quando aceitamos o convite de Jesus para o trabalho da edificação do Reino de Deus, o fato de não vivermos “atolados” no lamaçal do pecado é uma consequência natural e não um fardo a ser carregado, como ocorre na vida de muitos ascéticos da Igreja atual. Jesus nos chama a vencer o mundo e isto só é possível quando nos deixamos batizar com o Espírito Santo.

Após este batismo estamos preparados para sermos sal e luz do mundo, presença de Deus na vida das pessoas. É para a periferia do mundo que Jesus nos envia quando nos batiza com o Espírito Santo. Na vida eclesial, quem deseja ficar no centro e no conforto das práticas religiosas que oferecem segurança espiritual deve cuidar em redescobrir o sentido do batismo que recebeu. E deve fazê-lo logo, se quiser participar da mesa do Reino. Sem esta redescoberta não há caminho possível, mas somente aquela ilusão que nos leva a pensar que estamos com Jesus, mas na verdade estamos contra ele.


Tiago de França

Obs: A imagem que acompanha este artigo é a Ir. Dorothy Mae Stang, assassinada em Anapu - PA, aos 73 anos de idade, em 12/02/2005. Mártir de Jesus.

sábado, 11 de janeiro de 2014

O batismo dos cristãos

“Este é o meu Filho amado, no qual eu pus o meu agrado” (Mt 3, 17).

            A festa do batismo de Jesus é uma excelente oportunidade para cada pessoa batizada pensar no sentido do batismo. O que significa ser batizado em nome da Trindade? Quais as consequências deste batismo na vida do mundo e da Igreja? Jesus foi batizado por João para que se cumprisse a justiça. O Espírito de Deus manifestou-se em Jesus e nele permaneceu. O Pai revelou ao mundo quem é Jesus: seu Filho amado, no qual colocou o seu agrado. Jesus é o Filho amado e querido de Deus.

            Para não cairmos na tentação de sermos cristãos somente de nome, sem a vivência do testemunho evangélico, devemos assumir as promessas do batismo que recebemos. Crer em Deus, renunciar ao mal e prometer obediência ao Pai das misericórdias é colocar-se no caminho de Jesus e nele perseverar.

No caminho de Jesus pratica-se a justiça do Reino de Deus sem a qual não há caminho. O caminho de Jesus é um caminho de justiça. O cristão é a pessoa que, uma vez batizada em nome do Deus uno e trino, está ungida para praticar a justiça. Esta justiça se vive em sintonia com a vontade de Deus. Portanto, justa é a pessoa que procura viver segundo a vontade de Deus.

            O que fazer para viver segundo a vontade de Deus? É necessário abrir a mente e o coração para receber o Espírito de Deus. Somente na força deste Espírito é possível observar a vontade divina. Todo batizado recebe o Espírito e ungido por Ele é capaz de entender que é filho de Deus. Em Cristo e no Espírito, o Pai nos converte em seus filhos e filhas. É graças ao Filho e ao Espírito que também nós podemos chamar a Deus de Pai e participarmos de sua vida. Eis a graça sublime que o batismo nos confere: a de sermos participantes da vida divina. O que isto significa?

            Significa permanecer unido a Deus. A pessoa que vive em plena sintonia com Deus é capaz de manifestar a Deus para a vida do mundo, pois é por meio dos que creem que Deus se faz presente na realidade. Para que esta união não se transforme em uma espécie de fé intimista e/ou posse egoísta de Deus é necessário afirmar que Deus é essencialmente Comunidade e isto significa que somente na vida comunitária, ou seja, na comunhão com o próximo é que experimentamos a presença amorosa de Deus. Nossa comunhão com o próximo revela o ser de Deus, pois sua misericórdia se manifesta na comunhão.

            O amor é comunhão. Na comunidade dos que creem e seguem Jesus o amor é a lei da vida. Onde há exclusão de pessoas não há amor nem comunhão, mas aparência de amor e falsidade. O amor inclui, organiza, realiza e preenche as pessoas, formando a comunidade. As pessoas batizadas são testemunhas do amor e nele encontram a felicidade que procuram.

O amor de Deus nos revela que somos seus filhos amados no Cristo Jesus e nos ensina a partilharmos este amor com o próximo. A humanização do mundo e da Igreja depende de autênticos cristãos. Estes compreendem que o batismo que receberam os faz pessoas justas, amorosas e acolhedoras, compassivas e compreensivas, pacientes, firmes e perseverantes na fé, no amor e na esperança; do contrário, não passam de cristãos somente de nome.


Tiago de França

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Votos para o novo ano

          Inicia-se mais um novo ano. As pessoas se alegram e desejam saúde, paz, alegria, dinheiro e tantos outros bens necessários à vida. 2014 se inicia com os melhores desejos possíveis. O momento é de alegria e de renovação da esperança. Apesar dos pesares de 2013, todos esperam que o novo ano seja melhor. Esta esperança renovada e conservada empurra a vida para frente. É esta mesma esperança que evita o desespero e faz as pessoas olharem para frente, mesmo com lágrimas no rosto diante das incertezas do futuro desconhecido.
            Esta esperança não pode ser abandonada durante o transcorrer do ano. Geralmente, as pessoas se esquecem dos bons desejos e dos bons propósitos que fizeram por ocasião do início do novo ano e, infelizmente, comportam-se de forma contraditória em relação aos desejos, propósitos e promessas feitas: desejam alegria e provocam tristeza, desejam saúde e provocam doenças, desejam a paz e causam violência. Assim ocorre com as demais promessas e desejos. Neste sentido, o ideal é que nossos desejos e promessas sejam compatíveis com nossas atitudes cotidianas.
            Recomendo três atitudes para que o novo ano e nossa vida se tornem melhor, mais alegre e feliz: o desapego, a compreensão e a atenção. São três atitudes fundamentais que, geralmente, estão sendo cada vez mais abandonadas pelo ser humano. As pessoas tem medo de serem desapegadas, compreensivas e atenciosas porque tais atitudes, assim como qualquer outra, geram consequências. E a consequência natural da prática destas é a liberdade. O ser humano sempre teve medo da liberdade, sempre preferiu viver a partir das programações e sistemas dotados de estruturas e regras de conduta.
            O desapego nos torna livres porque nos ensina que não somos o que pensamos ser. O que é o ser humano? Pessoa criada por Deus para simplesmente viver. O que geralmente ocorre? As pessoas pensam que são poderosas. Há uma competição constante e violenta, cada um querendo ser maior do que o outro. Há uma sede de dominação, uma vontade descontrolada de dominar o outro, subjugando-o aos desejos e caprichos. Em nome do que chamam de amor, há uma vontade de controlar o outro.
            Os bens materiais são possuídos e as próprias pessoas se tornam objeto de posse. Fulano é meu, cicrano é teu. Os objetos de desejos são tomados, usados e abusados. Outros desejos vão surgindo e reclamando satisfações. A vida vai se tornando uma teia de prazeres. A isto dão o nome de felicidade. Assim, a pessoa feliz é aquela que tem todos os seus desejos satisfeitos. O homem olha para si e diz: “Eu tenho uma casa, um carro, um computador, um celular, um bom salário, uma mulher e filhos; portanto, sou feliz!” Sente-se feliz porque possui coisas e pessoas.
            Vivemos numa época marcada pela posse dos bens. Sempre foi assim e parece que vai continuar sendo. Não estamos afirmando que o ser humano não precise dos bens necessários à vida. Estamos afirmando que o supérfluo, que consiste no acúmulo de bens, é um mal terrível na vida humana. O supérfluo é o que sobra na vida de uns e falta na vida de outros. As pessoas se apoderam do que não lhes pertencem. É uma espécie de roubo legitimado. Há muitas justificativas para nos convencer do contrário, criadas pelo sistema econômico vigente, de modo que as pessoas se convencem de que a riqueza e a miséria são realidades comuns e normais e até necessárias!
            O apego leva inevitavelmente à mesquinhez porque os objetos de desejos passam a controlar as pessoas. Estas chegam a matar o próximo por causa dos objetos de desejos, quando estes lhes são tirados. O apego em si já é uma violência porque tira a liberdade das pessoas. Portanto, o desapego é um movimento progressivo rumo à liberdade. Desapegar-se de si mesmo, das coisas, das pessoas, das circunstâncias e dos lugares é caminho de liberdade. O outro não me pertence; as coisas não constituem o senhor da minha vida; as circunstâncias passam, não são estáticas; não somos daqui nem dali; quanto a nós mesmos, somos simplesmente pessoas, evoluindo rumo à plenitude da vida. Com apegos só há escravidão!
            A compreensão é uma virtude, assim como o desapego e a atenção. Compreender significa ver as coisas como elas são, sem as lentes dos pré-conceitos e julgamentos. Geralmente, a realidade existe, mas preferimos acreditar nas ideias que criamos sobre a realidade: este é o motivo pelo qual as pessoas não se entendem. Antes de qualquer diálogo o que existe é a violência. Compreender o outro é enxergá-lo com suas circunstâncias. Não há ser humano sem contexto, sem história, sem relações. Quando não se busca a compreensão, busca-se o oposto dela. Quando há esforço para que haja compreensão, confere-se às pessoas a liberdade de poderem expressar a verdade de si mesmas.
            O mundo certamente seria bem melhor se o ser humano buscasse compreender mais a realidade. As diversas formas de violência cessariam ou diminuiriam. Quando compreensivas, as pessoas se tornam realmente pacíficas, pois não há paz sem compreensão de si mesmo e do outro. Como compreender o outro se não busco compreender a mim mesmo? Como aceitar o outro se não me aceito como sou? A compreensão liberta a pessoa de toda forma de ilusão. Esta fantasia a realidade e cega a pessoa, impedindo o conhecimento da verdade.
            Por fim, consideremos a atenção como o caminho que nos conserva acordados na vida. Prestar atenção é algo tão simples e tão necessário, mas, geralmente, as pessoas estão dispersas, não enxergam a vida, suficientemente. A virtude da atenção nos faz humanos perante o próximo. Este não é visto se não há atenção. Perceber a realidade faz bem às pessoas porque a vida acontece na realidade e jamais fora dela. Nossa imaginação e fantasia costumam criar mundos e ilusões, mas não é neles que vivemos. Isto não significa que não podemos sonhar, mas o sonho difere da ilusão. O sonho tem projeção na realidade, pode se tornar realidade. É o desejo da felicidade, mas pra não ser maléfico precisa permanecer longe da ilusão.
            A atenção nos concede a graça da contemplação. Contemplar é permanecer admirado com a vida, com as pessoas e com o mundo; é conservar o encantamento. Olhar a chuva cair, escutar os pássaros cantar, ver o verde do campo, apreciar o sorriso das pessoas, sentir o cheiro das flores e o gosto dos diversos pratos, caminhar sem medo de ser feliz. Tudo isto confere sentido à vida. Só o ser humano é capaz disso. Não nascemos para passar pela vida, mas para vivê-la intensamente e isto significa viver com liberdade. A atenção não nos permite que deixemos a vida passar despercebidamente. Há muita beleza e suavidade para ser contemplada e isto só é possível graças à atenção.
            O novo ano que se inicia precisa de pessoas novas, de espírito renovado. Estas três virtudes certamente nos ajudarão a sermos pessoas melhores. O mundo carece de pessoas cada vez mais humanas, integradas e felizes. Só há harmonia interior e exterior onde as pessoas são desapegadas, compreensivas e atentas. Presenciamos atualmente uma acentuada piora do gênero humano, sendo intensamente desumanizado. A indiferença está fazendo parte da personalidade de muita gente. É urgente que nos libertemos integralmente para vivermos o amor, mas não o amor de palavras, mas o amor de atos. Amor e liberdade tornam o ser humano verdadeiramente feliz. Não há felicidade fora do amor e da liberdade.
            Que neste novo ano prevaleçam em nossas vidas o amor e a liberdade!
FELIZ ANO NOVO!

Tiago de França