quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Desafios da catequese

         
            Neste texto quero apresentar algumas reflexões a respeito dos desafios da catequese, tendo em vista sua realidade na vida da Igreja. Certamente é um tema que merece atenção porque a catequese auxilia no crescimento humano e espiritual das pessoas em sua caminhada rumo ao Pai. Inserida no processo de evangelização tem papel importante no crescimento da fé (cf. Evangelii Gaudium, n. 163).

Há diversos documentos que falam do lugar, da importância e dos métodos catequéticos (cf. Exortação Apostólica Catechesi tradendae, Diretório Geral para a Catequese, Diretório Nacional de Catequese etc.), sobre os quais não me deterei aqui. O Documento de Aparecida e a primeira Exortação Apostólica do Papa Francisco também oferecem excelentes reflexões.

Diante desta riqueza de documentos, contendo orientações teológicas bem fundamentadas, surge uma pergunta: Por que a catequese não tem tido o êxito que se espera na Igreja? Por que tantas pessoas “catequisadas” recebem os sacramentos da iniciação cristã e, geralmente, desaparecem da vida eclesial? Vamos pensar estas questões à luz da experiência de Jesus e da realidade eclesial.

O que é e para que serve a catequese?

            A catequese certamente não é um curso de preparação para a recepção dos sacramentos, principalmente do batismo, da crisma e da 1ª eucaristia. Infelizmente, em muitas paróquias, a catequese é um curso. A modalidade curso é problemática para a catequese porque todo curso é, de fato, preparatório, metódico, técnico e sujeito a um tempo determinado. Ninguém passa a vida toda em um curso! Isto explica porque em muitos lugares se fala de “aulas de catequese” e não em encontros ou reuniões catequéticas.

            A catequese também não se trata de encontros para a mera transmissão da doutrina de Jesus e da Igreja. Quando encarada desta forma, o catequista é aquele que conhece ou deveria conhecer o conjunto da doutrina cristã e eclesiástica para transmiti-las aos catequisandos. Antes da proposta da catequese renovada (no Brasil, período anterior a 1984), os catequisandos tinham obrigação de ter em mente o conteúdo doutrinal. Em muitas realidades eclesiais isto ainda prevalece. Há presbíteros que fazem verdadeira “prova oral” a respeito da doutrina cristã para ver se o catequisando está devidamente “preparado” para receber os sacramentos.

            Afirmar que a catequese de crianças e adolescentes é momento de recreação (dança, teatro, brincadeiras etc.) também parece ser um equívoco. Não que tais coisas não devam estar presentes na prática catequética, mas reduzi-la àquelas não parece ser caminho acertado. Neste sentido, a catequese perderia um pouco de sua dimensão querigmática e mistagógica. O querigma trinitário a ser anunciado leva crianças e adolescentes ao crescimento, à maturidade da fé, não ao infantilismo. Deve-se lidar com as crianças e adolescentes de tal forma que, não as confundindo com adultos, seja lhes fornecida a oportunidade de caminhar para frente, rumo à vida adulta, nunca para trás, na direção do útero materno de onde vieram.

            Segundo os mencionados documentos acima, a catequese não pode se reduzida a momentos que antecedem à recepção dos sacramentos. Se assim é, então temos curso de catequese e não “itinerário catequético permanente”, no dizer do Papa Bento XVI, ao falar para os bispos do Brasil, em maio de 2007 (referência feita no Documento de Aparecida, 2ª ed., p. 138).

Falar de itinerário é falar de algo durável, que permanece, que não é transitório nem superficial. É falar de caminhada firme, decidida, amadurecida, processualmente orientada para o encontro com Jesus. Este encontro com Jesus é o essencial na catequese. Tudo o que se faz na catequese deve levar o catequisando a encontrar-se com Jesus, encontro que é capaz de mudar radicalmente a sua vida (conversão).

Catequese e paróquia

            Geralmente, a catequese acontece na comunidade paroquial, mas nem todos os católicos frequentam a paróquia. Não quero aqui discutir a fundo a ineficácia do sistema paroquial vigente, ainda mantido pelas chamadas “pastorais de manutenção”, denunciadas pelo Documento de Aparecida. Busca-se a transformação das paróquias em “comunidades de comunidades”. Este é um tema para outro artigo. Desconfio que tal tentativa já esteja sendo frustrada, pois, apesar das críticas à paróquia tradicional, parece que, no fundo, a maioria dos bispos e padres prefere o tradicional, que oferece certa segurança, ao novo, que dinamiza a vida comunitária e tira da pessoa do pároco alguns poderes desnecessários.  

            A relação entre catequese e paróquia nos remete à seguinte pergunta: Para que tipo de comunidade se convida o catequisando a participar? Geralmente, os párocos orientam os catequistas a convidarem os catequisandos para fazerem parte das pastorais de manutenção, durante e após a recepção dos sacramentos. Adolescentes e jovens não possuem, nos dias atuais, estrutura psicológica para se envolver em tais pastorais. Alguns procuram os grupos de jovens e de oração, mas quando descobrem que estes, geralmente, tendem ao enquadramento de suas consciências e condutas, logo fogem sem dar notícias.

            Não há mais nada a se oferecer aos catequisandos, além dos sacramentos e da participação nas pastorais que compõem a vida da paróquia tradicional? Se não há, a catequese continuará ineficiente. Neste sentido, percebe-se a necessidade de se rever a ideia e as estruturas das paróquias. A situação atual da catequese é compatível com a situação da paróquia. Se esta se transformasse em comunidades de comunidades, a catequese também ganharia nova feição.

Não adianta o catequista trabalhar na perspectiva do discipulado e da missão se a comunidade na qual o catequisando está inserido é tradicionalmente paróquia, ou seja, comunidade voltada para dentro de si mesma, ensimesmada; sendo que discipulado e missão é movimento para fora, para o mundo.

Bíblia e catequese

            A Sagrada Escritura é um dos lugares de encontro com Jesus (cf. Documento de Aparecida, n. 247). Não pode haver catequese sem escuta atenta da Palavra de Deus. Tendo em vista que a catequese é chamada a levar o catequisando a ser discípulo missionário de Jesus no mundo, isto só é possível se o mesmo escuta, compreende e conhece a Palavra de Deus. Como seguir a um desconhecido? Como anunciar Jesus sem o conhecê-lo? Isto não significa a transformação da catequese em um curso de formação bíblica, o que também não impede que o catequista oriente o catequisando a participar de tal curso.

            É preocupante a situação de muitos catequisandos em relação ao conhecimento que os mesmos poderiam ter em matéria de Bíblia. Quando falamos de conhecimento bíblico defendemos a ideia de que o cristão necessita conhecer, pelo menos em linhas gerais, sem muitos pormenores, a história da salvação contida na Bíblia (criação – libertação do cativeiro – períodos tribal e monárquico – profetas – Jesus – primeiras comunidades). É uma linha do tempo simples e fácil de assimilar.

Assimilar não somente para conhecer, mas para compreender a encarnação do Verbo de Deus neste mundo. Estamos inseridos também nesta história da salvação que terminará na parusia (volta) de Jesus no juízo final. Temos um passado, temos história e memória, e o catequisando, gradualmente precisa conhecer tal itinerário de salvação.

            Conhecer Jesus a partir dos evangelhos é de uma riqueza espiritual imprescindível. O que disse e o que fez Jesus? Quem foram seus companheiros e companheiras? Onde nasceu e como morreu? Qual o significado de sua missão e ressurreição? O que significa aderir a Jesus? Qual a centralidade de sua mensagem? Quem foram os que continuaram sua missão? Qual deve ser a relação entre a Igreja e o evangelho? Como entender e anunciar o evangelho nos dias de hoje? Qual o papel do apóstolo Paulo na transmissão da fé cristã? Em linhas gerais, como entender a relação entre Novo e Antigo Testamento? Estas e outras questões são fundamentais para o necessário conhecimento de Jesus de Nazaré, de sua vida e missão.

            Não se deve encarar o conhecimento bíblico como uma obrigação na catequese, assim como nas demais dimensões da vida da Igreja. Bíblia não é compatível com obrigação. Buscamos ler e compreender a mensagem bíblica porque somos filhos de Deus e como filhos necessitamos conhecer a vontade do Pai revelada na Escritura Sagrada. Se consideramos a Deus como nosso Pai, é incompatível com nossa crença que abandonemos ou desconheçamos sua Palavra. Nossa filiação divina, por adoção em Cristo Jesus, passa pelo conhecimento de Jesus, que nos revelou o Pai. Se não tenho contato com a Bíblia, como vou entender a revelação divina? Seria impossível.

E agora, José?

            O que fazer diante dos desafios que a catequese nos apresenta? Vamos concluir esta breve reflexão com algumas indicações práticas, que julgamos importantes para a renovação da prática catequética da Igreja:

- Mudar a mentalidade em relação à catequese na Igreja: sair da ideia de curso de preparação para a de itinerário permanente;

- Levar o catequisando a compreender o sentido de pertença à Igreja. Eu não apareço na Igreja, mas sou Igreja, membro da grande Comunidade dos filhos e filhas de Deus;

- O catequista exerce um ministério. Assim, nem toda pessoa tem vocação para exercê-lo. Desta forma, os párocos não devem convidar qualquer pessoa, mas esta é que deve procurar ser catequista e preparar-se para exercer o ministério. Assim como o padre passa pela preparação necessária para o exercício de seu ministério, o mesmo deve acontecer com o catequista. Neste sentido, não deveria haver catequista sem prévia preparação;

- O catequista deve ser alguém experimentado, que tenha encontrado Jesus e que o conheça na vida e na Escritura Sagrada, pois o catequista participar do múnus de ensinar. Ele ensina não como quem fala para quem nada sabe, mas fala de sua experiência de encontro com Jesus, fundamentando-a na doutrina;

- A leitura dos manuais e documentos sobre a catequese é importante, mas o essencial é o anúncio do evangelho de Jesus. Jamais colocar os documentos da Igreja acima do evangelho de Jesus, pois se pressupõe que os mesmos fazem referência ao evangelho, o que não dispensa a leitura e meditação do texto evangélico;

- Colocar a Bíblia na mão do catequisando, levando-o a tocá-la, manuseá-la e conhecê-la de perto. Despertar a curiosidade e a vontade de ler, questionar, compreender, meditar e rezar a Palavra de Deus;

- Por fim, levar o catequisando a enxergar os conteúdos da fé cristã em sua vida cotidiana (vida familiar, escolar, laboral etc.). Levá-lo a compreender que a catequese continua na vida eclesial, durante e após a recepção dos sacramentos, por meio da comunhão e da participação. Trabalhar a consciência do catequisando, não o obrigando a nada. Ele é quem tem que tomar a livre iniciativa pelo gosto de participar da vida da comunidade. Neste sentido, o testemunho de integridade, participação e comunhão do catequista, do pároco, das lideranças, da família e de toda a comunidade é fundamental para o catequisando tomar consciência de sua missão na Igreja e no mundo.

Tiago de França 

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