“Não
só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”
(Mt 4, 4).
Jesus foi tentado pelo diabo. Esta afirmação que pode ser
conferida no relato evangélico das três tentações (cf. Mt 4, 1 – 11) precede à
atividade pública de Jesus e nos faz pensar, de início, em duas questões:
ninguém está livre da tentação. Não adianta pedir a Deus para se livrar dela. Na
oração do Pai nosso, ensinada por Jesus, o pedido é claro: não nos deixeis cair
em tentação. O que a graça de Deus faz em nós é isto: não permite que a
tentação ultrapasse os limites daquilo que podemos suportar. A segunda questão
é mais complexa: o diabo não é uma entidade espiritual fora de nós, que nos
conduz à perdição. Pelo menos a partir do texto podemos assegurar isso.
Então,
para facilitar a compreensão, é bom que nos libertemos da imagem que nossa fantasia
cria a partir da leitura deste texto, a de que Jesus e o diabo travam entre si
uma discussão ou diálogo. Pensemos em Jesus no deserto, preparando-se para
iniciar a missão que lhe foi confiada pelo Pai. Jesus era humano e como tal
experimentou a dimensão limitada da existência humana. Ele conhece muito bem do
que somos feitos, pois sentiu na pele os apelos da fraqueza humana. No texto,
ele não está acompanhado pelo diabo, mas se encontra consigo mesmo no deserto,
lugar da tentação.
Muitos
cristãos, a partir de uma leitura fundamentalista, se utilizam desse texto para
dar mais ênfase ao diabo do que a Jesus. Em muitas pregações se alimenta a
ideia de que se deve ter cuidado com as ciladas do diabo. Fala-se
demasiadamente dele, causando medo nas pessoas. Este medo é como que o combustível
para as pessoas caírem na tentação. A ideia central do texto não é o confronto
de Jesus com o diabo, mas a tentação de abandonar o projeto de Deus, enfrentada
e vencida. Este projeto não é outra coisa senão o Reino de Deus.
Provocado
a respeito de sua fome de pão, instigado a transformar pedras em pão, Jesus
responde: “Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de
Deus”. A tentação do espetáculo e de mostrar-se poderoso se faz
presente. É a tentação do poder. Os poderosos deste mundo gostam do espetáculo
e não perdem as oportunidades que surgem para demonstrar que são poderosos, a
fim de que sejam temidos pelas pessoas. Há uma mania de grandeza doentia. No
mundo atual, os EUA é um retrato fiel disso, pois procuram demonstrar, por meio
da mídia e dos conflitos bélicos, que possuem o poder, que não querem perder o
controle do mundo. Trata-se de uma hegemonia diabólica que destrói vidas
humanas em todo o mundo.
Nas
comunidades cristãs, os cristãos são desafiados pela tentação do poder. Há uma
vontade de controlar o outro, subordiná-lo, aliená-lo. Facilmente, percebemos a
vaidade tomando conta de muitas pessoas que se afirmam servidoras do evangelho.
Na verdade, se servem do evangelho para sobressair-se, ter influência, mandar
na vida do outro, ditando-lhe a respeito do certo e do errado. Jesus aponta o
caminho oposto: da humildade, da mansidão, da discrição e do serviço.
Contra
a tentação de atirar-se do alto do templo, a fim de ser protegido pelos anjos
de Deus, responde Jesus: “Também está escrito: ‘não tentarás o Senhor
teu Deus’”. Jesus sabia muito bem do perigo da vaidade. Deus não o
enviou para se utilizar de situações esplendorosas e/ou miraculosas. Este não foi
o propósito de sua missão. Provar para as pessoas que tinha poder para fazer o
que quiser: este não era o seu caminho. Isto seria caminhar contra a vontade do
Pai. Jesus sabia que estava unido a Deus e que este jamais o abandonaria,
portanto, não precisava provocar a Deus para certificar-se disso.
Nas
comunidades cristãs assistimos, principalmente entre os neopentecostais, esta
triste situação: líderes religiosos provocam abertamente a Deus, desafiando-o,
quase que o obrigando a operar milagres. Este não é o Deus de Jesus. Por outro
lado, a certeza do amor de Deus por cada pessoa não permite que ninguém caia na
tentação de testá-lo ou provocá-lo. Nas mencionadas comunidades cristãs a famosa
“teologia da retribuição” ainda funciona e, infelizmente, não é pequeno o
número dos que se enveredam por ela. Prega-se um Deus Todo-poderoso, capaz de
resolver magicamente todos os problemas humanos, isentando o homem de suas
responsabilidades.
Contra
a tentação de abarcar o mundo, com suas riquezas e glória, e de prostrar-se
diante do tentador, responde Jesus: “Vai-te embora, satanás, porque está
escrito: ‘Adorarás ao Senhor teu Deus e somente a ele prestarás culto’”.
A busca pelo prestígio sempre marcou a história humana. Muitas pessoas não se
satisfazem com o anonimato, desejam aparecer, chamar a atenção, aderem ao
estrelismo. A fama e o sucesso são almejados por muitos. Alguns querem mais do
que reconhecimento e veneração, querem ser adorados. É o pecado da idolatria do
dinheiro, do sistema e de pessoas. Isto provoca cegueira e alienação, tira a
liberdade e inibe a pluralidade.
No
interior das comunidades cristãs há idolatria de dinheiro, do sistema religioso
e de pessoas. Há quem coloque o nome de Deus a serviço do dinheiro, do
enriquecimento ilícito e, portanto, desonesto. Há quem adore o sistema
religioso, adotando rigidamente suas diretrizes, subordinando as pessoas aos
ditames das leis e prescrições. Estes idólatras estão a serviço do sistema
religioso e são inimigos do evangelho de Jesus.
Há,
ainda, os que deixam Jesus e sua mensagem de lado e aderem aos ensinamentos de
autoridades religiosas. Exemplo disso é a idolatria papal: para muitos, o Papa
é mais importante que Jesus! Neste sentido, o beato João Paulo II, que foi um
dos papas que mais soube se utilizar da mídia, foi um dos que mais cultivou a
idolatria papal na Igreja. Recordo-me bem que qualquer crítica à sua pessoa e
função era tratada como insulto à fé cristã e à ortodoxia.
Consequência
disso era o excessivo controle da consciência das pessoas, especialmente de
muitos clérigos ordenados. Mesmo falando explicitamente contra essa tendência
de culto à personalidade, essência da idolatria, o Papa Francisco também está
sendo vítima da mesma situação. As pessoas cultuam os gestos do Papa, assim
como suas palavras, e se esquecem de que ele está apontando para Jesus e não
para si mesmo. O papa é um homem comum, investido de uma missão, mas somente
Jesus e seu evangelho devem ser o centro da comunidade cristã. Os papas cumprem
sua missão e morrem, Jesus está vivo e atuante dentro e fora da Igreja. Isto é
o que importa. A centralidade da palavra de Jesus na vida da Igreja a conduz ao
serviço, construindo o Reino de Deus.
Rezemos
ao Espírito do Senhor, que nos assiste em nossas fraquezas, a fim de que nos
ajude a sermos fortes e vencedores diante das tentações do poder, do prestígio
e da riqueza. Que as forças do anti-Reino não nos domine e que Deus seja tudo
em todos.
Tiago
de França
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