Há alguma diferença
entre o amor de Deus e o amor humano? Como Deus nos ama e como as pessoas se
amam? Certamente, trata-se de uma questão complexa, a respeito da qual ouso
fazer algumas provocações. O amor é um tema demasiadamente tratado pelo ser
humano. É uma realidade a ser compreendida e vivida, pois nela se encontra a
felicidade. Nossa reflexão parte deste pressuposto: não há felicidade fora do amor.
Esta afirmação desmente muitas coisas que falam de algo que não é amor, mas
apego doentio. Vamos pensar o tema a partir de algumas afirmações que, à primeira
vista, podem nos escandalizar, mas que nos libertam de alguns pensamentos
equivocados a respeito do amor.
Somente
Deus ama com perfeição
Esta afirmação pode não ser novidade para muitos, mas
escandaliza quando nos ensina a renunciarmos à exigência que fazemos às
pessoas, de que estas devem nos amar com perfeição. Geralmente, não
reconhecemos nem aceitamos os limites do outro que nos ama. Exigimos perfeição,
não aceitamos que o outro se equivoque, ou que não consiga expressar com
perfeição o que sente por nós.
Neste sentido, procura-se a pessoa perfeita, idealizada
segundo a imaginação e a fantasia. Onde está a pessoa perfeita? Onde se
encontra aquela que pode amar perfeitamente? Encontra-se na mente de quem
idealiza. Tal pessoa não existe na realidade. Mesmo sabendo disso, somos
demasiadamente exigentes. Mesmo sabendo que não conseguimos corresponder com
perfeição ao sentimento do outro, exigimos que este haja com perfeição, sem
fraqueza, sem limites. Somente Deus é perfeito e, consequentemente, nos ama com
perfeição.
Toda realidade humana é limitada porque o ser humano é
limitado, tudo é imperfeito e sujeito ao erro. Mesmo se policiando, o erro é
inevitável. Daí a importância do reconhecimento, da humildade, do acolhimento,
da compreensão do outro. É preciso que haja um constante esforço de crença no
outro, pois este é essencialmente capaz de amar e ser amado. Todo ser humano é
capaz de amar. É preciso crer nesta capacidade, apostar nela, pois é a única
saída para a felicidade. Assim, é preciso ter o devido cuidado para não cair na
tentação da intolerância e da impaciência. O amor é descoberta e cada pessoa
tem o seu ritmo.
O
amor liberta e acontece na liberdade
Somente consegue
ser livre a pessoa que se arriscar a viver por amor. Não há outro caminho para
a liberdade. Certa vez afirmou Santo Agostinho: “Ama e faze o que queres!” Quem
pauta a sua vida no amor pode fazer o que quiser! Isto nos remete à realidade
do engano no qual vive muita gente que pensa que ama o outro. Na relação “amorosa”
de muitas pessoas existe escravidão, dominação de um em relação ao outro. A sede
de controlar, manipular, subjugar, coibir, ter o outro “na palma da mão” é algo
diabólico. “Amo fulano porque ele faz tudo o que eu quero!”, afirmam muitas
pessoas. Aí não há amor, mas escravidão.
Há pessoas que procuram outras para a satisfação de seus
desejos e caprichos. Para conseguir o que quer do outro, a pessoa se utiliza de
gestos carinhosos e declarações nitidamente falsas. O outro é objeto de
satisfação de desejos. Perde-se a maravilhosa oportunidade do amor, que é
essencialmente gratuito e desinteressado. Pessoas assim, que veem no outro
oportunidade de mera satisfação são manipuladoras da vontade e da liberdade
alheia, portanto, veem no outro um instrumento e não uma pessoa. A maioria dos
escravos do consumismo age dessa forma, consciente e inconscientemente; mas não
precisa ser consumista para agir assim, bastando não resistir à tentação do
controle do outro.
O amor necessita da liberdade e gera a liberdade. São realidades
inseparáveis. Para ser livre precisamos amar e para amar precisamos ser livres.
Quem ama de verdade quer ver a liberdade do outro. O ser humano é um ser para a
liberdade e o amor jamais se opõe a isto. Portanto, se amamos uma pessoa e esta
não se sente livre, o que existe nesta relação não é amor, mas controle,
prisão. Algo está errado, alguém está sufocando, prendendo, tirando a
liberdade. Não basta sentir-se bem ao lado do outro, mas é preciso sentir-se
livre. “Você me faz sentir livre”: esta é a afirmação que corresponde a uma
relação sadia, prazerosa e feliz.
O medo de perder o outro é sinônimo de apego e não de
amor. Quem ama não perde nada porque não possui o outro. No amor não há posse
do outro, mas companheirismo. Ser companheiro significa estar junto,
livremente. Permanecer junto, ser presença libertadora na vida do outro, ajudando-o
a ser cada vez mais livre, mais humano; despertando a liberdade para que o amor
cresça, amadureça e encontre vida. De modo geral, as pessoas se apoderam umas
das outras e, uma vez se tornando coisas, se tratam como tal. Deus nos ama na
liberdade e para a liberdade. Ele não nos vigia, não nos pune nem nos condena, mas
simplesmente nos liberta por meio do amor.
O
amor gera responsabilidade, confiança e ternura
“Onde está o teu
irmão?”, perguntou Deus a Caim, referindo-se a Abel, que havia sido
assassinado. “E, por acaso, eu sou o guarda do meu irmão?”, respondeu Caim. Vou
utilizar o verbo guardar para dizer
que no amor as pessoas precisam aprender a se cuidar. Guardar o outro não quer
dizer escondê-lo nem tomá-lo para si, mas chamá-lo para a roda da vida, fazendo
com que dance, alegre-se e viva. O cuidado é sinônimo de responsabilidade. Muitas
pessoas afirmam que amam, mas são irresponsáveis. A responsabilidade é
expressão do amor, do cuidado para com o outro.
Se não há cuidado e responsabilidade não há amor. Cuidar do
outro não é substituí-lo na belíssima arte de aprender a viver, mas ser
auxílio, compreensão e atenção. Cuidar é mais que oferecer carinho e atenção, é
ser
com o outro. Na relação conjugal, o cuidado é essencial, assim como nos
demais tipos de relação amorosa. O amor humano morre facilmente sem o cuidado. Este
gera confiança porque toda pessoa bem cuidada se sente atraída, acalentada,
confortada, segura e protegida.
Cuidar
é uma das formas mais sublimes de ganhar a confiança do outro, confiança que
precisa ser recíproca, verdadeira, constante, alicerçada no amor. Confia-se
porque se ama e entrega-se porque se confia. Isto é ternura. Cuidar com ternura
é como que o alimento do amor. Deus cuida diurnamente de cada pessoa e,
infelizmente, é grande o número das que não percebem isso. Sentir-se cuidado
por Deus é acreditar que Ele jamais se esquece de seus filhos e filhas porque
somente Ele é fiel.
Quem
ama de verdade perdoa o outro
O perdão é um
gesto que parte de um coração humilde, é a retomada do amor. Para perdoar, a
pessoa precisa exercitar a compreensão. Como perdoar o outro se não faço o
mínimo esforço de compreendê-lo? Como compreender o outro se não procuro
compreender a mim mesmo? Pessoas insensíveis perdem a oportunidade de fazer a experiência
libertadora do perdão, fechando-se em seu egoísmo. Recusar-se à reconciliação é
tirar de si mesmo a belíssima oportunidade de amar. O amor ajuda o ser humano a
superar o egoísmo, o fechamento, o isolamento e a frieza. O perdão é um gesto
sublime de amor.
Geralmente, assim ocorre: ontem as pessoas juravam amor
umas às outras e hoje agem como inimigas. Como entender isto? Isto ocorre
porque se deixam levar pela insensibilidade e pela falta de compreensão. Busca-se
dar ênfase mais aos defeitos do que às virtudes do outro. Quem assim procede
dificilmente consegue perdoar. A espiritualidade cristã nos ensina que negar o
perdão ao outro é um pecado gravíssimo, pois como posso pedir perdão a Deus se não
sou capaz de perdoar o outro? Nada justifica a falta de perdão. Em Cristo, toda
pessoa é perdoada diante de Deus. Deus nos perdoa verdadeiramente e isto
significa que Ele não guarda ódio nem rancor. Ai do ser humano se Deus fosse
rancoroso!...
Perdoar
o outro não é meramente esquecer a ofensa, mas crer na capacidade que este tem
de restabelecer-se no amor. A vida amorosa é um constante e recíproco pedido de
perdão, pois todos somos sujeitos ao erro e necessitados do perdão para amar
livremente. Quem perdoa hoje necessitará ser perdoado amanhã e, assim, vamos
aprendendo a lidar com nossa condição humana, incontestavelmente limitada e
aberta ao aprendizado.
Quem
ama se salva, quem não ama se condena
Concluo estas
provocações com esta belíssima afirmação. Considerando o que ensinou Jesus de
Nazaré, a salvação de cada pessoa depende do amor. Para sermos salvos não
precisamos fazer nada, pois a salvação é gratuita como é o amor. O amor não se
compra nem se conquista, mas acontece entre as pessoas. Estas são chamadas
(vocacionadas) ao amor. Este é irresistível porque transmite paz,
tranquilidade, encontro, amizade, liberdade, felicidade.
Fora
do amor não existe salvação: eis a verdade evangélica
ensinada por Jesus. Somos livres para amar. Se quisermos, seremos felizes e
salvos. Se não quisermos, seremos infelizes e nos perderemos. O amor é caminho
aberto, que nos faz participar da vida de Deus, que nos conduz à sua intimidade.
Ele é o amor por excelência. Pelo amor o conhecemos, somos irmãos uns dos
outros e nele mergulhamos. Nele somos e existimos. Deus se revela no amor humano.
Agora que você concluiu a leitura desse texto, responda,
sinceramente, para si mesmo: Como estou amando as pessoas? O que devo “fazer”
para amar as pessoas como Jesus as amou? Para mim, o amor é posse ou doação? “É
preciso amar as pessoas como se não houvesse o amanhã...”, diz a canção. Por isso,
ame-se a si mesmo, ame as pessoas, ame a Deus e seja feliz!
Tiago de França
Um comentário:
Sábias palavras, pena que nem todos pensam que nem ti e nem como manda a sagrada escritura... se mudassem de conceito e seguissem o amor de Deus viveriamos em um mundo melhor.
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