quarta-feira, 5 de março de 2014

REFLEXÃO QUARESMAL

CAMINHANDO COM JESUS RUMO À PÁSCOA

“Ele, existindo em forma divina, não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano. E encontrado em aspecto humano, humilhou-se, fazendo-se obediente até a morte – e morte de cruz!” (Fl 2, 6 – 8).

Amigos e amigas, irmãos e irmãs em Cristo Jesus,

Graça e paz!

            Por ocasião do itinerário quaresmal, tempo de conversão e de reconciliação, resolvo mais uma vez, como de costume, oferecer a vocês algumas reflexões. Iremos tratar deste valioso tempo litúrgico a partir de três aspectos: o missionário Jesus, homem crucificado e ressuscitado; a Igreja, casa de conversão e reconciliação e a conversão nossa de cada dia. Rogo a Deus que estas provocações, à luz da palavra libertadora de Jesus ajudem a cada um a tomar a sério o firme propósito do seguimento a Jesus.

O missionário Jesus, homem crucificado e ressuscitado

            Olhar Jesus no evangelho e buscar compreender suas palavras e ações é de uma riqueza extraordinária. Para isto, precisamos procurar o lugar da compreensão. Onde podemos nos situar para melhor compreendermos Jesus? Precisamos permanecer de olhos abertos e pés firmes na realidade da vida. Jesus vivia assim, caminhando no meio do povo, simples e verdadeiramente. Ele despertava o povo para a realidade. Ensinou o povo a ver a vida. Enxergar a vida e colocar-se nela, sem fugas, é caminho de conversão. Não há conversão sem visão e compreensão da vida.

            De olhos abertos e com os pés firmes no chão da vida, o povo enxergou novos horizontes, despertou para a esperança, para a fé e para o amor. Estas três virtudes são da vida do povo que sofre. Olhar para Jesus na cruz é olhar para o Deus que optou pelas pessoas sofridas, esquecidas e exploradas. Neste sentido, é impossível negarmos esta maravilhosa opção divina, que é a alegria dos pobres. Assim, se somos humildemente pequenos e nos libertamos de todo desejo de grandeza, então encontramos o lugar da conversão; mais do que isso, nos encontramos no caminho da necessária transformação do coração.

            Jesus missionário veio não somente assumir nossa fraqueza e nos absolver de toda culpa. Isto é teológico. Na prática, isto significa que Jesus, mesmo sendo Deus, se tornou um de nós: caminhando com as pessoas, sentado à mesa com elas, participando de suas vidas, partilhando as tristezas e alegrias. Isto mostra que, de fato, Deus está no meio de nós, em nós e por nós quer continuar presente, libertando-nos não somente da escravidão do pecado e da morte, mas quer viver, permanecer conosco, gratuita e amorosamente, como um Pai que ama e cuida de seus filhos e filhas. Somente assim compreendemos a morte de Jesus na cruz e sua feliz ressurreição. Convivendo com Jesus participamos de sua sorte: com ele morreremos e ressuscitaremos porque nossa vocação é para a vida plena.

Igreja, casa de conversão e reconciliação

            A realidade eclesial pós-Conciliar acentua a Páscoa e não fica estagnada na penitência quaresmal. A alegria se sobrepõe à tristeza. Sem dúvida alguma, a penitência é necessária para entendermos a Páscoa, para chegarmos a ela. Antes de sua ressurreição, Jesus viveu o itinerário quaresmal. Neste sentido, a Quaresma nos chama a atenção para a conversão de toda a Igreja. Na sua dimensão institucional, a Igreja está vivendo um momento raro em sua história. Temos um papa sensível às mudanças. Isto é raro na Igreja porque, geralmente, os papas não são muito sensíveis às mudanças. A Igreja institucional sempre teve dificuldade de compreender e praticar a palavra transformação. Sempre houve resistências à liberdade. Esta sempre causou medo à Igreja. Até os dias de hoje, em muitos segmentos da Igreja, a liberdade é sinônimo de libertinagem.

            A Igreja precisa reler o evangelho e assimilar a verdade de que o evangelho é vida e liberdade para todos. O papa Francisco tem convidado a Igreja para que ela possa, corajosamente, fazer esta releitura. O que esta releitura significa? Significa colocar Jesus e sua mensagem (Reino de Deus) no centro da vida eclesial. Assim, a sede de poder, prestígio e riqueza, consequentemente, é renunciada, abandonada. Bispos e padres convertidos ao evangelho são clérigos discípulos missionários de Jesus, capazes de caminhar com Jesus e na direção de Jesus. Esta ainda não é a realidade da Igreja. Muitos já vivem nesta caminhada, mas uma boa parcela continua vivendo o sacerdócio como carreira e não como vocação, sendo senhores e não servidores do evangelho.

            Para converter-se, toda a Igreja precisa procurar o lugar de Jesus no mundo de hoje. Onde fica? Fica na periferia do mundo, lá onde se encontram os amigos de Jesus, os humildes pobres. Há pessoas morrendo de fome; há jovens mergulhados no mundo das drogas e da prostituição; há mulheres sendo abandonadas com seus filhos; há pessoas depressivas por não darem conta de seus problemas; há intolerância religiosa e violência em nome de Deus; há pessoas morrendo por falta de atendimento digno nos hospitais públicos; há pessoas esquecidas nas ruas e avenidas das cidades; há desespero que leva a assassinatos, suicídios e genocídios... O sangue humano está sendo derramado e os poderes constituídos não conseguem dar conta de conter tamanha violência. Estas e outras situações clamam a presença misericordiosa da Igreja. Estas situações formam a periferia do mundo.

A conversão nossa de cada dia

            A conversão não é uma necessidade quaresmal, mas cristã e permanente. A Quaresma apenas nos recorda da necessidade da conversão. Há quem, neste tempo, fica sem comer carne, sem tomar refrigerante ou alguma bebida alcoólica, renuncia a determinados pratos apetitosos. Isto não é penitência, mas dieta. Outros, porém, diminuem as fofocas, procuram rezar mais, participam das caminhadas penitenciais, confessam seus pecados e aderem a outras práticas piedosas. Exteriormente, tais coisas tem certo sentido, mas isto não leva necessariamente ninguém à conversão. Geralmente, após a Quaresma, tudo volta a ser como antes e, às vezes, até pior.

            Para se converter, o cristão precisa se encontrar com Jesus. Ninguém nem coisa alguma nos convertem, mas somente o encontro com Jesus. Há quem faça toda espécie de renúncia e penitência, mas não se encontra com Jesus. Resultado: continua do mesmo jeito, em nada progride espiritualmente. Há quem “celebra” a Quaresma e a Páscoa e continua do mesmo jeito. Internamente, somos indispostos, reticentes, resistentes às mudanças. Converter-se não significa somente tornar-se uma pessoa melhor, mais humana, mas tomar o firme propósito de seguir Jesus, colocando-se em seu caminho e nele perseverando até as últimas consequências, com o auxílio da graça divina. Isto é conversão. Onde está o caminho? Jesus é o caminho e hoje ele se encontra na periferia do mundo.

            Assim, desejo de todo coração, uma fecunda Quaresma e uma feliz Páscoa, recomendando-me às orações de cada um de vocês.

            Fraternalmente, no Irmão Jesus,

Tiago de França

Um comentário:

Celina Missura disse...

Muito bom seu blog. Parabéns!