Filosoficamente, os
conceitos de normalidade e irracionalidade são complexos e sobre eles há uma
vasta literatura filosófica que esmiúça com precisão tais termos. Em uma
reflexão que pretende chegar ao leitor comum, destituído de vocabulário estritamente
filosófico, aqui não é lugar de explicitar de forma fundamentada aquilo que o
pensamento conseguiu elaborar a respeito de tais implicações. As revistas
filosóficas e as dissertações nos ambientes acadêmicos não se furtam de tal
compromisso através de argumentos sólidos e convincentes.
Brevemente,
ousaremos algumas afirmações simples, porém provocadoras, que poderão nos
remeter à indagação sobre a qual queremos discorrer: atualmente, por que as pessoas
tendem a renunciar à reflexão sobre a própria vida e sobre o que acontece no
mundo? Esta indagação nos lança para o mundo e nos faz pensar em
algumas questões que julgamos pertinentes e que nos convencem a respeito não de
algumas certezas, mas de algumas prerrogativas capazes de nos oferecer novos
horizontes de sentidos.
Uma
questão inquietante
Após esta
sucinta justificativa, a questão nos desafia de imediato. Ela é desafiada pelo
mal da superficialidade. Os primeiros filósofos estavam convencidos de
que a
vida só vale a pena ser vivida se pautada na reflexão. Pensar a vida e
pensar a respeito deste pensar são atitudes imprescindivelmente humanas. A
renúncia ao pensar é impossível, do ponto de vista do ato, não da qualidade do
mesmo. Em outras palavras, todo ser humano é capaz de pensar; a não ser que suas
faculdades mentais estejam perturbadas.
Passa-se toda a vida pensando em pessoas, coisas e
situações. Estes pensamentos simples e corriqueiros, necessários à organização
cotidiana da vida, não nos remetem às grandes indagações da existência humana.
Neste sentido, a Filosofia nos remete a perguntas de cunho existencial: de
onde veio o ser humano, como vive e para onde vai? São três questões que nos
levam a pensar a respeito da origem, do desenvolvimento e do fim da vida
humana. Estas e outras questões intrigaram os filósofos durante muito tempo e
até hoje os obriga a repensar aquilo que foi pensado.
A
superficialidade
A Filosofia não
oferece respostas prontas para nenhuma forma de pergunta. Sua missão é elaborar
novas perguntas sobre as possíveis respostas oriundas das perguntas
precedentes. O mundo e a vida seriam bem melhores se as pessoas pudessem se
ocupar com as perguntas. Estas, geralmente, são evitadas. Há certa preferência
por respostas curtas e prontas, que dispensam a atividade do pensar. “Pensar
dói!”, dizia um amigo professor de Filosofia.
O que podemos perceber em nossa volta é a fuga constante
por parte da maioria das pessoas. Estas evitam pensar, pois afirmam que o
cansaço e a angústia, dentre outras justificativas infundadas, invadem inevitavelmente
a vida de quem pensa e de quem procura o sentido da vida. É verdade que o
pensar exige esforço e sistematização. O pensamento é algo sobre algo, mas não
no sentido de divagação, mas de caminho ordenado de ideias que vão surgindo e
se orientando no rumo da compreensão.
O fato é que a racionalidade parece que anda em crise.
Isto é terrivelmente nocivo a toda humanidade, pois não há humanidade sem pensamento,
sem a aventura do pensar. O ser humano se torna excessivamente perigoso
quando renuncia à arte da procura de horizontes de sentido para a vida. As
guerras, o genocídio, o preconceito e tantas outras formas de conflito e
violência contra o gênero humano e contra a natureza refletem o perigo da
irracionalidade. Vontades mal pensadas e mal intencionadas são causa de
destruição. Paixões desordenadas ofuscam a razão e conduzem, inevitavelmente, a
erradicação da vida humana e das demais formas de vida no mundo.
Neste sentido, pensadores de muitas áreas, mas
principalmente da Filosofia são unânimes: o progresso da ciência não é sinônimo de
progresso humano. Falta equilíbrio, bom senso, reta intenção, renúncia
das ambições desmedidas e ousadia no pensar a respeito das reais consequências
do progresso científico e tecnológico. Citamos renúncia das ambições desmedidas
porque estas não permitem o agir ético. A ética pergunta não
pela eficiência da ciência, mas pela bondade e maldade do agir científico.
Exemplo: a ciência afirma que o uso de células-tronco é possível; a ética
pergunta se tal uso é bom ou mau, se é necessário ou desnecessário. As
perguntas da ética não interessam à ciência. São perguntas que remetem ao
sentido das coisas.
Onde
está a virtude?
Falamos do progresso científico e tecnológico, mas a
crise também tem afetado o campo das relações humanas. Na verdade, quando o ser
humano não consegue se entender com o outro, direta ou indiretamente, tal
desentendimento, marcado pelo jogo de interesses, reflete na ideia de
progresso. Aqui merece atenção as denominadas redes sociais (facebook,
whatsapp, twitter etc.). Elas refletem o perfil psicológico do homem
pós-moderno. Não negamos o valor da comunicação entre pessoas e suas
respectivas culturas, mas nos assustam a superficialidade e a banalização desta
mesma comunicação.
O uso desvirtuado das redes sociais compromete seriamente
o crescimento e desenvolvimento das pessoas. Estas tendem a ser ridicularizadas
e expostas a toda espécie de agressão. Isto demonstra a falta de bom senso e
racionalização das atitudes nestas redes. Colocar as pessoas em rede, em um
primeiro momento, é algo extraordinariamente moderno e necessário; o problema
está na tendência ao desequilíbrio e à irracionalização do uso de tais meios. Racionalizar
as redes sociais não é desprezar sua eficácia e necessidade, nem fechar-se à
dimensão emocional da personalidade, mas questionar a respeito do sentido do
uso que se faz delas. Os usuários poderiam se perguntar: Com que intenção e objetivo as
pessoas utilizam as redes sociais?
A maneira como utilizamos as coisas refletem o que há em
nosso interior. Os gestos humanos são reveladores de sua personalidade. Neste sentido,
as redes sociais se transformaram em locais abertos de exposição das
frustrações humanas. Por trás da fugaz alegria há um excesso de frustração. É a
frustração do ser humano que não está conseguindo dar conta de sua existência,
que se encontra mergulhado em um vazio existencial inevitável. O que se publica
nas redes sociais não nos convence de outra coisa senão deste vazio existencial,
destrutivo e assustador. A crítica, a produção e exposição do pensamento se
encontram sufocados em meio a uma enxurrada de futilidades.
Nossa capacidade de pensar nos conduz à verdade, mas não
à verdade dogmática que, por sua vez, não precisa ser pensada. A verdade
do ser humano que se constrói nas relações interpessoais precisa ser mais
cultivada. Enquanto ser-com-o-outro, o ser humano
constrói a si mesmo e encontra o sentido de sua vida. Esta é sua vocação. A pessoa
virtuosa é aquela que se empenha na arte de pensar, aperfeiçoando-se nela como
caminho de realização e de construção de sentido para a vida, em vista da
verdade, da justiça e da liberdade.
O
contrário disso é a normalidade da irracionalidade, ou seja, entregando-nos à
preguiça mental e à negação de nossa consciência caminharemos para a extinção
de nossa humanidade, extinção já em vias de desenvolvimento. Sem consciência crítica
estamos fadados a sermos membros da grande massa de manobra, vítimas dos que
manipulam e exploram a multidão errante, que não sabe para onde vai, sobrevivendo
e sofrendo, entregue à própria sorte.
Tiago de França
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