“Enquanto
conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e começou a caminhar com
eles. Os discípulos, porém, estavam como que cegos e não o reconheceram”
(Lc 24, 15 – 16).
O espírito humano sofre com o mal da tibieza. O que é um
espírito tíbio? Há pessoas propensas a cair e permanecer no chão. A queda é uma
realidade da condição humana, essencialmente, limitada. É inevitável e também
necessária. Caindo, a pessoa é chamada a refletir sobre o significado da queda,
pois ninguém cai à toa. Inúmeros são os fatores que nos derrubam e nos
machucam. A pessoa que não reflete sobre suas quedas nunca aprende com elas e
passa toda a vida sofrendo, sobrevivendo a um lamaçal que tende a sufocá-la
terrivelmente. A vida se transforma em um inferno.
Na vida dos seres humanos, a dor é objetiva e o
sofrimento é subjetivo. Na queda sentimos a dor e a aflição. Após a queda as
pessoas escolhem se querem ou não sofrer. Há uma tendência masoquista
em muitas pessoas porque escolhem sofrer e prolongam o sofrimento. Reclamam
excessivamente da opção feita e demonstram interesse em continuar sofrendo. Há
certa insistência em continuar no chão. Há até as que se acostumam ao
sofrimento e este se transforma em certa forma de prazer. Isto não é martírio
nem caminho de liberdade, mas alienação da mente e escravidão. A pessoa não
quer ser livre, mas submissa e, portanto, doente.
Almas tíbias são aquelas pessoas que se recusam à
liberdade e, consequentemente, submetem-se à opressão. Por trás da opressão que
gera o sofrimento na mente das pessoas está o apego. Toda forma de
apego gera sofrimento. O apego não consegue oferecer outra coisa senão
sofrimento. Portanto, as pessoas sofrem nas mãos de seus apegos. Não
ressuscitam, mas são cadáveres ambulantes, que precisam ser ressuscitados. Eis
alguns exemplos para compreendermos melhor.
Um jovem se interessa pelos jogos eletrônicos. Estes o
tornam um homem obsessivo, impedindo-o de viver livremente. Ele não pensa em
outra coisa: não dorme bem, não se concentra na alimentação ingerida, não
consegue namorar direito, não tem tempo para conversar com os pais e com os
amigos, nem para passear e respirar o ar puro e fresco de um bosque. Está
totalmente dominado pelo vício do jogo. Ele pensa consigo mesmo que é feliz,
mas, na verdade, todos sabem que encerrado em uma determinada atividade e nela
tão somente absorvido, o homem caminha para a morte. Geralmente, as
pessoas inventam conceitos de felicidade para justificar seus apegos e
se iludem, pensando que são felizes. Na verdade, o que ocorre é alienação e
prisão.
Um casal jovem, após poucos anos juntos, resolve
separar-se: não deram conta da relação matrimonial. O suposto amor não deu
conta de ajudá-los a superar as dificuldades, ou o casal não soube lidar com
elas. Separam-se, mas vivem inquietos, um na mente do outro. Amarrados às
lembranças e tomados pelos impulsos de raiva que ocasionaram os conflitos,
cultivam na mente e no corpo o sofrimento. Não existe amor, mas apego que, por
sua vez, gera sofrimento. O apego é tão forte que tira as forças, domina e
controla a vontade: a pessoa não faz o que quer, mas o que o apego determina. A
maioria dos casais chama isso de amor, mas, na verdade, é apego. No fundo, um
diz para o outro: “Eu amo meu/minha companheiro/a porque ele/ela faz tudo para
me agradar”. O apego se serve justamente disso: que as pessoas fiquem presas a
este esforço estressante de sempre agradar, de fazer o que o outro deseja. O
apego procura satisfação. Esta gera pequenos lampejos de prazer momentâneos,
que chamam de felicidade, mas, na verdade, é pura manifestação do egoísmo.
Um homem consegue ser bem sucedido em seus
empreendimentos e se transforma em um grande empresário. Submetido ao sistema
capitalista, vive em função da produção e do lucro. A partir daí perdeu toda
paz interior e leva uma vida desassossegada. Se não aderir ao espírito de
competição e às possíveis atividades ilícitas que os sustentam no mercado,
então está fadado ao fracasso. Este lhe causa medo e perturbação. O que fazer
para não fracassar? Seguir à risca as ordens do sistema. Em pouco tempo, o
empresário se transforma em um doente crônico: passa a sofrer de toda espécie
de doença, sendo a depressão a mais comum de todas. Apegado ao sucesso, ao
lucro e ao dinheiro, transforma-se em um materialista doente: não pensa em
outra coisa a não ser no próprio patrimônio. Vai dormir e acorda pensando nas
próprias riquezas e o medo de perdê-las não o abandona.
O
sistema capitalista o convence de que é um homem feliz, pois infeliz é aquele
que fracassou, que não conseguiu ser bem sucedido. Pura ilusão! Geralmente, as
pessoas se fecham à verdade e preferem sofrer com a ilusão e com a mentira.
Parece ser o caminho mais fácil, mas, na verdade, é o pior, é o que as destrói
impiedosamente, assassinando-as aos poucos.
Muitos outros exemplos poderiam ser citados. Se você,
caro leitor, é capitalista e não entende a lógica do Evangelho de Jesus, a esta
altura já deve está tentando se justificar. Cuidado! A realidade é dura e a
ilusão não consegue abafá-la por muito tempo. A tibieza consiste nisso: não
aceitar a verdade que está na realidade da vida e enforcar-se na ilusão e na
mentira. Quer ter paz? Então se liberte da ilusão e da mentira! A verdadeira
paz e a verdadeira alegria se encontram na verdade que se manifesta na
realidade. Por que o mundo tende a piorar? Porque a maioria das pessoas aceita
a mentira e dela procuram tirar proveito. Por que as pessoas não se convertem?
Porque não escutam a palavra de Jesus que diz: “Levanta-te e anda!” Preferem
permanecer cegas, à beira do caminho.
Levantar-se é uma atitude, não uma ideia. É um querer
capaz de transformar definitivamente a vida. Quando a pessoa se convence de que
precisa permanecer de pé, a vida muda de rumo. A pessoa passa a entender que
tudo é transitório, nada permanece. O homem é um ser no mundo, que apareceu e
que um dia vai desaparecer. Assim, apegar-se a própria vida gera sofrimento,
pois a pessoa recebeu a vida, deve cuidar dela e depois a perderá para
continuar vivendo eternamente. Esta é a dinâmica do Evangelho. Por isso que
Jesus não ficou desesperado diante do suplício da cruz, pois era um homem
livre, desapegado, disposto a dar a própria vida pela salvação de toda a
humanidade. Seus algozes pensavam que ele estava sofrendo, mas, na verdade, só
sentia as dores no corpo. Agindo assim, ganhou a vida plena, venceu a morte,
foi vitorioso e se tornou, na vida do crente, a fonte inesgotável da vida, da
liberdade e da alegria.
Tiago de França
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