Na era do facebook e do
Whatsapp, a arte de pensar se torna cada vez mais dolorosa. Esta afirmação
orientará esta breve reflexão. Pensar dói e esta dor tem sido insistentemente
evitada. Para quem está habituado à reflexão sobre si mesmo e sobre a vida,
ficar sem pensar parece coisa absurda e até desastrosa. De fato, uma análise
não muito profunda do mundo atual nos leva, inevitavelmente, à afirmação de que
os desastres humanos e naturais decorrem dessa ausência de pensamento, dessa
fuga desesperada do ser humano quanto ao pensar. Foge-se deste como foge o
diabo da cruz.
O facebook é um exemplo eficaz da atual situação do
pensamento humano. É o retrato da vida superficial e banalizada. Nele, as
pessoas expressam seus gostos e sentimentos, suas angústias e alegrias. Algumas
postagens são um verdadeiro escândalo! As pessoas, sem pudor algum, externam
seus preconceitos, seus medos, suas fobias, suas frustrações e também suas
preocupações. A regra é curtir e ser curtido. Cria-se uma necessidade doentia
de ser visto e de chamar a atenção. É a carência virtual da atenção, mas esta
tem um grave problema.
Antes que o leitor se estresse e se recuse a continuar
lendo e curtindo o presente texto, queremos dizer que não somos contrários à
necessária comunicação entre as pessoas e culturas. O ser humano é epifania no
mundo, ou seja, manifestação evolutiva e irresistível. O desejo de sair de si e
ir ao encontro, expor-se e aparecer, parece ser coisa comum e inevitável. Somos
seres que aparecemos à percepção recíproca. Quer queiramos, quer não, não
estamos estagnados, fomos criados para fora, para a ida, a partida, para o
mundo; mesmo que este mundo seja nosso próprio interior, mas a vida é uma
constante saída, por mais dolorosa que seja. Somos seres inquietos.
Pois bem, tendo confortado o leitor que possa ter se
deixado tomar pelo vício do uso das redes sociais, voltemos ao problema da
atenção. Por mais que tais redes nos convençam de que estamos na moda, de que
somos curtidos e apreciados, não nos enganemos. Isso parece ser ilusão. A
melhor curtida continua sendo aquela que acontece na contemplação real dos
rostos, dos quais surge o apelo da permanência com o outro. No facebook, as
pessoas se curtem, superficial e virtualmente, sem contato físico, sem cheiro,
sem a devida e necessária aproximação dos corpos. Tudo parece muito frio,
fragmentado, liquidamente colorido. Nunca se sabe o sentimento do outro,
sabe-se de suas expressões nas imagens e nas palavras que, muitas vezes, são
reproduzidas e compartilhadas sem reflexão nenhuma.
Com isto tratamos muito mal e conceituamos
equivocadamente a atenção. Esta continua sendo o lugar da percepção física que
instiga o encontro com o outro e neste encontro acontece o maravilhoso fenômeno
do autoconhecimento e do autêntico progresso humano. Por fim, é preciso
sintetizar na seguinte ideia: atenção, a necessária atenção, carece de presença
real do outro; presença que questiona, que atrai, que gera o que há de mais
humano nas pessoas. A atenção das redes sociais é um mero curtir entre
conhecidos e desconhecidos. No fundo, quase ninguém está sendo percebido, pois
a qualquer momento pode ser, rápida e friamente, deletado.
Até aqui estamos querendo falar da importância da filosofia
para a vida. No senso comum se afirma que os pensadores são uns desocupados que
se ocupam com o que não existe, com ideias puramente abstratas que não levam a
nada. Outros ainda acham que os filósofos são uns loucos, que encontram e criam
questões que não deveriam existir, pois mais perturbam do que orientam. Estas
pessoas, que não sabem o que é filosofia nem o que vem a ser um filósofo,
cometem um equívoco simples, do qual não tem a mínima consciência e que pode
ser entendido da seguinte forma: dominadas pelo medo de si mesmas, esforçam-se a
todo o momento para evitar o pensar a respeito de si mesmas.
Filosoficamente, a maior virtude da filosofia é levar o
homem a pensar sobre si mesmo, pois somente assim passa a compreender-se e a
compreender o outro. Os filósofos sabem que o mal do homem é esta ausência de
autocompreensão. As perguntas levantadas pela filosofia conduzem à libertação
da vida medíocre. O que seria a mediocridade? Muito se tem a dizer sobre ela,
mas aqui nos interessa afirmar que a mediocridade se refere ao estado de vida
da pessoa que visa somente atender suas necessidades vitais e instintivas:
comer, caminhar, dormir, cantar, rir, chorar, fazer sexo etc., um mero caminhar
para a morte. Para os filósofos, uma vida sem reflexão perde seu sentido, pois
o homem não é um mero animal, preso aos seus instintos. O homem cria arte e por
desta se constrói, e toda forma de arte é essencialmente filosófica.
Assim, uma simples pergunta como esta: O que ando fazendo da minha vida? é
capaz de mudar totalmente o rumo da existência, “obrigando” a pessoa a pensar
sobre os motivos de seus pensamentos, de suas palavras e de suas ações. A vida
se torna verdadeiramente apaixonante quando o ser humano se envereda pelo
caminho mais certo e incerto de todos: o do pensar sobre si mesmo. Certo porque
aponta para o sentido de todas as coisas e incerto porque não garante uma
verdade absoluta.
Olhamos
para as pessoas e logo vem à mente a seguinte expressão: Parece que fulano não se enxerga! Esse não enxergar-se é sintoma
latente de falta de autorreflexão. Outros, porém, também podem olhar para nós e
dizer: Sicrano parece que não se enxerga!
O que o impede de ver a realidade? Só há visão com reflexão. O olhar humano
está inevitavelmente condicionado pela reflexão. O mesmo se pode dizer a
respeito de nosso jeito de ser e de sentir: está condicionado pela nossa
maneira de ver a nós mesmos e ao mundo.
Por fim, consideremos a mediocridade expressa no
comportamento humano atual. São filhas da mediocridade: a imaturidade e a
cegueira. É uma filiação lógica. Se a pessoa não pensa sobre vida e a respeito
de seu próprio modo de ser, está fadada ao fracasso de si mesma. Não há
crescimento algum. A pessoa não evolui para melhor. A imaturidade consiste
nisso: ela pensa que já alcançou o cume da maturidade e passa a achar que o problema
está sempre no outro. Este é que deve suportá-la. Aqui está a origem de muitos
conflitos interpessoais. Quando não pensa dessa forma, a pessoa sabe da
necessidade de progredir, mas a preguiça mental a impede de crescer. Há uma
acomodação total. Todos caminham, o movimento do mundo não para e a pessoa
insiste em permanecer no mesmo lugar. Como diz a música: “Eu nasci assim, eu sou bem assim e vou ser sempre assim”...
A cegueira da consciência é coisa extremamente perigosa
na vida humana. Tal cegueira ocasiona o caos na sociedade. Por causa dela, a
corrupção aumenta e o mundo não progride para melhor. Um cego de consciência se
transforma em massa de manobra: não sabe onde se encontra nem para onde vai.
Vive segundo os modismos de época: resume-se a ser igual a todo mundo, fazendo
o que os outros fazem. Dessa forma, a manipulação se torna absoluta e a pessoa
não consegue ser ela mesma. Uma vez tendo se recusado a pensar por si mesma,
não consegue enxergar que está sendo manipulada.
Por fim, é preciso considerar que toda pessoa é livre
para levar uma vida autêntica ou inautêntica. A primeira opção, marcada pela
reflexão, é uma via mais dolorosa, cheia de aventuras e de novidades. A
segunda, marcada pela superficialidade e pela ilusão, é uma via fácil e de
consequências trágicas.
Um
dia, visitando um enfermo idoso em um hospital, escutava seu lamento: “Seu moço, estou profundamente angustiado,
pois sei que vou morrer e não vejo sentido nesses anos todos que passei neste
mundo. Minha vida não passou de uma ilusão. Agora estou diante da morte e se eu tivesse parado para pensar em
muitas coisas que eu fiz, não as teria feito. Sempre tive tudo na vida, mas não
conheci a tal da felicidade...” O auge do sofrimento desperta a muitos do
sono da mediocridade e da cegueira. Outros, porém, possuem um sono
demasiadamente pesado: mesmo sofrendo não acordam. Passam a vida dormindo e
morrem quase do mesmo jeito que nasceram.
Tiago
de França
Um comentário:
Eu até queria comentar, viu, Tiago. Mas, diante do que você escreveu, qualquer coisa que se diga, será irrelevante.
A única coisa que ainda me atrevo a fazer é, mais uma vez, recomendar-lhe a leitura da obra de Hannah Arendt, vai lhe fazer bem saber que anda em tão boa companhia.
Especialmente sobre a questão dessa falta do pensar e seus reflexos na vida das pessoas - "A vida do espírito - o pensar, o querer, o julgar" e "Responsabilidade e Julgamento".
E também, bem a propósito do que você aponta no sétimo parágrafo de seu texto, "A condição humana".
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