“Sabeis
que os que são considerados chefes das nações as dominam, e os seus grandes
fazem sentir o seu poder. Entre vós não deve ser assim. Quem quiser ser o maior
entre vós seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o primeiro entre vós
seja o escravo de todos” (Mc 10, 42 – 44).
Estas palavras foram ditas por Jesus a seus discípulos
quando subiam para Jerusalém. Constantemente, Jesus lhes falava da realidade da
paixão como consequência lógica e natural do anúncio e da denúncia. É verdade
que eles não compreendiam o que Jesus dizia. Somente depois da ressurreição é
que tudo ficou mais evidente.
Mesmo
assim, até hoje há os que não compreendem, colocando-se contra Jesus, apesar de
afirmarem-se cristãos. Estas palavras de Jesus é um convite a todos,
especialmente aos que o seguem, para abraçarem o caminho da pequenez.
Vamos meditar um pouco a respeito deste caminho a partir da experiência do
próprio Jesus.
O caminho da pequenez é a estrada de Jesus, estreita e
longa, pedregosa e espinhosa. É o caminho da cruz. Ao mesmo tempo em que sofre
com o mundo desorganizado e repleto de injustiças, o homem de hoje procura, de
todas as formas, minimizar o sofrimento. Aliviar o sofrimento não é nenhum mal.
Instintivamente, toda pessoa procura remédio para sarar suas doenças, pois no
interior de cada pessoa há impulsos de vida, há um desejo de viver.
Mesmo
assim, em muitas circunstâncias, há uma negação oculta do sofrimento, uma fuga.
Isto se revela nas diversas formas de evitar o envelhecimento e prolongar a
juventude. Há certo pavor da velhice e os idosos são cada vez mais esquecidos e
desprezados. Sem contar os idosos que não se reconciliam com o fato de serem
idosos, buscando viver como se fossem jovens, sendo que, na verdade, não
possuem mais as energias necessárias para viver no ritmo dos jovens.
Por
trás desta e de tantas outras situações o que existe, verdadeiramente, é uma mania
de grandeza que conduz as pessoas ao vazio existencial. Neste
sentido, as pessoas não aceitam a verdade de que o ser humano é um ser frágil e
limitado.
O ator José Wilker estava gozando de saúde e, de repente,
no auge da carreira, morre. O cantor Jair Rodrigues, canta e brinca com seus
fãs e manda dizer ao “Homem lá de cima” que não queria “ir pra lá tão cedo”, de
repente, morre. A rede Globo homenageia o grande piloto Airton Senna que após
tantas vitórias, morre.
As
lembranças dos grandes momentos e feitos destes e de tantos outros seres
humanos espetaculares tentam ofuscar a dura verdade da fragilidade e da
finitude humana. A grandeza do ser humano é ilusória e passageira. As pessoas
brilham e chegam ao topo e, posteriormente, morrem. A este brilho chamam de
felicidade.
Se
alargarmos nossa visão e situarmos cada pessoa na grandeza do tempo, da
história e do universo, veremos que cada pessoa se parece com uma gota d’água
no imenso oceano. Então, por que existem tantas pessoas querendo ocupar o
centro do universo? Por que agem dessa forma? Se esteve atento ao que leu até
agora, o leitor já deve ter percebido a resposta. Vamos explicitá-la melhor. É
tudo muito simples.
As notícias veiculadas cotidianamente pela mídia nos
mostram que o homem atual não anda acertando muito em seu proceder. Mesmo que
acertasse mais do que se equivocasse, veríamos que as lacunas continuariam
existindo. É verdade que é justo e necessário o esforço para a efetivação do
verdadeiro progresso do mundo.
Estrategicamente,
onde está o equívoco? Todos apontam para as ambições desmedidas, explicitadas
na sede de poder, prestígio e riqueza. Antes disso, parece que há outro fator
determinante: o homem não aceita nem respeita os próprios limites e a própria
finitude. Esta aceitação e respeito não anulam a necessidade do progresso,
oriundo do aperfeiçoamento das tecnologias e outros mecanismos de efetivação do
desenvolvimento do homem e da sociedade.
Este
desenvolvimento, inevitavelmente, precisa observar limites. O discurso criado
pelos que não respeitam limite algum é conhecido: o progresso só é possível
quando não conhece limites! As manifestações da natureza são uma prova de que
este discurso é falacioso. Apesar disso, o homem não se convence de que seu
proceder o conduz inevitavelmente à extinção de todas as espécies de seres
vivos, incluindo a si mesmo.
Este é o panorama atual da ausência de aceitação dos
próprios limites e da própria finitude, do ponto de vista socioexistencial. As
diversas abordagens filosóficas, antropológicas e históricas conduzem à síntese
apresentada. Retomando a questão a partir do ponto de vista teológico, considerando
a experiência de Jesus, alguns fatores também são expressivos, compreensíveis e
louváveis.
A
expressividade da experiência de Jesus acontece na sua opção clara pela
pequenez. Seus opositores, claramente, o consideravam um insignificante, pois
se tratava de um homem totalmente despojado. Jesus não tinha poder para nada. Humanamente
falando, era um impotente. Todos se perguntavam pela origem de sua autoridade,
assustados e maravilhados com os sinais que realizava e com seu ensinamento.
Sua
opção não goza de nenhuma obscuridade. Ele era claro e direto em suas palavras
e gestos. Viveu com liberdade e autenticidade sua opção pelos pequenos e
pobres. Por isso mesmo, era estimado como um grande profeta, acolhido pelos
pobres e detestado pelos poderosos. O Pai o glorificou pela sua fidelidade à
missão recebida, cumprida com amor, alegria e generosidade junto aos pequenos.
A meditação do versículo que introduz nossa reflexão não
deixa dúvida: o seguidor de Jesus é chamado a ser servidor, não um chefe. A chefia
não condiz com o espírito evangélico. O mestre de Nazaré não concedeu a ninguém
o poder de chefiar. Os líderes religiosos não são chefes, pois na lógica do
Reino de Deus deve existir a fraternidade, que é o oposto da dominação do homem
pelo homem.
Assim,
abraçar o caminho da pequenez significa procurar ocupar o autêntico lugar do
discípulo: o de ser servidor de todos. Para servir, o discípulo precisa se
conscientizar de seus limites e de sua finitude. No reconhecimento permanente
das próprias fraquezas experimenta a manifestação da graça de Deus. A graça
divina não se manifesta na vida dos fortes, mas na dos fracos, fortalecendo-os.
Como vimos, a opção divina, em Jesus de Nazaré, foi, é e continuará sendo pelos
fracos.
Deus
se fez fraco para confundir os que se julgam fortes. A verdadeira fortaleza
está em Deus, plena bondade e misericórdia. Naturalmente, o homem é fraco,
limitado e finito. Na liberdade de filho adotivo em Jesus, é chamado a abrir-se
à ação da graça para ser, de fato, aquilo que Deus quer. E o que Deus quer é
que o homem encontre a felicidade, uma felicidade sem ilusões, plena, aberta,
generosa, despojada, acolhedora do outro e transformadora de si mesmo e do
mundo.
Particularmente, quando toma consciência de sua pequenez
perante a grandeza de Deus, cada pessoa experimenta a liberdade verdadeira.
Jamais enfrentará frustração se conhece e aceita os limites de seu proceder. Não
cria tantas expectativas irrealizáveis, destituídas de possibilidades de
realização. A vida se torna simples e a pessoa se encontra consigo mesma, não
procurando ser outra coisa para ser feliz.
Desse
modo, suas escolhas se tornam mais consistentes e a clareza destas opções
liberta de toda ilusão e, consequentemente, de toda angústia. Isto não anula o
espírito de procura inerente ao ser humano, mas o liberta das procuras
desnecessárias. Consciente de seus limites e de sua finitude, a pessoa procura
pelo essencial e neste concentra suas energias. Uma vida alicerçada no
essencial encontra a felicidade. Fora do essencial, tudo é superficial, fútil,
passageiro, sem vida, vazio...
O leitor conseguiu entender que precisamos, de fato, ser
o que realmente somos, na humildade e simplicidade? Percebeu que o caminho da
pequenez é capaz de criar um homem novo em vista de um mundo novo? Vislumbrou a
criação de um novo céu e uma nova terra, a partir da vivência do essencial?
Para quem professa a fé em Jesus, o amor é o essencial na vida.
Não
há vida nem salvação fora do amor. Se as invenções humanas tornam inviável o
amor, então precisam ser repensadas e/ou redimensionadas. Quando o homem atual
vai acordar para esta necessidade vital? Uma andorinha só não faz verão, diz o
ditado; mas é verdade também que se cada um fizer a sua parte, outro mundo é
possível. É preciso crer, assumir a pequenez como vocação essencial e
permanecer acordado diante das próprias limitações, considerando que a vida é
bela e vale a pena, pois assim como o rio corre para o mar, cada um caminha
para o encontro com a origem, a fonte e o fim de toda a vida, infinito
indizível e insondável, plenitude.
Tiago de França
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