quarta-feira, 7 de maio de 2014

Juventude, família e violência

           
          É cada vez maior o número de jovens que se envolvem com as diversas formas de violência no Brasil. Na rua, na escola, na família e em tantos outros espaços públicos e privados, os jovens aparecem como autores de inúmeros crimes e atos violentos. O fenômeno é preocupante e complexo. O Estado, a Família, a Escola e as Igrejas se sentem como que impotentes diante da situação. Tem-se a impressão de que nada pode ser feito.

Muitas sugestões são mais violentas do que a própria situação na qual está inserida a juventude: uns propõem a pena de morte, outros a diminuição da maioridade penal, outros, ainda, a construção de mais presídios para o encarceramento dos que cometem crimes. Estas e outras sugestões são, na verdade, insuficientes para a solução do problema. Diríamos até que somente agravaria a atual situação, caso fossem efetivadas.

Então, o que fazer? Por que tantos jovens se transformam em pessoas tão violentas? De quem é a culpa para a situação ter chegado a este ponto? São questões que merecem nossa atenção. Nossa reflexão quer oferecer algumas provocações neste sentido. A solução precisa ser construída em conjunto e a partir de uma visão de conjunto.  

O papel da família

            Infelizmente, a família não tem desempenhado bem a sua função na construção, assimilação e vivência de valores que podem ajudar aos jovens a serem pessoas melhores. O motivo é simples: a família está em crise, pois passa por uma profunda desestruturação e reestruturação. Não queremos defender a transmissão ferrenha de valores tradicionais ultrapassados, que não mais correspondem às exigências do tempo atual.

Neste sentido, defendemos a necessidade de se repensar e reciclar os valores essenciais para termos pessoas maduras e responsáveis. Maturidade e responsabilidade são valores da personalidade humana que estão praticamente ausentes na vida da juventude atual. A maioria dos jovens é imatura e irresponsável. Os jovens crescem fisicamente, mas lhes falta consciência crítica. Geralmente, não pensam a respeito das grandes questões necessárias à vida e, além disso, se recusam a pensar. Não querem enxergar a realidade, preferindo viver na total alienação.  

            Curiosamente, isto não é intencional. Na verdade, a juventude quer viver, mas está desorientada. Não sabe para onde ir, faltam referências que apontem o caminho. Muitos pais não são exemplos a serem seguidos, pois se deixam corromper facilmente. Defendem certa moralidade, mas estão metidos numa escandalosa contradição.

Opondo-se aos discursos, os jovens não encontram nas condutas de muitos pais a inspiração necessária para ousarem algo novo. Quando olham para o mundo da política, a decepção é maior. A corrupção praticada por muitos lhes causa revolta e a consequente recusa à participação conscientemente política se torna inevitável.

Situação semelhante ocorre quando procuram a religião. Para eles, esta parece coisa de outro mundo. A linguagem religiosa é inacessível à sua compreensão. Acham a religião a coisa mais tediosa que existe. Somente uma minoria consegue participar do culto, mas somente assistindo-o, passivamente. Até escutam, mas não assimilam o conteúdo da doutrina, pois esta costuma não lhes servir, salvo em alguns aspectos que permanecem ocultos.

            Como os pais devem educar seus filhos? É uma pergunta certamente desafiadora. Certamente não há uma receita pronta. A educação do ser humano não permite receituário nem fórmulas porque se trata de um ser que está para além de si mesmo, intimado a procurar um sentido para a sua vida. Assim, os caminhos são diversos e os contextos nos quais vive são diversos e complexos.

A educação não deveria ser um processo de enquadramento de pessoas. Infelizmente, é isto que ocorre. Geralmente, os pais desejam que os filhos sejam como eles são e, neste sentido, procuram “educá-los”. Logo se percebe que não se trata de educação. Esta é outra coisa: é processo de mútuo aprendizado, crescimento que aponta para o infinito, construção aberta da identidade pessoal e coletiva. Portanto, de modo geral, podemos afirmar sem medo de nos equivocarmos: os pais tiram a liberdade de seus filhos, impondo-lhes sua forma de ser e de ver a vida.

Em nome da “obediência” e do “respeito”, os filhos fazem de conta que assimilam. Os que, porventura, assimilam rigorosamente as lições impostas pelos pais se transformam, geralmente, em adultos inseguros porque nunca pensaram nem agiram por si mesmos. Em tudo pedem a opinião dos pais, vivendo, assim, em um regime de dependência doentio. Quando perdem os pais, além da depressão, ficam desorientados, sem saber o que fazer da vida. É isto que acontece, direta ou indiretamente, implícita ou explicitamente.  

            Então, como os pais devem proceder? A primeira coisa a fazer é renunciar à pretensão de controlar a vida dos filhos. Nenhum ser humano cresce sob pressão e controle. Nenhuma pessoa é uma máquina, que pode ser submetida a certa programação e controle. Isto não funciona com seres humanos. Ninguém consegue controlar nem ser controlado por ninguém.

            Há sempre algo que escapa e a frustração é o resultado certo da pretensão de controle. Pais inseguros costumam controlar os filhos que julgam ter. Tal insegurança gerará adultos inseguros e, dessa forma, a situação se transforma em um gravíssimo mal que perdura por gerações. A verdadeira educação acontece na liberdade, mas os pais não entendem de liberdade. Quando escutam esta palavra, logo pensam na libertinagem.

“Não podemos dar liberdade a nossos filhos, pois não sabem lidar com ela, transformando-se em libertinos”: assim pensa a maioria dos pais. A este respeito, existe uma certeza: o resultado de uma educação pautada no rigor disciplinar e no controle é desastrosamente pior do que o resultado oriundo das atitudes dos filhos que não souberam lidar com a liberdade.

            Para que possamos ter jovens livres e autônomos, adultos e responsáveis, precisamos acreditar na educação para a liberdade. O que significa educar para a liberdade? Como acontece? É tudo muito simples. Significa que os pais precisam acreditar na capacidade dos próprios filhos, incentivando-os e orientando-os na vida. Incentivo e orientação não podem se confundir com respostas prontas a serem dadas nem imposição da vontade materna e paterna.

“Meu/minha filho/a, nós queremos que você seja assim!”: expressões como esta jamais deveriam ser ditas aos filhos. Estes devem gozar da liberdade para procurarem o próprio caminho, para serem os protagonistas da própria história. Sem liberdade não há protagonismo. Somente mulheres e homens livres conseguem ser coautores da própria vida.

Quando estão no início da juventude, são imprescindíveis a compreensão e o apoio dos pais para que encontrem o caminho a seguir. A compreensão é outro valor essencial a ser cultivado pelos pais em relação aos filhos: compreender seus anseios e angústias, seus medos e expectativas. Sem a devida compreensão, é impossível a colaboração sadia e necessária. Filhos compreendidos compreendem facilmente seus pais. Compreensão gera compreensão.

            A falta de compreensão, de colaboração e de liberdade tem estragado a vida da juventude. Jovens incompreendidos, alienados e esquecidos não chegam a lugar nenhum. Transformam-se em presas fáceis de monstros terríveis como as drogas, a prostituição, o consumismo etc.

Sem se utilizarem de gritos nem de sermões, os pais precisam cultivar o diálogo pautado na mansidão e na humildade; lembrando que no diálogo as pessoas falam e escutam, ensinam e aprendem, criam sentido para a vida. Não se chega a um entendimento possível sem o diálogo, nem à solução dos conflitos comuns e necessários entre pais e filhos.

O diálogo educa para a escuta recíproca. Não somente os filhos são chamados ao exercício da escuta, mas os pais também precisam aprender a escutar as razões que levam os filhos a serem do jeito que são. Os jovens precisam recuperar o dom da escuta, pois raramente a realizam no cotidiano da vida. Sem escuta não há aprendizado e sem este não há maturidade. Ensurdecidos pelo barulho do mundo, muitas oportunidades de crescimento são perdidas, e isto ocorre porque não são percebidas.  

            O leitor agora compreende a origem da violência urbana? Compreende também os possíveis caminhos de solução? Ficou clara a necessidade da liberdade, do diálogo, da colaboração e da compreensão? Estes e outros valores que precisam ser urgentemente recuperados são capazes de converter a juventude em todo o mundo.

Trata-se de um processo lento e necessário, que exigem paciência e perseverança. Não adianta reclamar das instituições (Estado, Escola, Família, Religião) a solução para o problema. É verdade que estas instituições tem o dever de agir em prol da juventude, colocando-se à disposição para uma efetiva colaboração, mas, isoladamente, nenhuma delas é capaz de solucionar o problema da violência que envolve os jovens.

O Estado tem o dever de promover as políticas públicas necessárias; a Escola precisa educar na liberdade, trabalhando o senso crítico e a devida qualificação profissional; a Religião precisa religar, de fato, os jovens a Deus e, acima de tudo, fazer-lhes acreditar na vida. Quanto à instituição familiar, além do que já explicitamos, o ambiente familiar deve voltar a ser lugar do surgimento de pessoas equilibradas, pacíficas e pacificadoras, honestas e prudentes, justas e responsáveis, abertas ao diálogo e ao novo que a vida oferece.

Quando educados em um ambiente sadio, crianças, adolescentes e jovens se transformam em adultos capazes de amar e serem amados, criadores de outros ambientes nos quais o amor se transforma na regra fundamental da vida. Aí, sim, outro mundo é possível, no qual reinarão a justiça e a paz.


Tiago de França

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