sábado, 24 de maio de 2014

O mandamento de Jesus e o Espírito da verdade

“Se me amais, guardareis os meus mandamentos, e eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro defensor, para que permaneça sempre convosco” (Jo 14, 15 – 16).

            Nossa reflexão quer oferecer um olhar sereno a respeito do texto do evangelho segundo João 14, 15 – 21. Trata-se de uma parte da despedida de Jesus com seus seguidores. Vamos dividir a meditação em alguns tópicos. Jesus fala com clareza e diante da perturbação de seus seguidores, lhes oferece palavras de conforto e direcionamento. Ele não os abandona na confusão e na orfandade, mas os consola e anima.

O amor a Jesus

            “Se me amais, guardareis os meus mandamentos”, afirma Jesus. Aqui está a condição para guardar os mandamentos: amar Jesus. O amor a Jesus é o amor a Deus, pois Deus está nele. E o amor a Deus é o reconhecimento prático e cotidiano de Deus na vida. Crer e aceitar a Deus como o único absoluto da vida. Este absoluto se manifesta e se revela nas pessoas e na natureza.  

A criação inteira revela a grandeza de Deus. Permanecer em sintonia com toda a criação, num relacionamento harmonioso e, portanto, pacífico, é entrar em comunhão com Deus, é amar a Deus. Ele é uma presença amorosa, serena, atenta, cuidadora e criadora da vida de toda a criação. Esta comunhão no amor assegura ao discípulo a alegria do seguimento, e neste a observância do mandamento de Jesus. Amando a Deus e a toda a criação, a pessoa está cumprimento o mandamento porque este não é outra coisa senão o amor.

            Quando apareceu a religião com seus preceitos e dogmas, o amor a Jesus foi posto de lado na vida de muitas pessoas. Estas passaram a absolutizar o secundário: o culto, as devoções, o direito eclesiástico, os símbolos etc. Estas coisas passaram a substituir o amor a Jesus. Estas pessoas ficam se perguntando pelos motivos que as impedem de guardar o mandamento de Jesus e imploram o Espírito do Senhor, a fim de que as ajude.  

O Espírito nada pode fazer porque não interfere na liberdade de escolha das pessoas. Se estas escolhem a lei, jamais o Espírito lhes imporá a liberdade. De modo geral, os religiosos procuram salvar a religião, fonte de muitas seguranças, e não ousam amar a Jesus porque este amor é vivido fora da observância da lei. Esta não é condição para o amor a Jesus. Assim, entendemos o que vemos nas religiões: inúmeros crentes desorientados no cumprimento da lei, pois esta não lhes assegura nem lhes confere a alegria oriunda do amor a Jesus e a liberdade de filhos e filhas de Deus.

O Espírito da verdade

            O Espírito procede do Pai e do Filho, e este o chama de paráclito, que quer dizer defensor. Falar do Espírito é muito difícil porque seu agir escapa à linguagem dos conceitos teológicos. O Espírito é livre e libertador, portanto, não há homem que possa prever a sua ação. Oriundo do seio da divina comunidade, o Espírito é o defensor que veio para permanecer na vida de quem segue a Jesus. Isto é o que ensina a pneumatologia clássica (estudos teológicos sobre o Espírito). Ousaríamos dizer mais. Podemos afirmar que o Espírito do Senhor está plasmando todo o universo e recriando todas as coisas.  

Assim, os que não seguem a Jesus também o recebem e o conhecem. Não está preso a nenhuma espécie de limite estabelecido pelo homem. A ação do Espírito no amor é tão livre que chega a ser escandalosa. Os religiosos, geralmente, não aceitam a liberdade do Espírito, pois pensam que este age de acordo com seus conceitos de ação religiosa. O Espírito não é religioso, portanto, não pertence à religião, mas se encontra no mundo e nas pessoas, lhes revelando o caminho da vida e da liberdade. Há sempre um conflito entre o Espírito e a religião porque esta tende a aprisioná-lo em seus conceitos e práticas.

            Jesus chama o paráclito de “Espírito da verdade”. Esta verdade do Espírito não é a verdade conceitual das ciências humanas, incluindo as verdades oriundas do fazer teológico. O Espírito é a revelação do amor e do projeto de Deus, é a força que reside no interior de cada pessoa, levando-a ao conhecimento de si mesma e de Deus. No encontro consigo mesma, a pessoa se encontra com Deus. No encontro com o outro acontecem a celebração e a partilha deste encontro revelador do ser humano. 

O Espírito concede a graça da contemplação e do conhecimento da realidade, mantendo as pessoas acordadas, sensíveis e disponíveis. Não é o Espírito responsável pela elaboração de “verdades” religiosas que julgam, condenam, excluem, excomungam, mas é a força impulsionadora que faz a vida nascer, crescer e se multiplicar; que concedendo o dom da visão, liberta as pessoas da mentira, da ilusão, da falsidade, da confusão e tudo aquilo que aprisiona e escraviza.

Onde está Deus?

            Por fim, consideremos outro aspecto fundamental revelado no texto: “Não vos deixarei órfãos. Eu virei a vós”. Estas palavras de Jesus são compreendidas e despertam a verdadeira alegria naquelas pessoas que se encontram em um aparente estado de abandono. Este é criação humana, fruto da indiferença. Falo aparente porque Deus é o bom Pai que jamais abandona seus filhos e filhas.  

Por meio do defensor, o paráclito, Ele cuida amorosamente de cada um e está em cada pessoa. Cabe a cada um descobrir como esta presença amorosa se manifesta interna e externamente. Para todos os que se encontram em aflição e no esquecimento, diz Jesus: “Naquele dia sabereis que eu estou no meu Pai e vós em mim e eu em vós”. Em nós e por nós, o Deus uno e trino quer ser nossa vida e a vida de toda a humanidade. Por meio de nossas palavras e gestos Deus quer permanecer conosco nesta belíssima e libertadora comunhão amorosa: Ele em nós e nós nele. Mergulhados neste mistério de amor e de liberdade, somos felizes e já alcançamos a salvação.


Tiago de França

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