“Se
me amais, guardareis os meus mandamentos, e eu rogarei ao Pai, e ele vos dará
um outro defensor, para que permaneça sempre convosco” (Jo
14, 15 – 16).
Nossa reflexão quer oferecer um olhar sereno a respeito
do texto do evangelho segundo João 14, 15 – 21. Trata-se de uma parte da
despedida de Jesus com seus seguidores. Vamos dividir a meditação em alguns
tópicos. Jesus fala com clareza e diante da perturbação de seus seguidores,
lhes oferece palavras de conforto e direcionamento. Ele não os abandona na confusão
e na orfandade, mas os consola e anima.
O
amor a Jesus
“Se
me amais, guardareis os meus mandamentos”, afirma Jesus. Aqui
está a condição para guardar os mandamentos: amar Jesus. O amor a Jesus é o
amor a Deus, pois Deus está nele. E o amor a Deus é o reconhecimento prático e
cotidiano de Deus na vida. Crer e aceitar a Deus como o único absoluto da vida.
Este absoluto se manifesta e se revela nas pessoas e na natureza.
A
criação inteira revela a grandeza de Deus. Permanecer em sintonia com toda a
criação, num relacionamento harmonioso e, portanto, pacífico, é entrar em
comunhão com Deus, é amar a Deus. Ele é uma presença amorosa, serena, atenta,
cuidadora e criadora da vida de toda a criação. Esta comunhão no amor assegura
ao discípulo a alegria do seguimento, e neste a observância do mandamento de
Jesus. Amando a Deus e a toda a criação, a pessoa está cumprimento o mandamento
porque este não é outra coisa senão o amor.
Quando apareceu a religião com seus preceitos e dogmas, o
amor a Jesus foi posto de lado na vida de muitas pessoas. Estas passaram a
absolutizar o secundário: o culto, as devoções, o direito eclesiástico, os
símbolos etc. Estas coisas passaram a substituir o amor a Jesus. Estas pessoas
ficam se perguntando pelos motivos que as impedem de guardar o mandamento de
Jesus e imploram o Espírito do Senhor, a fim de que as ajude.
O
Espírito nada pode fazer porque não interfere na liberdade de escolha das
pessoas. Se estas escolhem a lei, jamais o Espírito lhes imporá a liberdade. De
modo geral, os religiosos procuram salvar a religião, fonte de muitas
seguranças, e não ousam amar a Jesus porque este amor é vivido fora da observância
da lei. Esta não é condição para o amor a Jesus. Assim, entendemos o que vemos
nas religiões: inúmeros crentes desorientados no cumprimento da lei, pois esta
não lhes assegura nem lhes confere a alegria oriunda do amor a Jesus e a
liberdade de filhos e filhas de Deus.
O
Espírito da verdade
O Espírito procede
do Pai e do Filho, e este o chama de paráclito, que quer dizer defensor. Falar do
Espírito é muito difícil porque seu agir escapa à linguagem dos conceitos
teológicos. O Espírito é livre e libertador, portanto, não há homem que possa
prever a sua ação. Oriundo do seio da divina comunidade, o Espírito é o
defensor que veio para permanecer na vida de quem segue a Jesus. Isto é o que
ensina a pneumatologia clássica (estudos teológicos sobre o Espírito).
Ousaríamos dizer mais. Podemos afirmar que o Espírito do Senhor está plasmando
todo o universo e recriando todas as coisas.
Assim,
os que não seguem a Jesus também o recebem e o conhecem. Não está preso a nenhuma
espécie de limite estabelecido pelo homem. A ação do Espírito no amor é tão
livre que chega a ser escandalosa. Os religiosos, geralmente, não aceitam a
liberdade do Espírito, pois pensam que este age de acordo com seus conceitos de
ação religiosa. O Espírito não é religioso, portanto, não pertence à religião,
mas se encontra no mundo e nas pessoas, lhes revelando o caminho da vida e da
liberdade. Há sempre um conflito entre o Espírito e a religião porque esta
tende a aprisioná-lo em seus conceitos e práticas.
Jesus chama o paráclito de “Espírito da verdade”. Esta
verdade do Espírito não é a verdade conceitual das ciências humanas, incluindo
as verdades oriundas do fazer teológico. O Espírito é a revelação do amor e do
projeto de Deus, é a força que reside no interior de cada pessoa, levando-a ao
conhecimento de si mesma e de Deus. No encontro consigo mesma, a pessoa se
encontra com Deus. No encontro com o outro acontecem a celebração e a partilha
deste encontro revelador do ser humano.
O
Espírito concede a graça da contemplação e do conhecimento da realidade, mantendo
as pessoas acordadas, sensíveis e disponíveis. Não é o Espírito responsável
pela elaboração de “verdades” religiosas que julgam, condenam, excluem,
excomungam, mas é a força impulsionadora que faz a vida nascer, crescer e se
multiplicar; que concedendo o dom da visão, liberta as pessoas da mentira, da
ilusão, da falsidade, da confusão e tudo aquilo que aprisiona e escraviza.
Onde
está Deus?
Por fim, consideremos outro aspecto fundamental revelado
no texto: “Não vos deixarei órfãos. Eu virei
a vós”. Estas palavras de Jesus são compreendidas e despertam a verdadeira
alegria naquelas pessoas que se encontram em um aparente estado de abandono. Este
é criação humana, fruto da indiferença. Falo aparente porque Deus é o bom Pai
que jamais abandona seus filhos e filhas.
Por
meio do defensor, o paráclito, Ele cuida amorosamente de cada um e está em cada
pessoa. Cabe a cada um descobrir como esta presença amorosa se manifesta
interna e externamente. Para todos os que se encontram em aflição e no
esquecimento, diz Jesus: “Naquele dia
sabereis que eu estou no meu Pai e vós em mim e eu em vós”. Em nós e por
nós, o Deus uno e trino quer ser nossa vida e a vida de toda a humanidade. Por meio
de nossas palavras e gestos Deus quer permanecer conosco nesta belíssima e
libertadora comunhão amorosa: Ele em nós e nós nele. Mergulhados neste mistério
de amor e de liberdade, somos felizes e já alcançamos a salvação.
Tiago de França
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