“Ide
e fazei discípulos meus todos os povos” (Mt 28, 19).
Uns afirmam que Jesus subiu, literalmente, ao céu, de
corpo e alma. Outros, porém, dizem que não. Os primeiros ficam com a letra, os
segundos ficam com seu sentido teológico. A meu ver, parece que não é de suma
importância contemplar um grupo de discípulos olhando Jesus subindo e
desaparecendo entre as nuvens.
Isto
é um espetáculo que nossa fértil imaginação se regozija em realizar. A ascensão
de Jesus é outra coisa, é algo que ultrapassa as especulações da imaginação e
da mente. Ascensão é subida, é crescimento, que ocorre em um movimento inverso
daquilo que costumeiramente julgamos compreender: ascensão é descida na subida.
As Igrejas e os crentes neste dia de celebração da ascensão,
certamente falarão do senhorio de Jesus. Não ouso afirmar que Jesus não é o
Senhor, mas prefiro acreditar que ele não procurava se colocar como o Senhor.
Heresia? Decida o leitor como quiser. Penso que senhorio parece ser algo
demasiadamente forte para um servo sofredor.
Que
estou querendo dizer? Se Jesus é o Senhor, então somos convidados a crer em um
Senhor servo. Humanamente, parece contraditório, não?! Neste mundo os senhores
são homens de poder e domínio, que desejam ser servidos. Possuem prestígio,
poder e riqueza. Jesus é o Senhor que não tem prestígio, nem riqueza, nem
poder. Ele não domina nada, nem ninguém.
Assim, cai por terra a velha e desgastada imagem que
muitos criam a respeito do senhorio de Jesus: a de um Deus todo-poderoso! Jesus
não pode nada. Ele está disposto a frustrar aqueles que o procuram para a
realização de seus sonhos, fantasias e desejos. Ele não se presta a estas
satisfações.
Para
tais realizações há o prestígio, a riqueza e o poder. Por isso, caro leitor, se
você procura estas coisas, não as procure em Jesus. Ele não tem nenhuma delas
para oferecer a quem quer que seja. Jesus nos recomenda o caminho do amor que
nos liberta. Este é o tesouro que ele tem a nos oferecer. Esta foi a sua
experiência. O caminho está aberto. Se quisermos, podemos segui-lo, mas para
isto é preciso corresponder à exigência fundamental do caminho aberto por ele:
arriscar-se a viver por amor.
Isto é descida na subida: arriscar-se a viver por amor.
Se assim procedermos, experimentamos o que muitos chamam de renovação
espiritual. De modo geral, o conteúdo desta renovação é desconhecido pela
maioria daqueles que julgam tê-la experimentado. A maioria experimenta, mas não
se renova. É estranha tal afirmação, não?! É isso, infelizmente, que ocorre.
Em
Jesus, as pessoas querem subir, triunfar, alcançar a vitória, glorificarem-se,
brilhar... Isto parece bom, não?! Parece, mas por trás destas palavras se
escondem desejos meramente humanos de glória e de triunfo. A mesma glória
oferecida pelo poder, pelo prestígio e pela riqueza. As pessoas querem triunfar
neste mundo em nome de Jesus! Caso consigam, devem saber que Jesus estava longe
de todas elas. Ele não é oportunidade para o triunfo de quem quer que seja.
Há ainda algo a ser dito, algo ainda mais extraordinário
que a ascensão revela: Jesus não sobe ao céu, ele desce e permanece no coração
das pessoas e as convida para ousarem este movimento sagrado e revelador de
descida para o mais profundo de si mesmas. Jesus quer fazer conosco o caminho
de descida para aquele mergulho necessário, intenso e revelador da presença de
Deus em nós.
Poucas
pessoas se dispõem a esta ascensão. Há medo e resistência, e muita vontade de
permanecer na inércia de si mesmas. Jesus nada pode fazer diante da
indisposição das pessoas. Estas tem plena liberdade diante dele. Jesus nada
impõe, apenas propõe. É o Senhor servo que quer somente nos acompanhar, nos
alumiar com sua luz, dando-nos força para o esplendoroso encontro com a vida e
com a liberdade.
Descer da montanha e ver a vida como ela é. Tocá-la com
as mãos quentes e frias e enxergá-la com o sorriso da alegria. Vê-la com os
olhos da fé. Tê-la na palma da mão e senti-la com o coração. Permanecer diante
de si, dos outros e de Deus na total disponibilidade, com mãos estendidas e pés
firmes no chão rachado pelo sol da vida.
São
coisas conhecidas por quem vive, cotidianamente, a experiência de permanecer
com Jesus, conhecendo sempre mais os becos e vielas do seu caminho, no encontro
caloroso dos que se apertam para ir escapando noite e dia, na luta constante
por um mundo melhor. Isto é ascensão. Isto é páscoa. Isto é fazer com que todos
os povos se tornem, no amor e na liberdade, discípulos de Jesus, o Senhor
servo, amante da vida e de todos os pecadores.
Tiago de França
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