“Acaso Cristo está dividido?” (1 Cor
1, 13)
Anualmente, na semana que antecede a festa de
Pentecostes, os cristãos são chamados a rezar pela unidade cristã. Neste ano, o
tema é sugestivo. Trata-se de uma indagação levantada pelo apóstolo Paulo
quando escreveu aos cristãos de Corinto, reclamando da divisão que estava
ocorrendo entre eles (cf. 1 Cor 1, 1 – 17).
Infelizmente,
nas comunidades cristãs há o escândalo das divisões. Realidade antievangélica
que precisa ser enfrentada com criatividade, oração e posturas ousadas. Jesus não
aceitou que seus seguidores causassem escândalos, pois estes destroem a
comunidade. Em um mundo marcado pelas divisões e pelas diversas formas de
violência, a religião cristã precisa trabalhar incansavelmente para a
construção da unidade e da paz.
Nenhuma
forma de violência em nome de Deus é legítima. O Deus e Pai de Jesus é amoroso,
misericordioso e acolhedor da pluralidade das manifestações religiosas. Todas possuem
a presença amorosa de Deus porque esta presença ultrapassa as fronteiras
criadas pelas crenças, oriundas da criatividade e do desejo humano de entrar em
comunhão com o sagrado. Agora vamos pensar a questão apresentada pelo apóstolo
Paulo a partir de alguns pontos que julgamos fundamentais para a construção da
unidade cristã.
A
origem das divisões
Muito se pode
falar do triste e vergonhoso fenômeno das divisões entre os cristãos. Os estudiosos
apreciam o tema a partir de diversos pontos de vista. Aqui não é o lugar para
delineá-los com afinco científico, mas queremos, brevemente, apresentar o que
consideramos o núcleo fundamental que forma a preocupação partilhada por todos.
O
que está por trás ou, melhor dizendo, o que motiva tais divisões é o apego às
crenças. Toda forma de apego é prejudicial e o apego às crenças parece
ser um dos mais nocivos ao ser humano. O cristão fundamentalista, caracterizado
pelo seu apego às crenças, é capaz de desrespeitar e até de tirar a vida de
outra pessoa.
O apego cega as pessoas, e uma pessoa cega não enxerga a
realidade. Aqui estamos falamos da cegueira da consciência. O crente cego é
aquele que acredita que, fazendo o mal, está fazendo bem. Este crente independe
de denominação religiosa. As crenças não são criações divinas, mas humanas. Portanto,
não são verdades absolutas, nem podem ser impostas às pessoas.
Nenhuma
religião pode, em nome de Deus, impor suas crenças às pessoas. Infelizmente, há
essa tendência. É possível o convencimento, mas é desrespeitosa toda forma de
imposição. Crenças impostas perdem seu valor e seu sentido, e se transformam em
fardos pesados, motivando escândalos nas comunidades cristãs.
Jesus
não propôs crença alguma, mas apenas abriu um caminho, o caminho da justiça do
Reino de Deus que se desdobra no amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo
como a si mesmo. Ensinou a viver a religião na liberdade dos filhos e filhas de
Deus. Ele era judeu e assim procedeu. Era plenamente livre em relação à religião
judaica.
Religião,
Palavra e vida
Em matéria de práticas
religiosas, o escândalo se revela na incoerência que há entre fé e vida. Infelizmente,
não é pequeno o número daqueles crentes que se encontram em uma profunda
contradição. Neste sentido, a fé não reflete na vida.
Há
uma radical separação entre fé e vida. Isto é demasiadamente perigoso. Não há
autêntica fé sem ligação com a vida, pois esta é o lugar onde aquela nasce e se
desenvolve. Na vida se transparece a fé que se julga ter. Em outras palavras,
através da vida do crente se conhece a fé que ele possui.
A Palavra de Deus está na vida e na boca do crente. Primeiro
naquela, depois nesta. Assim, precisa haver coerência, sintonia e harmonia entre
o que se vive e o que se crê. Se as pessoas parassem para pensar na íntima
relação entre fé e vida, e procurassem se converter, certamente o mundo seria
melhor.
Este
mundo está povoado por crenças e por crentes. Isto nos obriga a perguntar: por
que, então, este mundo se torna cada vez pior, frio e perigoso?... Qual a
contribuição que o Cristianismo está dando para a construção da justiça e da
paz mundiais?... Esta contribuição é, certamente, inerente ao modo de ser e de
viver de cada crente.
Liberdade,
abertura e pluralidade
A fim de que cessem os conflitos e as divisões, as
Igrejas cristãs precisam cada vez mais de cristãos que cultivem a liberdade. O medo
da liberdade sempre atrapalhou a vida cristã. Na carta aos Gálatas, o apóstolo
Paulo nos ensina que foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Pois bem, os
inimigos da liberdade o são de Cristo Jesus. Fora da liberdade não há como
conhecer o caminho de Jesus, caminho que conduz a Deus.
Somente os cristãos livres conseguem construir uma
humanidade nova e livre, e nas sábias palavras do venerável teólogo José
Comblin, “uma humanidade livre é uma
humanidade que se deixa interpelar por todas as pessoas que não lhe oferecem
nenhum interesse, nenhum valor, que não oferecem nenhum poder novo, nenhuma
garantia, mas apenas riscos e ameaças de perturbação” (J. Comblin, in A liberdade cristã, Paulus, 2009, p.
131). Livres para agir conforme a prática de Jesus.
Cristãos livres são pessoas abertas à novidade que brota
da ação do Espírito no mundo. Sem liberdade e sem abertura não há como
descobrir a ação amorosa de Deus. Este se transforma em enigma, realidade
oculta que tende à mera satisfação da curiosidade humana, mas Deus é vida, é
presença humilde, discreta e transformadora.
O
novo nos desafia, nos interpela, orienta-nos para a acolhida do diferente. Somente
pessoas livres e abertas conseguem entrar em comunhão com a diversidade
religiosa presente no mundo; conseguem enxergar a presença divina em todas as
denominações religiosas; conseguem, enfim, celebrar a fé sem discriminações,
sem apegos e sem proselitismo.
Em nome de Jesus, pedimos e exortamos, com a autoridade
que as Escrituras Sagradas nos conferem: se tuas práticas religiosas te afastam das
pessoas e te transformam negativamente, isolando-te no conformismo e na indiferença,
liberta-te de tais práticas, se queres tomar parte no Reino de Deus.
Tiago de França
Nenhum comentário:
Postar um comentário