quinta-feira, 5 de junho de 2014

Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos 2014

“Acaso Cristo está dividido?” (1 Cor 1, 13)

            Anualmente, na semana que antecede a festa de Pentecostes, os cristãos são chamados a rezar pela unidade cristã. Neste ano, o tema é sugestivo. Trata-se de uma indagação levantada pelo apóstolo Paulo quando escreveu aos cristãos de Corinto, reclamando da divisão que estava ocorrendo entre eles (cf. 1 Cor 1, 1 – 17).  

Infelizmente, nas comunidades cristãs há o escândalo das divisões. Realidade antievangélica que precisa ser enfrentada com criatividade, oração e posturas ousadas. Jesus não aceitou que seus seguidores causassem escândalos, pois estes destroem a comunidade. Em um mundo marcado pelas divisões e pelas diversas formas de violência, a religião cristã precisa trabalhar incansavelmente para a construção da unidade e da paz.

Nenhuma forma de violência em nome de Deus é legítima. O Deus e Pai de Jesus é amoroso, misericordioso e acolhedor da pluralidade das manifestações religiosas. Todas possuem a presença amorosa de Deus porque esta presença ultrapassa as fronteiras criadas pelas crenças, oriundas da criatividade e do desejo humano de entrar em comunhão com o sagrado. Agora vamos pensar a questão apresentada pelo apóstolo Paulo a partir de alguns pontos que julgamos fundamentais para a construção da unidade cristã.

A origem das divisões

            Muito se pode falar do triste e vergonhoso fenômeno das divisões entre os cristãos. Os estudiosos apreciam o tema a partir de diversos pontos de vista. Aqui não é o lugar para delineá-los com afinco científico, mas queremos, brevemente, apresentar o que consideramos o núcleo fundamental que forma a preocupação partilhada por todos. 

O que está por trás ou, melhor dizendo, o que motiva tais divisões é o apego às crenças. Toda forma de apego é prejudicial e o apego às crenças parece ser um dos mais nocivos ao ser humano. O cristão fundamentalista, caracterizado pelo seu apego às crenças, é capaz de desrespeitar e até de tirar a vida de outra pessoa.

            O apego cega as pessoas, e uma pessoa cega não enxerga a realidade. Aqui estamos falamos da cegueira da consciência. O crente cego é aquele que acredita que, fazendo o mal, está fazendo bem. Este crente independe de denominação religiosa. As crenças não são criações divinas, mas humanas. Portanto, não são verdades absolutas, nem podem ser impostas às pessoas.  

Nenhuma religião pode, em nome de Deus, impor suas crenças às pessoas. Infelizmente, há essa tendência. É possível o convencimento, mas é desrespeitosa toda forma de imposição. Crenças impostas perdem seu valor e seu sentido, e se transformam em fardos pesados, motivando escândalos nas comunidades cristãs.

Jesus não propôs crença alguma, mas apenas abriu um caminho, o caminho da justiça do Reino de Deus que se desdobra no amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Ensinou a viver a religião na liberdade dos filhos e filhas de Deus. Ele era judeu e assim procedeu. Era plenamente livre em relação à religião judaica.

Religião, Palavra e vida

            Em matéria de práticas religiosas, o escândalo se revela na incoerência que há entre fé e vida. Infelizmente, não é pequeno o número daqueles crentes que se encontram em uma profunda contradição. Neste sentido, a fé não reflete na vida.  

Há uma radical separação entre fé e vida. Isto é demasiadamente perigoso. Não há autêntica fé sem ligação com a vida, pois esta é o lugar onde aquela nasce e se desenvolve. Na vida se transparece a fé que se julga ter. Em outras palavras, através da vida do crente se conhece a fé que ele possui.  

            A Palavra de Deus está na vida e na boca do crente. Primeiro naquela, depois nesta. Assim, precisa haver coerência, sintonia e harmonia entre o que se vive e o que se crê. Se as pessoas parassem para pensar na íntima relação entre fé e vida, e procurassem se converter, certamente o mundo seria melhor.  

Este mundo está povoado por crenças e por crentes. Isto nos obriga a perguntar: por que, então, este mundo se torna cada vez pior, frio e perigoso?... Qual a contribuição que o Cristianismo está dando para a construção da justiça e da paz mundiais?... Esta contribuição é, certamente, inerente ao modo de ser e de viver de cada crente.

Liberdade, abertura e pluralidade

            A fim de que cessem os conflitos e as divisões, as Igrejas cristãs precisam cada vez mais de cristãos que cultivem a liberdade. O medo da liberdade sempre atrapalhou a vida cristã. Na carta aos Gálatas, o apóstolo Paulo nos ensina que foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Pois bem, os inimigos da liberdade o são de Cristo Jesus. Fora da liberdade não há como conhecer o caminho de Jesus, caminho que conduz a Deus.

            Somente os cristãos livres conseguem construir uma humanidade nova e livre, e nas sábias palavras do venerável teólogo José Comblin, “uma humanidade livre é uma humanidade que se deixa interpelar por todas as pessoas que não lhe oferecem nenhum interesse, nenhum valor, que não oferecem nenhum poder novo, nenhuma garantia, mas apenas riscos e ameaças de perturbação” (J. Comblin, in A liberdade cristã, Paulus, 2009, p. 131). Livres para agir conforme a prática de Jesus.

            Cristãos livres são pessoas abertas à novidade que brota da ação do Espírito no mundo. Sem liberdade e sem abertura não há como descobrir a ação amorosa de Deus. Este se transforma em enigma, realidade oculta que tende à mera satisfação da curiosidade humana, mas Deus é vida, é presença humilde, discreta e transformadora.

O novo nos desafia, nos interpela, orienta-nos para a acolhida do diferente. Somente pessoas livres e abertas conseguem entrar em comunhão com a diversidade religiosa presente no mundo; conseguem enxergar a presença divina em todas as denominações religiosas; conseguem, enfim, celebrar a fé sem discriminações, sem apegos e sem proselitismo.

            Em nome de Jesus, pedimos e exortamos, com a autoridade que as Escrituras Sagradas nos conferem: se tuas práticas religiosas te afastam das pessoas e te transformam negativamente, isolando-te no conformismo e na indiferença, liberta-te de tais práticas, se queres tomar parte no Reino de Deus.


Tiago de França

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