quarta-feira, 30 de julho de 2014

Amor e egoísmo

“Nisto conhecemos o Amor: ele deu sua vida por nós. E nós também devemos dar nossa vida pelos irmãos. Se alguém, possuindo os bens deste mundo, vê seu irmão na necessidade e se fecha a toda compaixão, como permaneceria nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos com palavras, nem com a língua, mas com obras e em verdade” (1 Jo 3, 16 – 18).

            Nestes dias, estamos ocupados com o tema da liberdade. Hoje iremos nos ocupar com a diferença que há entre o amor e o egoísmo. O amor é a expressão máxima da liberdade, pois quem ama encontra a liberdade e quem deseja ser livre encontra no amor o caminho e o fim de sua liberdade. São realidades intimamente ligadas, tanto o sentido de uma quanto da outra se constroem reciprocamente.  

Acertadamente, diríamos que pessoa livre é pessoa que ama. Para tornar-se pessoa é necessário passar pela experiência do amor. Não há ser verdadeiramente humano fora do amor. Este acontece na simplicidade e na humildade do cotidiano da vida.  

            Hoje, mais do que em outras épocas da história, vivemos marcados pela imagem e pelo discurso. O desenvolvimento dos meios de comunicação facilita a criação de imagens e discursos. A respeito do amor, criaram-se inúmeras representações artísticas. Fala-se e visualiza-se o amor de diversas formas. Há um colorido bonito de ver, pois atrai e encanta multidões em todo o mundo. A criatividade e a fantasia humana são férteis.  

Tudo é muito belo e gera nas pessoas inúmeras sensações, emoções e sentimentos. É o mundo da fantasia, da fuga e da ilusão. De repente, quando despertamos deste sono gostoso, encontramo-nos diante da realidade: inúmeras formas de violência assolando a humanidade e as pessoas cada vez mais egoístas. Não restam dúvidas a respeito do seguinte: há muito egoísmo escondido por trás de muitos discursos e pequenos afagos que tentam falar de amor.

            Os cantores dizem que amam seus fãs, compondo músicas que falam mais de apego que de amor; os atores e atrizes das novelas e filmes afirmam que fazem tudo pelo público; os jogadores de futebol demonstram interesse pela felicidade do torcedor; a grande mídia somente deseja que o leitor e telespectador mantenham-se livres e informados; o neopentecostalismo das Igrejas cristãs promete a solução para todos os problemas materiais e espirituais; inúmeros casais juram amor eterno numa cumplicidade de dar gosto de ver... São algumas demonstrações de egoísmo mascaradas pela doçura de um vocabulário que nos causam admiração!  

Dizem que o egoísmo é amor e este é egoísta. Há coisa mais diabólica do que essa? Necessitamos de demônios para nos arrastar para as profundezas do inferno? Não. Já experimentamos o inferno. Necessitamos, na verdade, de nos libertarmos do egoísmo e para isto temos que tirar suas inúmeras máscaras. Amor jamais é egoísmo e este jamais conduz aquele.

            Quando as pessoas acreditam no amor de palavras somente podem se encontrar com a frustração. Se o amor de palavras não se confirma pelo amor de atos, tudo não passa de uma perigosa mentira. O amor de palavras gera traição. Esta aparece em todos os campos das relações humanas: traição na amizade, no namoro, no casamento, no trabalho, na fé etc. Quem trai gosta do discurso e trai discursando. O traidor é mentiroso e fraco, pois se entregou ao amor de palavras. Seus gestos, quando aparecem, são superficiais e falsos. Estão em função da traição.  

Quem ama também usa o recurso das palavras, mas o traidor depende imprescindivelmente delas para manter-se em sua aparência de amor. No mundo atual há uma ideologia legitimadora da traição, que diz: “Quem nunca traiu atire a primeira pedra!” A ideia é tornar a traição coisa natural, e o pior é que muitos a reconhecem como uma forma eficaz de amadurecimento pessoal!

No evangelho, Judas Iscariotes, um dos discípulos de Jesus, o vendeu por trinta moedas de prata, entregando-o às autoridades para ser crucificado. Aqui não interessa a historicidade ou não do relato bíblico, mas nos interessa um dado um tanto curioso: o traidor conviveu com seu mestre e com este pôs a mão no prato. Todo traidor procura conhecer com certa precisão suas vítimas para não ser pego de surpresa. Como se trata de um mentiroso, então sua mentira não se sustenta por muito tempo.

            Por que citamos a traição para falar do amor e do egoísmo? Porque este último, no fundo, é um traidor. Para os que professam a fé em Jesus, o Cristo, o amor de Deus é revelado no mais profundo de seus corações. Todo aquele que deseja seguir Jesus, segue-o amando o próximo porque o amor de Deus se revela no amor ao próximo.  

Portanto, há duas opções claras: ou amamos o próximo para conhecermos a Deus, ou nos fechamos ao amor, egoisticamente nos entregando à traição. Para quem não ama, resta a traição. O Deus e Pai de Jesus nos confiou a missão de amar, portanto, quando nos recusamos a este amor estamos fugindo de nossa responsabilidade perante Deus.

O amor reclama responsabilidade. Em sua missão, Jesus foi tentado a trair o projeto de Deus, mas não o fez. Não o fez porque viveu unido ao Pai e este o sustentou com seu amor. A fidelidade é sustentada pelo amor. Quando não nos deixamos sustentar pelo amor nos tornamos, inevitavelmente, infiéis, ou seja, traidores.

            O que significa amar com obras e em verdade? A resposta desta importante questão nos revela o discípulo de Jesus. Amar com palavras e com a língua é muito fácil, não custa muito. Podemos muito com o pensamento e com a palavra. O desafio é amar com obras e em verdade. Aqui entra o quesito responsabilidade.  

A vida nos confia o cuidado de pessoas: marido e mulher, pais e filhos, casais de namorados, patrões e funcionários, mulheres e homens revestidos com poderes para o cuidado da coisa pública (o legislativo, o executivo e o judiciário), todos em relação à natureza, os pastores em relação ao povo de Deus etc. Amar com obras é cuidar, responsavelmente. Isto também consiste o amor em verdade.

Se cada pessoa procurasse cuidar do próximo, desinteressadamente, o mundo seria melhor. Ir ao encontro do outro e com este conviver visando o seu bem, fazendo-lhe o melhor. Ao contrário, o egoísta não deseja nem procura o bem do outro, mas serve-se deste para a satisfação dos próprios interesses. Isto é traição do amor. Porque somente pensa em si mesmo, torna-se capaz de passar por cima do outro para alcançar seus objetivos mesquinhos. O egoísta é mesquinho por natureza. Desconhece o amor porque vive encerrado no próprio mundo no qual agoniza e morre sufocado.

Dominado pelo gravíssimo pecado da indiferença, os problemas do mundo e do outro não lhe interessam. Quando sai ao encontro do outro, o faz com algum interesse. Neste sentido, não sabe ser fraterno porque desconhece a fraternidade; não sabe partilhar porque só quer receber; não perdoa porque não vê vantagem no perdão. Enfim, o egoísta é uma criatura de uma mediocridade vergonhosa, tornando-se pedra de tropeço no autêntico progresso da vida no mundo. Não contribui, mas somente suga o que os outros produzem. Quer tirar vantagem em tudo. Quando morre, faz falta somente àqueles com os quais partilhou de seu egoísmo.

            Qual a contribuição da religião para a libertação do egoísmo? A missão da religião é simples e profética: apontar para o pobre necessitado. Lembrar a todos da existência do outro. Recordar e explicitar o valor da fraternidade. Anunciar à humanidade que somente o amor liberta o ser humano do egoísmo.  

No cristianismo, não se deve perder de vista aquilo que ensinou Jesus: somos filhos de um mesmo Pai, que ama a todos, indistintamente. O testemunho missionário de Jesus nos assegura a seguinte sentença que deve ser gritada em cima dos telhados para que todos possam ouvir: QUEM CHAMA A DEUS DE PAI E ABANDONA O PRÓXIMO É MENTIROSO!

Não adianta ser religioso: participar do culto, “pagar” o dízimo, receber a Eucaristia, confessar-se com o padre, contribuir com a festa do padroeiro, venerar Maria e todos os santos, crer em todas as crenças religiosas, fazer novena e ser amigo do padre... Se tudo isto e tudo o mais que constitui o ser religioso não for acompanhado pelo amor de atos, de nada vale. Chamar a Deus de Pai implica, necessariamente, reconhecer o outro como irmão em Jesus, o Cristo, e sê-lo de fato. Nisto consiste o Reino de Deus e a salvação da humanidade.


Tiago de França

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