“O
Espírito vem em socorro de nossa fraqueza” (Rm 8, 26).
O evangelho segundo Mateus fala do Reino de Deus com
Jesus contando parábolas para o povo. Nossa meditação quer acompanhar Jesus
quando fala que o “reino dos céus” (Mateus usa reino dos céus e não reino de
Deus, que é a mesma coisa) é como um homem que semeou boa semente no seu campo,
como uma semente de mostarda que um homem semeou em seu campo e como o fermento
que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha, até que tudo fique
fermentado (cf. Mt 13, 24 – 43).
São
três parábolas para falar da realidade do reino de Deus. Há dois elementos que
são comuns às três: a pequenez e o mistério que se manifesta na discrição,
no silêncio, no escondido.
Na primeira parábola, a boa semente é semeada e o homem
não sabe como ela germina. A germinação acontece no segredo. O joio também
aparece como algo estranho, que não foi semeado, mas que foi colocado por um
inimigo, que não queria ver a semente germinar com tranquilidade. O joio foi
colocado para atrapalhar o processo de germinação da boa semente. Mais adiante,
o próprio Jesus vai dizer que esta boa semente são os que pertencem ao Reino e
o joio são os que pertencem ao maligno. A semente e o joio estão juntos e
somente no tempo da colheita serão devidamente separados.
Na segunda parábola, a semente é de mostarda: a menor de
todas, mas que quando cresce, fica maior do que as outras plantas. Torna-se uma
árvore frondosa, acolhedora dos pássaros que vem e fazem seus ninhos.
Na terceira parábola, o Reino é comparado a uma porção de
fermento colocado em três porções de farinha. O fermento faz crescer a massa e
o bolo fica bonito de ver e gostoso para comer!
Vejam a simplicidade das parábolas de Jesus. Ele as conta
de propósito. Em particular, explicava aos discípulos o seu sentido e alcance. Hoje,
os cristãos precisam compreender estas parábolas e contá-las com alegria e
esperança. Felizes as mulheres e os homens que conseguem compreender o mistério
do Reino de Deus!
É
motivo de alegria e esperança porque é a nossa salvação. O Reino acontece no
desenvolvimento da história humana, história marcada por progressos e
retrocessos, inclusões e exclusões, vitórias e fracassos, sofrimentos e
alegrias. Aos olhos da carne, a realidade do mundo atual parece sombria e, de
fato, é assustadora. Quantas mortes provocadas por tantos conflitos, quanto
sofrimento!... Onde está o Reino de Deus?...
Recentemente, o ator Wagner Moura, em um curta-metragem
(espécie de pequeno filme!) levantou algumas perguntas ao Cristo Redentor,
patrimônio artístico da cidade do Rio de Janeiro: ele clama pelo Cristo,
querendo uma resposta diante de tanta violência e perversidade humana. A Cúria
metropolitana da cidade emitiu uma espécie de censura às palavras do ator. Não o
compreendeu.
Na
Bíblia e na história da Igreja, tantas mulheres e homens questionaram a Deus. Há
alguns anos, o teólogo e papa Bento XVI ficou se perguntando pela presença de
Deus no massacre dos judeus, vítimas do nazismo de Adolf Hitler, na primeira metade
do séc. XX, na Alemanha. Somente os místicos compreendem o silêncio de Deus
naquela e em tantas outras ocasiões. Não há um estudioso neste mundo que seja
capaz de falar com precisão deste ensurdecedor silêncio divino. Vão ter que
meditar e ousar mergulhar no mistério da presença-ausência de Deus na história
para encontrarem as possíveis respostas.
No início de nossa reflexão citamos a pequenez. Perdoem-nos os mais piedosos
de todas as Igrejas cristãs, mas o que Jesus quis dizer com estas parábolas não
é aquilo que escutamos falar nos templos. Na verdade, até falam do sentido das
parábolas de Jesus, mas preferem ficar na superficialidade. Esta é a marca dos
medrosos e dos covardes, que se recusam a experimentar na carne o encontro com
a carne do Cristo Jesus.
Este
encontro é evitado pela maioria dos crentes porque se trata de um encontro
difícil, doloroso e, muitas vezes, cruel. Estamos falando do encontro com a
cruz de Cristo e seus crucificados. Não estamos falando do crucifixo pendurados
nos pescoços de muitos, como se fosse o verdadeiro distintivo dos cristãos. Isso
é modismo piedoso!
A Igreja e todos cristãos são chamados por Jesus para
compreender que o Reino aparece na história a partir dos pobres. Estes são os pequeninos de Deus, os que possuem as
condições de possibilidade da autêntica compreensão do Reino. Para compreender o Reino tem que se tornar
pequeno. Não estamos falamos de uma compreensão meramente intelectual, mas
de uma compreensão existencial. Existir
na pequenez.
Esta
existência se encontra na contramão da história de todos os tempos, pois as
pessoas querem ser grandes, querem e lutam pelo poder. O ser humano quer
dominar, controlar, manipular, ascender. O movimento do Reino está na direção
totalmente oposta. Os que pertencem ao Reino não desejam controlar nada nem
ninguém, pois sabem que não são donos nem da própria vida porque suas vidas se
encontram escondidas com Cristo em Deus (mensagem paulina do mistério divino).
Na sociedade atual, a maioria dos cristãos não segue
Jesus por uma razão muito simples de entender: busca-se o poder, tanto na vida
privada quanto na vida pública. Estamos em ano eleitoral, e o que a maioria dos
políticos busca? O poder! Nos seminários há inúmeros jovens querendo ser padres
(alguns já pensam em ser bispos!), e o que muitos procuram? O poder! Muitos
jovens se encontram nos bancos das universidades públicas e privadas do país, e
o que a maioria busca? O poder! O poder é o maligno que sempre dominou as
diversas esferas de atuação humana.
Quem
pensar que este maligno é um espírito tentador que nos acompanha exteriormente,
arrastando-nos para o fogo do inferno, está muito enganado. O demônio é o outro
que abandona o projeto de Deus e se coloca nas fileiras que fortalecem as
forças do anti-Reino.
Demônios
são aqueles homens dominados pelo ódio, que atiram um míssil em direção a um
avião com mais de 295 pessoas a bordo, causando-lhes a morte! Nas Igrejas e no
mundo há muitos demônios, e alguns andam bem disfarçados de cordeiros, mas que
vivem ansiosos para devorar a vida dos filhos e filhas de Deus. São consumidores
insaciáveis de carnes humanas que não escaparão do juízo de Deus!
O
mistério do Reino está onde ele se manifesta. Parte dele é plenamente
escatológico, ou seja, somente será revelado na volta de Jesus, no fim dos
tempos. Saibam todos os poderosos e seus aliados, que o Reino está acontecendo nas periferias do mundo, onde acontece a
solidariedade entre os pobres.
Visualize
comigo a seguinte situação verídica, ocorrida no Rio de Janeiro e veiculada pela
mídia oficial: um homem, pobre e negro, se sente mal e é abandonado,
propositadamente, à frente de um hospital particular. O direito fundamental à
saúde lhe é assegurado na Constituição. Outros pobres olham e gritam com ele
por socorro, mas enfermeiros e médicos do hospital se recusam a atendê-lo. Ali mesmo,
caído e dominado pelas dores, o homem morre. Desde o diretor do hospital até os
enfermeiros omissos e covardes, surgem explicações que nada resolvem nem
justificam. Aquele pobre homem representa bem os que pertencem ao Reino:
pequeno, desvalido, indefeso e marginalizado. Enquanto isto acontece, a Cúria
metropolitana, constituída pelos representantes oficiais da religião católica,
está preocupada com pseudo-ofensas feitas por um dos atores mais famosos da
cinematografia brasileira.
É
na solidariedade dos pequenos que o Reino surge e acontece. Qual o significo
desta afirmação? Tudo é muito simples, mas difícil de aceitar! Em primeiro lugar,
a hierarquia da eclesiástica (o clero) precisa realizar verdadeiramente na
Igreja a opção pelos pobres. Para
isto, é preciso abandonar as alianças com os ricos, principalmente com os que
se utilizam de tais alianças para aumentarem seu poder. O clero precisa abandonar
também a cultura dos ricos, geradora da “psicologia de príncipes”, mencionada
pelo papa Francisco quando de sua vinda recentemente ao Brasil.
Em
segundo lugar, rever as estruturas da Igreja através de uma corajosa reforma. Não
nos referimos à mudança nos discursos, mas às necessárias transformações das
estruturas da Igreja. Sem mudanças
estruturais não há como optar pelos pobres. Desse modo, esta opção
continuará no discurso. O clero continua sendo uma casta clerical reservada a
homens formados em filosofia e teologia, homens separados da vida do povo,
salvo algumas exceções de corajosos. Portanto, a mencionada conversão
estrutural apontada no Documento de Aparecida é necessária, mas ainda não foi
efetivada na Igreja.
Há
muitos discursos bem intencionados e pouca ação no sentido da mencionada
conversão. Quando esta conversão da Igreja acontecer de fato, o Reino de Deus
crescerá abundantemente entre os cristãos católicos. Como o Reino não depende
necessariamente da ação da Igreja para acontecer, graças à ação do Espírito do
Senhor ele está acontecendo, silenciosa e discretamente, no meio do mundo. Abramos
nosso coração à ação do Espírito, a fim de sermos, de fato, membros do Reino de
Deus.
Tiago de França
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