sábado, 19 de julho de 2014

O Reino de Deus hoje

“O Espírito vem em socorro de nossa fraqueza” (Rm 8, 26).

            O evangelho segundo Mateus fala do Reino de Deus com Jesus contando parábolas para o povo. Nossa meditação quer acompanhar Jesus quando fala que o “reino dos céus” (Mateus usa reino dos céus e não reino de Deus, que é a mesma coisa) é como um homem que semeou boa semente no seu campo, como uma semente de mostarda que um homem semeou em seu campo e como o fermento que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha, até que tudo fique fermentado (cf. Mt 13, 24 – 43).

São três parábolas para falar da realidade do reino de Deus. Há dois elementos que são comuns às três: a pequenez e o mistério que se manifesta na discrição, no silêncio, no escondido.  

            Na primeira parábola, a boa semente é semeada e o homem não sabe como ela germina. A germinação acontece no segredo. O joio também aparece como algo estranho, que não foi semeado, mas que foi colocado por um inimigo, que não queria ver a semente germinar com tranquilidade. O joio foi colocado para atrapalhar o processo de germinação da boa semente. Mais adiante, o próprio Jesus vai dizer que esta boa semente são os que pertencem ao Reino e o joio são os que pertencem ao maligno. A semente e o joio estão juntos e somente no tempo da colheita serão devidamente separados.

            Na segunda parábola, a semente é de mostarda: a menor de todas, mas que quando cresce, fica maior do que as outras plantas. Torna-se uma árvore frondosa, acolhedora dos pássaros que vem e fazem seus ninhos.

            Na terceira parábola, o Reino é comparado a uma porção de fermento colocado em três porções de farinha. O fermento faz crescer a massa e o bolo fica bonito de ver e gostoso para comer!

            Vejam a simplicidade das parábolas de Jesus. Ele as conta de propósito. Em particular, explicava aos discípulos o seu sentido e alcance. Hoje, os cristãos precisam compreender estas parábolas e contá-las com alegria e esperança. Felizes as mulheres e os homens que conseguem compreender o mistério do Reino de Deus!  

É motivo de alegria e esperança porque é a nossa salvação. O Reino acontece no desenvolvimento da história humana, história marcada por progressos e retrocessos, inclusões e exclusões, vitórias e fracassos, sofrimentos e alegrias. Aos olhos da carne, a realidade do mundo atual parece sombria e, de fato, é assustadora. Quantas mortes provocadas por tantos conflitos, quanto sofrimento!... Onde está o Reino de Deus?...

            Recentemente, o ator Wagner Moura, em um curta-metragem (espécie de pequeno filme!) levantou algumas perguntas ao Cristo Redentor, patrimônio artístico da cidade do Rio de Janeiro: ele clama pelo Cristo, querendo uma resposta diante de tanta violência e perversidade humana. A Cúria metropolitana da cidade emitiu uma espécie de censura às palavras do ator. Não o compreendeu.  

Na Bíblia e na história da Igreja, tantas mulheres e homens questionaram a Deus. Há alguns anos, o teólogo e papa Bento XVI ficou se perguntando pela presença de Deus no massacre dos judeus, vítimas do nazismo de Adolf Hitler, na primeira metade do séc. XX, na Alemanha. Somente os místicos compreendem o silêncio de Deus naquela e em tantas outras ocasiões. Não há um estudioso neste mundo que seja capaz de falar com precisão deste ensurdecedor silêncio divino. Vão ter que meditar e ousar mergulhar no mistério da presença-ausência de Deus na história para encontrarem as possíveis respostas.

            No início de nossa reflexão citamos a pequenez. Perdoem-nos os mais piedosos de todas as Igrejas cristãs, mas o que Jesus quis dizer com estas parábolas não é aquilo que escutamos falar nos templos. Na verdade, até falam do sentido das parábolas de Jesus, mas preferem ficar na superficialidade. Esta é a marca dos medrosos e dos covardes, que se recusam a experimentar na carne o encontro com a carne do Cristo Jesus.  

Este encontro é evitado pela maioria dos crentes porque se trata de um encontro difícil, doloroso e, muitas vezes, cruel. Estamos falando do encontro com a cruz de Cristo e seus crucificados. Não estamos falando do crucifixo pendurados nos pescoços de muitos, como se fosse o verdadeiro distintivo dos cristãos. Isso é modismo piedoso!

            A Igreja e todos cristãos são chamados por Jesus para compreender que o Reino aparece na história a partir dos pobres. Estes são os pequeninos de Deus, os que possuem as condições de possibilidade da autêntica compreensão do Reino. Para compreender o Reino tem que se tornar pequeno. Não estamos falamos de uma compreensão meramente intelectual, mas de uma compreensão existencial. Existir na pequenez.  

Esta existência se encontra na contramão da história de todos os tempos, pois as pessoas querem ser grandes, querem e lutam pelo poder. O ser humano quer dominar, controlar, manipular, ascender. O movimento do Reino está na direção totalmente oposta. Os que pertencem ao Reino não desejam controlar nada nem ninguém, pois sabem que não são donos nem da própria vida porque suas vidas se encontram escondidas com Cristo em Deus (mensagem paulina do mistério divino).

            Na sociedade atual, a maioria dos cristãos não segue Jesus por uma razão muito simples de entender: busca-se o poder, tanto na vida privada quanto na vida pública. Estamos em ano eleitoral, e o que a maioria dos políticos busca? O poder! Nos seminários há inúmeros jovens querendo ser padres (alguns já pensam em ser bispos!), e o que muitos procuram? O poder! Muitos jovens se encontram nos bancos das universidades públicas e privadas do país, e o que a maioria busca? O poder! O poder é o maligno que sempre dominou as diversas esferas de atuação humana.  

Quem pensar que este maligno é um espírito tentador que nos acompanha exteriormente, arrastando-nos para o fogo do inferno, está muito enganado. O demônio é o outro que abandona o projeto de Deus e se coloca nas fileiras que fortalecem as forças do anti-Reino.

Demônios são aqueles homens dominados pelo ódio, que atiram um míssil em direção a um avião com mais de 295 pessoas a bordo, causando-lhes a morte! Nas Igrejas e no mundo há muitos demônios, e alguns andam bem disfarçados de cordeiros, mas que vivem ansiosos para devorar a vida dos filhos e filhas de Deus. São consumidores insaciáveis de carnes humanas que não escaparão do juízo de Deus!

O mistério do Reino está onde ele se manifesta. Parte dele é plenamente escatológico, ou seja, somente será revelado na volta de Jesus, no fim dos tempos. Saibam todos os poderosos e seus aliados, que o Reino está acontecendo nas periferias do mundo, onde acontece a solidariedade entre os pobres.

Visualize comigo a seguinte situação verídica, ocorrida no Rio de Janeiro e veiculada pela mídia oficial: um homem, pobre e negro, se sente mal e é abandonado, propositadamente, à frente de um hospital particular. O direito fundamental à saúde lhe é assegurado na Constituição. Outros pobres olham e gritam com ele por socorro, mas enfermeiros e médicos do hospital se recusam a atendê-lo. Ali mesmo, caído e dominado pelas dores, o homem morre. Desde o diretor do hospital até os enfermeiros omissos e covardes, surgem explicações que nada resolvem nem justificam. Aquele pobre homem representa bem os que pertencem ao Reino: pequeno, desvalido, indefeso e marginalizado. Enquanto isto acontece, a Cúria metropolitana, constituída pelos representantes oficiais da religião católica, está preocupada com pseudo-ofensas feitas por um dos atores mais famosos da cinematografia brasileira.

É na solidariedade dos pequenos que o Reino surge e acontece. Qual o significo desta afirmação? Tudo é muito simples, mas difícil de aceitar! Em primeiro lugar, a hierarquia da eclesiástica (o clero) precisa realizar verdadeiramente na Igreja a opção pelos pobres. Para isto, é preciso abandonar as alianças com os ricos, principalmente com os que se utilizam de tais alianças para aumentarem seu poder. O clero precisa abandonar também a cultura dos ricos, geradora da “psicologia de príncipes”, mencionada pelo papa Francisco quando de sua vinda recentemente ao Brasil.

Em segundo lugar, rever as estruturas da Igreja através de uma corajosa reforma. Não nos referimos à mudança nos discursos, mas às necessárias transformações das estruturas da Igreja. Sem mudanças estruturais não há como optar pelos pobres. Desse modo, esta opção continuará no discurso. O clero continua sendo uma casta clerical reservada a homens formados em filosofia e teologia, homens separados da vida do povo, salvo algumas exceções de corajosos. Portanto, a mencionada conversão estrutural apontada no Documento de Aparecida é necessária, mas ainda não foi efetivada na Igreja.

Há muitos discursos bem intencionados e pouca ação no sentido da mencionada conversão. Quando esta conversão da Igreja acontecer de fato, o Reino de Deus crescerá abundantemente entre os cristãos católicos. Como o Reino não depende necessariamente da ação da Igreja para acontecer, graças à ação do Espírito do Senhor ele está acontecendo, silenciosa e discretamente, no meio do mundo. Abramos nosso coração à ação do Espírito, a fim de sermos, de fato, membros do Reino de Deus.

Tiago de França

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