“Coragem!
Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14, 27).
A vida humana é marcada pela coragem e pelo medo. Ninguém
escapa dessas realidades. O problema não é sentir medo, mas se deixar dominar
por ele, pois é capaz de paralisar a pessoa, impedindo-a de viver, de construir
a vida. Nossa reflexão, à luz do evangelho (cf. Mt 14, 22 – 33), quer refletir
sobre esta relação conflituosa que há entre a coragem e o medo, entre a fé e a
dúvida.
O
texto narra Jesus indo ao encontro de seus discípulos andando sobre as águas,
durante a madrugada, após um momento de oração a sós com seu Pai. Aqui não nos
interessa saber se Jesus realmente andou ou não sobre as águas. Tudo no texto é
teológico, não resistindo, portanto, a provações históricas. A historicidade do
fato é o que menos interessa. Vamos à meditação.
Inicialmente, Jesus manda os discípulos entrarem na barca
e seguirem, à sua frente, para o outro lado do mar, terra dos pagãos. Em seguida,
despede as multidões e sobe ao monte para orar a sós. No monte Jesus permaneceu
até às 3 horas da madrugada. É o tempo do silêncio, da meditação, do diálogo
com Deus, da reflexão sobre a própria vida e sobre a caminhada.
Todo
cristão precisa fazer como Jesus: subir ao monte para orar a sós. Hoje se evita
muito este “estar a sós”. Muita gente não dar conta e foge. Prefere o barulho ensurdecedor
porque se recusa a conhecer seus próprios demônios interiores. Não é pequeno o
número dos que afundam e morrem nas águas do mar impetuoso da vida. Quem evita
a si mesmo não tem condições para ir ao encontro do outro e não vai muito
longe. Afoga-se.
Enquanto Jesus ora a sós, os discípulos estão sozinhos
enfrentando o mar agitado. Situação difícil a deles. É a situação de toda
pessoa que nasce neste mundo: a de ter que enfrentar, corajosamente, o mar
bravio da vida. As dificuldades e tentações são inúmeras. A vontade de desistir
e de se entregar ao desânimo bate à porta. Em muitos casos, aparece o
desespero, que leva à depressão, ao suicídio e a tantas outras situações de
morte. São as ondas e o vento contrário.
Não
se trata da brisa suave na qual Deus se revelou ao profeta Elias (cf. 1 Reis
19, 12 – 13), mas do vento que vem em forma de vendaval, um verdadeiro furacão
destruidor. Exemplo disso, a atual situação dos palestinos no Oriente Médio.
Israel é esse vento desastroso que ceifa impiedosamente a população palestina.
De madrugada, Jesus vai ao encontro de seus discípulos,
mas estes não o reconhecem: pensam ser um fantasma! A imagem é meio estranha
mesmo: de repente, de madrugada, um homem andando sobre as águas! Deixando de
lado nossa fantasia, voltemos nossa atenção para o verbo reconhecer.
No
meio do tumulto e das turbulências da vida, muitos cristãos se sentem
abandonados por Deus. Não conseguem enxergar a sua presença amorosa e
salvadora. Repetem com Jesus na cruz: “Pai,
por que me abandonaste?” Não conseguem encontrar a luz no fim do túnel, mas
ela está lá. Mesmo crendo que Deus jamais abandona seus filhos e filhas,
sentem-se como que desiludidos, desorientados, confusos e abatidos. Aqui aparece
a dúvida.
Apesar de tudo isso e a partir de toda esta situação
angustiadora, surge Jesus, o Cristo, caminhando tranquilamente sobre as águas
impetuosas. Nas Igrejas cristãs, muitos pastores passam para seus fieis essa
imagem gloriosa de Jesus, incutindo em suas cabeças outra bem pior: a de que
Jesus vem ao nosso encontro para resolver todos os nossos problemas.
Neste
sentido, aceitar Jesus significa acolhê-lo na vida, a fim de que esta fique em
paz e goze de toda sorte de bens e da tranquilidade necessária. Este é o
fundamento da teologia da prosperidade. Cria-se e cultiva-se a imagem de Cristo
todo-poderoso. Para a tristeza e frustração de muitos, felizmente, temos que
dizer: este Cristo todo-poderoso é projeção da fantasia e dos desejos humanos. Não
é o Cristo do evangelho.
Os discípulos não reconheceram Jesus, e isto é muito
grave! Até hoje a situação, infelizmente, é esta: inúmeros cristãos não
reconhecem Jesus e se recusam a reconhecê-lo. Preferem criar um Jesus que
corresponda à satisfação doentia de seus desejos, que confirme seu egoísmo e
indiferença. As pessoas não querem se converter, mas viver uma ilusão de fé.
Para
todos os que desejam segui-lo, diz Jesus: “Coragem!
Sou eu. Não tenhais medo!” Libertar-se do medo não é tarefa fácil. É mais
fácil se entregar ao medo do que ter coragem. O medo existe porque as pessoas
se apegam umas às outras e às coisas. O apego gera toda espécie de medo: medo
de perder os bens, a reputação, um parente, o esposo, a esposa, o emprego, a
própria vida etc. De modo geral, as pessoas se acomodam no medo e por ele são
dominadas por toda a vida. Poucos são os que se libertam.
O apóstolo Pedro, ousadamente, quer viver a experiência de
Jesus: caminhar sobre as águas. Sentindo o vento, ficou com medo e afundou,
indo ao encontro de Jesus. Diante de sua fraqueza, socorrendo-o, afirma Jesus: “Homem fraco na fé, por que duvidaste?” O
medo está ligado também à dúvida. Duvidar da presença e da força de Jesus não
faz bem ao cristão. É um grave sinal de fraqueza, mas é experimentando esta que
a fé se fortalece.
A
fé precisa ser provada quando se começa a afogar-se nas águas do mar da vida. Em
quê o ser humano põe a sua esperança e a sua segurança? No dinheiro, no
prestígio, no poder? Confiando e pautando a vida nestas coisas, com certeza
perecerá. Não restam dúvidas disso e a história humana está aí para confirmar
esta certeza.
“Assim que subiram
no barco, o vento se acalmou”: é o que acontece quando o cristão reconhece,
acolhe e confia em Jesus. O movimento do vento é oscilante: ora se acalma, ora
se agita, e tal agitação não depende da vontade humana. O vento é livre e sopra
onde quer, dele ninguém escapa. Se nossa segurança, esperança e confiança estão
em Deus, o Pai de Jesus, o Messias, então estamos, verdadeiramente, seguros,
mas totalmente expostos às tempestades da vida.
Na
oração do Pai nosso Deus não nos livra da tentação, mas nos assegura que não
nos deixa cair nela. Jesus sabia que o mar estaria agitado, mas mandou seus
discípulos irem sozinhos. Deus é nosso Pai e nosso Tudo, mas nos deixa livres
para fazermos nossas escolhas. Ele não nos controla, nem nos domina. Não está
no comando de nada. É o companheiro de todas as horas, o amor que nos guia,
ilumina, sustenta e salva. As Igrejas precisam acolher este amor para anunciá-lo
ao mundo através da palavra e do testemunho. A mulher e o homem de nossos dias
carecem desse amor, pois são poucos os que o conhecem.
Tiago de França
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