sábado, 16 de agosto de 2014

Assunção de Maria e seu canto de alegria

“Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia” (Lc 1, 39).

            O início do relato bíblico da visita de Maria, mãe de Jesus, à sua prima Isabel, mãe do profeta João, merece nossa atenção. Aparecem dois verbos que nos fazem pensar o sentido da fé cristã. O primeiro é o verbo partir, que indica ação, movimento, saída, deslocamento. Na vida humana temos várias partidas até a partida definitiva deste mundo. A dinâmica da vida está marcada essencialmente por este partir. A vida obriga a sair. Mesmo assim, há aqueles que se recusam a sair, preferindo viver amarrados, arraigados, parados, estagnados.

            Partir, mas para onde e para quê? Jesus, o Nazareno, viveu sua missão praticando a ação indicada pelo verbo partir. Teve que sair de sua terra, do seio de sua família, para ir ao encontro das pessoas, para lhes anunciar o Reino de Deus. Os que se tornam seus discípulos recebem dele o convite para fazerem a mesma coisa: “Ide e anunciai!”  

Não existe anúncio sem o partir. Este, felizmente, provoca o encontro, o feliz encontro com Deus no outro. Numa sociedade marcada pela promoção do conforto gerado pelas inúmeras tecnologias, somos tentados a viver parados, encontrando-nos virtualmente. Só que a vida não é mera virtualidade.

            Partir para quê? Para enganar, tirar proveito, humilhar, dominar o outro? Esta não é a missão cristã. Hoje, geralmente, as pessoas saem de si mesmas para fazer estas coisas. Na verdade, elas continuam ensimesmadas, pensando que estão saindo de si. Estas coisas constituem egoísmo.  

Observemos as guerras e os conflitos de forma geral, não encontramos outra verdade senão esta: instituições, grupos e pessoas buscando a satisfação dos próprios interesses. Para isto, enganam, tiram proveito, humilham, dominam o outro. Tudo ocorre em nome de uma pseudodemocracia, de um falso amor. Israel afirma que está se defendendo dos ataques palestinos matando milhares de pessoas. Há uma fria e diabólica reciprocidade na sede sangrenta pelo poder.

            O segundo verbo se torna completo pela pressa: Maria dirigiu-se, apressadamente. Trata-se de um verbo que revela certa convicção da pessoa que está envolvida na sua ação. Ninguém se dirige apressadamente para algum lugar à toa. Algo está instigando, chamando, provocando a ação.  

Isabel, grávida, esperava por Maria. Esta foi servi-la, fraternalmente. Desse modo, o verbo dirigir-se revela algo belo, profundamente humano e espiritual: o amor fraterno. O serviço mútuo vivido por quem realmente ama é gerador de fraternidade. Quem necessita da ação amorosa tem pressa, e Maria sabia disso.

            Quem está nos esperando, hoje? Não precisamos ir morar na África para estarmos com os pobres. Se o fizermos, os pobres de lá também precisam e Deus se alegrará com nossa disponibilidade; mas ao nosso redor há quem nos esperar: nossos pais, filhos, amigos, os vizinhos, ou o desconhecido que nos surpreende com seu rosto desconcertante.  

Dirigir-se, apressadamente, é um desafio. Primeiro, porque há uma força que nos fala, interiormente: Não, vou ficar aqui mesmo, curtindo o meu egoísmo! Quem quiser, que venha até mim! Não é pequeno o número dos que se deixam convencer e dominar por esta força de morte.

            Por outro lado, há uma vontade, que parece ser da natureza mesma do ser humano, que interpela, empurra, desinstala, convencendo-nos de que, de fato, só crescemos, humana e espiritualmente, quando vivemos a verdadeira comunhão. O amor é comunhão de pessoas.  

Tomemos cuidado somente com uma coisa: a comunhão não é exclusiva, mas inclusiva do outro, do diferente, daquilo que, especialmente, nos incomoda. Comunhão não é formação de guetos, mas encontro de pessoas que se querem bem no amor, de pessoas que comungam sem a anulação de suas individualidades e/ou particularidades. Comunhão não é uniformidade, mas encontro alegre e respeitoso das diferenças.

            No relato bíblico completo (cf. Lc 1, 39 – 56), utilizado pelas comunidades cristãs católicas neste fim de semana, durante a celebração litúrgica da assunção de Maria, aparece um cântico que o evangelista Lucas põe na boca da mãe de Jesus. Este cântico relata o que estamos afirmando desde o início de nossa reflexão.  

Maria age conforme a sua fé. Ela crê em um Deus que desceu para visitar e libertar o seu povo e com este permaneceu (cf. o início do livro do Êxodo). A experiência divina é exodal. Quem quiser fazê-la, terá que partir, dirigir-se, apressadamente. Hoje, as Igrejas cristãs são chamadas a fazerem a mesma coisa que Maria fez: partir e se dirigir, às pressas, ao encontro daquelas pessoas grávidas, prestes a dar à luz a outro mundo possível. É dessa forma que Maria participa, antecipadamente, da glória de Deus; participação que não a transformou em um ser superior aos demais crentes, mas nos convida à mesma participação.


Tiago de França

Nenhum comentário: