terça-feira, 5 de agosto de 2014

O passar dos anos

             
              Sempre que celebro meu aniversário, me recordo de uma sentença irrefutável: “Tudo passa!” Esta sentença nos convence a respeito da transitoriedade de todas as coisas. Crer nisso significa que não podemos nos apegar a nada, nem em nós mesmos, pois também passamos. Buscar ser livre para ser feliz no amor: eis nossa vocação.

            A vida não é, certamente, uma mera sucessão de horas, dias, meses e anos. Quando falamos da vida estamos nos referindo à plena existência, ao existir que pede mais vida, que almeja felicidade. Esta, por sua vez, não é quantidade, nem pressa. A felicidade é questão de ser, de vir a ser, de construção feliz da própria personalidade, de crescimento quantitativo, de humanidade.

            Falando em humanidade, é desta que precisamos. O mundo está tão cinza, tão avermelhado, tão desanimador. Claro que há rosas, verde, sorriso, amor aflorando em toda parte e no coração de tanta gente. No entanto, há uma massa sem nomes de desvalidos, de esquecidos e mutilados. Escutamos gritos vindos lá dos aglomerados, das pessoas sentindo frio, de crianças impedidas de se tornarem adultas, emudecidas.

            O passar dos anos nos torna amadurecidos. É verdade que alguns regridem, infantilizam-se. Não se tornam crianças, mas somente as aparentam. Na verdade, recusam-se a ver que algo está fora do lugar. Aliás, há muita coisa fora do lugar, há muita desarmonia. Assiste-se a um desequilíbrio e a uma dispersão geral. Há uma massa de gente desorientada que não sabe para onde ir, não encontram referências. Quando aparece a luz, alguém a encobre, impiedosamente.

            Aí está o essencial da vida. Nas entrelinhas e encruzilhadas da história, no meio da confusão e tentando sobreviver, o amor está como que ressoando. Ora se enfraquece, ora resplandece. Evitar o desespero também significa dizer: Gente, nem tudo está perdido! Isto é despertar a esperança. Não aquela esperança de gente desatenta e romântica, mas aquela semeada pelo Nazareno, o pobre Jesus. Estamos falando de uma esperança ativa que se manifesta gloriosamente no mundo quando as pessoas, destemidamente, entregam-se à força mais poderosa do mundo: o amor.

            O passar dos anos nos aponta para o necessário e, portanto, essencial: o amor. Não nos deve cansar de repetir isso: crer no mundo novo é crer na força do amor. Não adianta acreditar e esperar que o poder, o prestígio e a riqueza sejam a solução para a erradicação ou abrandamento dos males que afetam a vida humana. Não adianta. A realidade mostra que o caminho é outro. É outra a saída. Esta se encontra no amor. Naquele amor que não é coisa morna, vomitável. Não! Estamos falamos do novo mandamento de Jesus: um amor belo, forte, ardente, audacioso, doação. Amor que se faz solidariedade e comunhão.

            Há muito tempo e a cada dia que passa cria em mim raízes profundas a seguinte convicção: a de que a vida se transborda no horizonte feliz de uma peregrinação que vale a pena viver. Somos peregrinos nas estradas deste mundo desigual. Deus em Jesus e no Espírito me faz acreditar na existência daquele belíssimo momento do encontro dos filhos com seu Pai. E todos, crentes e não crentes, consciente ou inconscientemente, somos como que atraídos para a festa feliz e duradoura do reencontro entre Criador e criatura. O amor nos conduz, guia-nos, orienta-nos, nos mantém na fidelidade.

            Em meio a tanto pecado e tanta fraqueza, Deus permanece fiel. Ele sabe de que somos feitos. Por isso, absolutamente, não liga para nossas infidelidades. Estas não o prejudicam, mas nos prejudicam. Por isso que Ele é pura misericórdia e acolhida. Sendo dessa forma, ensina-nos, amando-nos, a sermos amorosos. Não há como escapar: pelo amor, por amor e no amor, caminhamos firmes e perseverantes no caminho de Jesus, sentindo as dores de nossas chagas abertas, rumo ao aconchego acolhedor do Deus Pai e Mãe de bondade e ternura.

            Assim, calo-me e recolho-me. Agora termina o dia. Sinto-me feliz. Não ando a procura de nada porque já tenho tudo. O Tudo de nossa vida não nos falta, nem ninguém nos pode tirar. As demais coisas são meras coisas. Estão demasiadamente abaixo do que somos e procuramos ser. Felicidade? Está aqui e agora, dentro. Não é ontem, nem amanhã, mas tão somente agora. É abertura e sensibilidade, é transfiguração para uma nova realidade. Realidade sempre re-novada. Nunca, pois, foi outra. Deus me conserve assim. Obrigado!

Tiago de França

Belo Horizonte – MG, 04/08/14. Linhas do meu diário espiritual, por ocasião da passagem do meu aniversário natalício.

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