“Meus
pensamentos não são como os vossos pensamentos, e vossos caminhos não são como
os meus caminhos, diz o Senhor” (Is 55, 8).
São extraordinárias a beleza e a profundidade expressas
nos textos bíblicos a serem lidos e meditados nas celebrações da Igreja
católica, neste fim de semana (cf. Isaías 55, 6 – 9; Filipenses 1, 20 – 24.27;
Mateus 20, 1 – 16). Como seria bom se todos os cristãos de nossas Igrejas e os
que não se encontram em nenhuma delas, pudessem compreender a liberdade e a
bondade de Deus. Nossa interpretação aponta para a liberdade divina e sua
bondade insondável e infinita.
No evangelho, Jesus compara o Reino de Deus a um patrão que
saiu de madrugada, às nove horas da manhã, ao meio dia, às três horas da tarde
e às cinco horas da tarde para contratar trabalhadores para a sua vinha. Vejam
que o patrão passou o dia inteiro contratando pessoas para a sua vinha. Isso demonstra
sua preocupação com as pessoas. Ele as quer na vinha, trabalhando.
No
Reino de Deus as pessoas são chamadas à ação, não ao mero trabalho. Não se visa
à produtividade, mas o agir constante e perseverante. No fim do dia, na hora do
pagamento dos contratados, o patrão age causando murmurações naqueles que
trabalharam desde as primeiras horas do dia. Ele deu a todos, indistintamente,
o mesmo valor: uma diária a todos! Uma moeda de prata, conforme o combinado.
E Jesus finaliza com as seguintes palavras: “Assim, os últimos serão os primeiros, e os
primeiros serão os últimos”. O que dizer desta belíssima parábola? Este patrão
é o Deus e Pai de Jesus. Diferentemente da imagem divina que aparece no Antigo
Testamento das Escrituras, o Pai é bom. Em outra ocasião, Jesus não quis ser
chamado de bom mestre, porque
ensinava que somente Deus é bom.
Este
bom Pai recebe e acolhe, em primeiro lugar, os que neste mundo são colocados em
último lugar. Em nossas Igrejas cristãs, qual o lugar que estes últimos ocupam?
Há lugar para eles? Há lugar para os mendigos, os viciados, as prostitutas,
enfim, para as “minorias abraâmicas” (expressão do santo bispo, Helder
Câmara)?...
Somente compreende o Pai de Jesus aquele que levar em
conta o que disse o profeta Isaías nos versículos acima transcritos: Deus não
pensa como os homens pensam, e os caminhos humanos não são os seus. O que isto
significa? Significa que Deus é livre e libertador. Ninguém conhece os
pensamentos de Deus, exceto Jesus e o Espírito porque formam com o Pai a divina
comunidade, o Amor.
Mesmo
desconhecendo os insondáveis desígnios divinos, foi do querer deste mesmo Deus
se revelar na pessoa de Jesus. Temos acesso ao Pai em Jesus de Nazaré. Assim,
Deus deixou de ser o Altíssimo, o Senhor dos Exércitos, o Terrível, para se
tornar o Pai que acolhe com bondade, ternura e misericórdia suas filhas e
filhos pecadores. Seus critérios são outros e sua lógica contradiz a lógica
humana.
Neste sentido, não adianta querermos compreendê-lo a
partir dos critérios da lógica deste mundo. Deus não é um Pai carrasco, que
vigia seus filhos e filhas, querendo castigá-los. Os salmos ensinam que Ele não
nos trata como exigem nossas faltas, mas “é
muito bom para com todos, sua ternura abraça toda criatura” (Sl 144 [145]).
Infelizmente, nas Igrejas cristãs e fora delas, a imagem divina é
demasiadamente distorcida.
Na
maioria das vezes, prega-se e acredita-se num Deus com péssimos atributos
humanos: rancoroso, invejoso, cruel, sanguinário, vingativo, enfim, a imagem de
um Deus que trata o ser humano nos moldes humanos de tratamento. Logo se vê que
se trata de idolatria, fundamentada na mentira e na ilusão. O Pai de Jesus não
é nada disso. Precisamos nos libertar desta perversa idolatria, pois quando
levada ao extremo, chega-se a matar em nome deste falso deus.
Então, o que significa acreditar no verdadeiro Deus e Pai
de Jesus? Significa assumir a postura de
irmão/ã. Ser fraterno é abrir-se para o encontro com o outro. Neste encontro o
amor de Deus acontece, o Pai se torna presente. Nas comunidades cristãs deve
existir a fraternidade. Se esta não existir, então não temos comunidade,
mas somente aparência de comunidade.
É
na comunidade que encontramos o amor fraterno. No isolamento não existe amor,
mas egoísmo. Para conhecermos a liberdade e a bondade divinas precisamos viver
a experiência do amor. Trata-se da via única para tal conhecimento.
A renúncia à mania de grandeza é essencial para
tomar parte no Reino de Deus. A violenta vontade de ser grande, importante,
brilhante, esplendoroso; aquele desejo de querer abarcar o mundo; o desejo
oculto e explícito de ter vantagem em tudo; a procura pelos elogios e aplausos;
o viver segundo a lógica do sistema dominante; enfim, tudo isso deve ser
renunciado em função da participação do Reino de Deus.
Este
Reino não acontece a partir destas coisas. Todas passam e tornam inútil a vida
humana. Tudo não passa de vaidade das vaidades! Nas Igrejas, os líderes
religiosos precisam renunciar aquilo que o papa Francisco chamou de “psicologia
de príncipes”, que consiste no servir-se da Igreja para promover-se, para viver
em função do poder, do prestígio e da riqueza.
Deus é livre e quer a liberdade do ser humano, não manipula nem é manipulado por ninguém. Não somente
quer ver o homem livre, mas trabalha, diuturnamente, para que isto acontece. Na
força e na graça do Espírito, trabalha, incansavelmente, nos corações das
mulheres e homens de boa vontade.
Acolhendo-o
em nossos corações, temos a graça de nos libertarmos de nós mesmos, de nossos
interesses mesquinhos, de nossa visão míope da realidade, de nossas ambições
desmedidas, de nossa religiosidade mentirosa e hipócrita, de nossa fé ingênua e
carente de confiança, de nosso comodismo diante das injustiças que assolam a
sociedade, enfim, de nossa covardia diante das necessidades de nossos irmãos e
irmãs que sofrem.
Por isso, acolhamos o convite do profeta Isaías:
Busquemos a Deus e o invoquemos; abandonemos nosso mau proceder e nossas
vergonhosas maquinações contra o próximo; voltemos para o Senhor, pois, afinal
de contas, como nos ensina Paulo: “Só uma
coisa importa: vivei à altura do evangelho de Cristo”. Este viver à altura
do evangelho de Cristo passa, necessariamente, pelo caminho de Jesus. Quem desconhece
este caminho jamais conseguirá viver conforme o evangelho.
Que
evangelho é este? É o evangelho da vida, da liberdade e do amor. Se nossas
palavras e ações provocam a morte, a escravidão e a falta de amor, então
estamos fora do caminho de Jesus. Não há meio termo. Não existe mais ou menos. Ou
somos quentes, ou frios, porque o morno é vomitável! O mundo carece de mulheres
e homens maduros e decididos, transparentes e corajosos, que se coloquem no
caminho de Jesus, voltando-se para o Senhor. Isto significa fazer parte do
número dos últimos, que serão os primeiros no Reino de Deus.
Se
nos deixamos dominar pelo medo e pela covardia, então sejamos, pelo menos,
sinceros, evitando certa aparência de piedade e religiosidade, que não passa de
mentira e ilusão. Que o Espírito nos fortaleça e nos mantenha de pé, livres e
acordados, na contemplação e na ação, em vista de um mundo melhor para todos e
de uma religião mais humana e fraterna.
Tiago de França
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