sábado, 18 de outubro de 2014

Dar a Deus o que é de Deus

“Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22, 21).

            No texto evangélico que será proclamado e meditado pelas comunidades cristãs católicas neste fim de semana (Mt 22, 15 – 21), Jesus se encontra diante de uma cilada: os fariseus fazem um plano para apanhá-lo em alguma palavra.  

Para este fim, uniram-se os discípulos dos fariseus e alguns do partido de Herodes, enviados por seus chefes para perguntar a Jesus, após um breve elogio: “é lícito ou não pagar o imposto a César?” Eles, certamente, esperavam uma resposta positiva, em favor de César, ou negativa, em detrimento dos pobres e oprimidos, que sofriam com a pesada carga de impostos. Felizmente, não obtiveram nenhuma das respostas que esperavam. Saíram frustrados. O plano fracassou.

            Para Jesus, não interessa, em primeiro lugar, ensinar para as pessoas a respeito do certo e do errado. Jesus não foi enviado para ser o legislador do povo de Deus. Sua missão não estava centrada em emitir pareceres legais a respeitos de questões morais e disciplinares. Legislar é tarefa dos tribunais, que o fazem, na maioria dos casos, em detrimento da vida dos excluídos.  

A consciência de cada pessoa é sua juíza, e seguindo a sua orientação toda pessoa é capaz de saber o caminho que conduz à vida. Na pregação dos pastores este aspecto será escondido porque a religião cristã possui um conjunto pesado e complexo de leis que ditam sobre o certo e o errado no que se refere a praticamente todas as dimensões da vida humana. Neste ponto, os cristãos não aprenderam a lição ensinada por Jesus: a de respeitar a liberdade humana, renunciando à imposição de leis que ditam o que as pessoas devem ou não fazer.

            Mais do que dizer o que pertence a César, precisamos saber aquilo que é de Deus. Em primeiro lugar, a vida do povo pertence a Deus. Ele é quem a concede, abundantemente. Em segundo lugar, aparece a liberdade deste povo, que precisa ser promovida e não cessada. Em terceiro lugar, vivendo a vida na liberdade, a caminhada deste povo rumo à plenitude do Reino precisa ser mantida. Trata-se de um peregrinar constante e incansável, em meio e no enfrentamento das forças opostas ao Reino de Deus.  

Este Reino pertence aos pobres do povo em marcha, um povo que acredita na libertação definitiva, que conhece o seu Deus e é por Ele conhecido e querido. Isto é de Deus. As forças humanas são incapazes de destruir esta marcha histórica, que conta com a força do Espírito, que levanta o caído, concedendo-lhe força, voz, visão e coragem. Devemos tomar o devido cuidado para não confundir todas estas coisas com a identidade religiosa. A religião tem sua importância e é chamada a se colocar a serviço das lutas do povo de Deus por libertação.

            No que tange às autoridades instituídas, três aspectos precisam ser considerados: 1) Nenhuma autoridade possui legitimidade diante de Deus se a sua ação visa à destruição das pessoas. As autoridades públicas devem visar o bem comum. O mesmo se pode dizer das leis humanas, essencialmente imperfeitas e carentes de constantes aperfeiçoamentos. Ninguém está obrigado a observar uma lei contrária à vida das pessoas.  

2) O povo detém o legítimo poder para destituir não somente as autoridades corrompidas, mas, sobretudo, rever a ordem vigente quando esta o agride em seus direitos e garantias fundamentais. Se a ordem garante a desordem, a insurreição dos pobres se torna legitimamente necessária. Isto é democraticamente legítimo.  

3) Precisamos cada vez mais continuar promovendo a separação entre as instituições religiosas e estatais. Política deve se misturar com religião, mas ambas precisam reconhecer a devida liberdade de ação e de expressão do pensamento. Neste sentido, o estado laico somente é possível quando respeita a religião, e esta só age conforme o evangelho quando não procura se impor às culturas dos povos e à ação correta das instituições estatais. Toda forma de imposição é, evangelicamente falando, nociva porque não respeita a liberdade, que é um direito inalienável.

            Por fim, é preciso afirmar com clareza o seguinte: Quando os cristãos se empenham na transformação deste mundo, promovendo a justiça do Reino de Deus, estão dando a Deus o que é de Deus. A glória de Deus é a vida e a liberdade de seu povo.  

Jesus nos ensina no seu evangelho que seu Pai e nosso Deus não nos pede o culto meramente litúrgico, mas nos pede um culto novo, alicerçado no princípio fundamental do evangelho: O amor a Ele sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Não podemos esquecer jamais que amar a Deus é amar o próximo. Podemos até celebrar o culto com toda a beleza e solenidade possível, mas este será sempre abominável aos olhos de Deus se não nos dispusermos a amá-lo no outro, nosso irmão no Cristo ressuscitado.


Tiago de França

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