quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

A linguagem desconcertante do Papa Francisco

         
            Virou notícia em muitos lugares do mundo a maneira como o papa Francisco fala às pessoas. Recentemente, foi vítima de algumas interpretações equivocadas, por parte de jornalistas e gente que se declara estudiosa. Com este breve artigo não queremos defender nem acusar o papa, Bispo de Roma, pois ele não precisa disso. Queremos aproveitar a oportunidade para aprofundar um tema importante para a evangelização cristã: o desafio da linguagem.  

Certamente, o papa deve refletir bem, como um bom jesuíta que é, antes de fazer declarações em público. É notória a sua simplicidade linguística. Quando fala é compreendido por todos: eis o segredo da boa comunicação. Após os pontificados do polonês João Paulo II e do alemão Bento XVI, marcados pela erudição teológica tradicional, aparece um argentino que fala como um bom latino-americano, marcado pela herança do Vaticano II e pelas conferências episcopais latino-americanas, especialmente a de Aparecida, da qual participou com dedicação.

            No processo de evangelização, a linguagem deve ser simples e acessível. Evangelizar é anunciar o evangelho de Jesus de Nazaré, o Messias, com palavras e obras. Estas constituem o testemunho da própria vida. Partindo desse pressuposto, entende-se que o anúncio exclui as doutrinas meramente humanas, dando total espaço ao que consideramos o núcleo fundamental do autêntico processo de evangelização cristã: a mensagem de Jesus contida no evangelho.  

Partilhar com as pessoas a genuína tradição evangélica: eis a missão da Igreja. Mantendo-se fiel a esta missão, edifica-se neste mundo o Reino de Deus. Evangeliza-se em função deste Reino. Fora disso, somente pode existir proselitismo, visando o crescimento da Igreja no mundo. Em nenhum momento encontramos Jesus pedindo ou recomendando a seus discípulos que conquistem toda a humanidade para a fundação de uma religião que deve dominar a todos. Infelizmente, há quem pense assim, mas sem nenhuma legitimação nas palavras e na prática de Jesus, o Cristo.

            Há quem pense que o anúncio somente é eficaz quando feito a partir de um discurso profundamente teológico, elaborado sistematicamente. É verdade que o profundamente teológico é muito bem-vindo e necessário, mas quando não visa ocultar o essencial. Neste sentido, o discurso teológico tradicional, alicerçado mais na doutrina eclesiástica do que na tradição evangélica, já não encontra adesão no mundo atual.  

Em todas as Igrejas cristãs, é perceptível que as pessoas já não escutam os longos discursos e as longas pregações que, geralmente, falam de tudo, exceto do evangelho de Jesus. As pessoas tem sede da verdade da palavra de Deus e esperam compreendê-la e assimilá-la. Elas não desejam ser julgadas nem condenadas por meio de discursos demasiadamente severos e impiedosos, oriundos de pessoas desencarnadas da realidade, mas desejam se encontrar com Jesus na partilha fraterna de seu testemunho libertador.

            Quando existe a proclamação deste testemunho libertador e cativante, as pessoas param, escutam e se interessam. Isto ocorre porque o evangelho de Jesus, escrito há praticamente dois milênios, constitui uma mensagem sempre atual, capaz de chegar ao coração das pessoas, transformando-as interiormente. Tocadas pela mensagem de Jesus, o discipulado torna-se realidade e a semente do Reino germina e cresce, frutificando na história.

Identificadas com a mensagem de Jesus, as pessoas descobrem o sentido da vida e da verdadeira felicidade e se colocam nas fileiras dos que sobem nos telhados para proclamar esta Boa Notícia ao mundo. Este deve ser o convencimento a ser acolhido na Igreja atual. Sem esta abertura à construção do que passou a se chamar Nova Evangelização, o culto cristão em nossas Igrejas continuará se transformando numa repetição exaustiva de ideias sem nenhuma repercussão na realidade da vida do povo de Deus.  

            A mensagem de Jesus é um escândalo para o mundo. Este tende a julgar, condenar e excluir as pessoas. Há uma cultura da eliminação dos frágeis e dos pecadores. O sistema capitalista mata impiedosamente. A ideologia da riqueza e a cultura do descartável afetam gravemente a vida humana e a de toda a criação. Atualizar a mensagem de Jesus é caminhar na contramão deste mundo cruel e desumano.  

As forças do anti-Reino são fortes e assassinas, e os discípulos de Jesus de Nazaré precisam enfrentá-las. A mensagem evangélica inaugura uma humanidade nova, construída sob o sinal do amor, da fé e da esperança. A Igreja precisa assumir, com coragem e ousadia, a construção desta nova humanidade, sendo instrumento de salvação no meio do mundo. Inevitavelmente, trata-se de uma missão arriscada, que exige a participação de pessoas generosas, corajosas e audaciosas.

            O papa Francisco tem se mostrado bastante consciente deste compromisso evangelizador. Seus gestos e palavras explicitam uma mensagem de justiça, unidade e paz. Apesar dos limites do ofício, tem se esforçado para indicar o caminho da necessária abertura ao mundo. Esta abertura sempre foi um desafio para a Igreja, que tem uma tendência ao fechamento e à desconfiança.  

Por outro lado, a Igreja precisa ter cuidado com as ideologias humanas, que tendem ao enfraquecimento e erradicação da mensagem evangélica. Esta não tem aceitação e acolhida por aqueles que estão dominados pelas ideologias que legitimam os poderes opressores do mundo. Não se trata de meras palavras ou discursos sobre o legítimo conteúdo do evangelho, mas do anúncio que transforma e cria um mundo novo.

            Alguns cardeais, bispos, padres e leigos estão insatisfeitos com o esforço do papa Francisco em abrir as portas e janelas para a entrada de novos ventos na Igreja. Trata-se de uma ala eclesial denominada conservadora. Costumam ser aqueles que se apegam à instituição eclesiástica em detrimento do evangelho. Desejam salvar a religião. É verdade que esta é necessária. As religiões sempre fizeram parte da vida humana e possuem o seu lugar na história. 

O grande perigo, no caso da religião cristã, é o apego às estruturas institucionais. Quando há apego às estruturas, o ser humano fica em segundo plano. E Jesus ensinou justamente o oposto: as pessoas são filhas de Deus, sua imagem e semelhança; incomparavelmente mais importantes que qualquer estrutura e/ou sistema de poder. Neste sentido, o papa tem demonstrado preocupação com o cuidado que se deve ter com as pessoas e com toda a criação. Isto é profundamente evangélico.

            O papa atual aponta para uma urgente reforma da Igreja. Esta não se encerra na sua pessoa, ou seja, a Igreja não é o papa, mas povo de Deus em marcha na história. Um povo é constituído por pessoas que vivem em contextos e culturas diferentes. Isto significa que os membros do povo de Deus precisam participar da reforma da Igreja. A história mostra que as reformas sempre foram feitas pelos clérigos distantes do povo, como se a Igreja fosse o clero. Este faz parte do povo de Deus. Não é dono da Igreja nem pode comportar-se como corpo separado do povo. Era assim antes do Concílio Vaticano II e é assim que muita gente deseja que continuasse sendo.  

O espírito de comunhão e participação evidenciados nos documentos do Vaticano II precisa se transformar em realidade na Igreja. Somente assim a reforma será possível. Praticamente, cinquenta anos após o Vaticano II, a Igreja está tendo a oportunidade de ter um papa que se apresenta como um operário da vinha do Senhor disposto a contribuir com a conversão da Igreja ao evangelho. Isto não costuma se repetir muitas vezes na história. Sem sombras de dúvidas, é um apelo do Espírito à Igreja. Como todo apelo que surge, terá sua duração e passará. O que ficará da passagem de Francisco na Igreja?... O passado, em muitos aspectos, nos angustia. O presente desperta esperança. O futuro somente Deus sabe.

 Tiago de França 

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