Virou notícia em muitos
lugares do mundo a maneira como o papa Francisco fala às pessoas. Recentemente,
foi vítima de algumas interpretações equivocadas, por parte de jornalistas e
gente que se declara estudiosa. Com este breve artigo não queremos defender nem
acusar o papa, Bispo de Roma, pois ele não precisa disso. Queremos aproveitar a
oportunidade para aprofundar um tema importante para a evangelização cristã: o
desafio da linguagem.
Certamente,
o papa deve refletir bem, como um bom jesuíta que é, antes de fazer declarações
em público. É notória a sua simplicidade linguística. Quando fala é
compreendido por todos: eis o segredo da boa comunicação. Após os pontificados
do polonês João Paulo II e do alemão Bento XVI, marcados pela erudição
teológica tradicional, aparece um argentino que fala como um bom latino-americano,
marcado pela herança do Vaticano II e pelas conferências episcopais latino-americanas,
especialmente a de Aparecida, da qual participou com dedicação.
No processo de evangelização, a linguagem deve ser
simples e acessível. Evangelizar é anunciar o evangelho de Jesus de Nazaré, o
Messias, com palavras e obras. Estas constituem o testemunho da própria vida. Partindo
desse pressuposto, entende-se que o anúncio exclui as doutrinas meramente
humanas, dando total espaço ao que consideramos o núcleo fundamental do autêntico
processo de evangelização cristã: a mensagem de Jesus contida no evangelho.
Partilhar
com as pessoas a genuína tradição evangélica: eis a missão da Igreja. Mantendo-se
fiel a esta missão, edifica-se neste mundo o Reino de Deus. Evangeliza-se em
função deste Reino. Fora disso, somente pode existir proselitismo, visando o
crescimento da Igreja no mundo. Em nenhum momento encontramos Jesus pedindo ou
recomendando a seus discípulos que conquistem toda a humanidade para a fundação
de uma religião que deve dominar a todos. Infelizmente, há quem pense assim,
mas sem nenhuma legitimação nas palavras e na prática de Jesus, o Cristo.
Há quem pense que o anúncio somente é eficaz quando feito
a partir de um discurso profundamente teológico, elaborado sistematicamente. É verdade
que o profundamente teológico é muito bem-vindo e necessário, mas quando não
visa ocultar o essencial. Neste sentido, o discurso teológico tradicional,
alicerçado mais na doutrina eclesiástica do que na tradição evangélica, já não
encontra adesão no mundo atual.
Em
todas as Igrejas cristãs, é perceptível que as pessoas já não escutam os longos
discursos e as longas pregações que, geralmente, falam de tudo, exceto do
evangelho de Jesus. As pessoas tem sede da verdade da palavra de Deus e esperam
compreendê-la e assimilá-la. Elas não desejam ser julgadas nem condenadas por
meio de discursos demasiadamente severos e impiedosos, oriundos de pessoas
desencarnadas da realidade, mas desejam se encontrar com Jesus na partilha
fraterna de seu testemunho libertador.
Quando existe a proclamação deste testemunho libertador e
cativante, as pessoas param, escutam e se interessam. Isto ocorre porque o
evangelho de Jesus, escrito há praticamente dois milênios, constitui uma
mensagem sempre atual, capaz de chegar ao coração das pessoas, transformando-as
interiormente. Tocadas pela mensagem de Jesus, o discipulado torna-se realidade
e a semente do Reino germina e cresce, frutificando na história.
Identificadas
com a mensagem de Jesus, as pessoas descobrem o sentido da vida e da verdadeira
felicidade e se colocam nas fileiras dos que sobem nos telhados para proclamar
esta Boa Notícia ao mundo. Este deve ser o convencimento a ser acolhido na
Igreja atual. Sem esta abertura à construção do que passou a se chamar Nova
Evangelização, o culto cristão em nossas Igrejas continuará se transformando
numa repetição exaustiva de ideias sem nenhuma repercussão na realidade da vida
do povo de Deus.
A mensagem de Jesus é um escândalo para o mundo. Este tende
a julgar, condenar e excluir as pessoas. Há uma cultura da eliminação dos
frágeis e dos pecadores. O sistema capitalista mata impiedosamente. A ideologia
da riqueza e a cultura do descartável afetam gravemente a vida humana e a de
toda a criação. Atualizar a mensagem de Jesus é caminhar na contramão deste
mundo cruel e desumano.
As
forças do anti-Reino são fortes e assassinas, e os discípulos de Jesus de
Nazaré precisam enfrentá-las. A mensagem evangélica inaugura uma humanidade
nova, construída sob o sinal do amor, da fé e da esperança. A Igreja precisa
assumir, com coragem e ousadia, a construção desta nova humanidade, sendo
instrumento de salvação no meio do mundo. Inevitavelmente, trata-se de uma
missão arriscada, que exige a participação de pessoas generosas, corajosas e
audaciosas.
O papa Francisco tem se mostrado bastante consciente
deste compromisso evangelizador. Seus gestos e palavras explicitam uma mensagem
de justiça, unidade e paz. Apesar dos limites do ofício, tem se esforçado para indicar
o caminho da necessária abertura ao mundo. Esta abertura sempre foi um desafio
para a Igreja, que tem uma tendência ao fechamento e à desconfiança.
Por
outro lado, a Igreja precisa ter cuidado com as ideologias humanas, que tendem
ao enfraquecimento e erradicação da mensagem evangélica. Esta não tem aceitação
e acolhida por aqueles que estão dominados pelas ideologias que legitimam os
poderes opressores do mundo. Não se trata de meras palavras ou discursos sobre
o legítimo conteúdo do evangelho, mas do anúncio que transforma e cria um mundo
novo.
Alguns cardeais, bispos, padres e leigos estão
insatisfeitos com o esforço do papa Francisco em abrir as portas e janelas para
a entrada de novos ventos na Igreja. Trata-se de uma ala eclesial denominada
conservadora. Costumam ser aqueles que se apegam à instituição eclesiástica em
detrimento do evangelho. Desejam salvar a religião. É verdade que esta é
necessária. As religiões sempre fizeram parte da vida humana e possuem o seu
lugar na história.
O
grande perigo, no caso da religião cristã, é o apego às estruturas
institucionais. Quando há apego às estruturas, o ser humano fica em segundo
plano. E Jesus ensinou justamente o oposto: as pessoas são filhas de Deus, sua
imagem e semelhança; incomparavelmente mais importantes que qualquer estrutura
e/ou sistema de poder. Neste sentido, o papa tem demonstrado preocupação com o
cuidado que se deve ter com as pessoas e com toda a criação. Isto é
profundamente evangélico.
O papa atual aponta para uma urgente reforma da Igreja. Esta
não se encerra na sua pessoa, ou seja, a Igreja não é o papa, mas povo de Deus
em marcha na história. Um povo é constituído por pessoas que vivem em contextos
e culturas diferentes. Isto significa que os membros do povo de Deus precisam participar
da reforma da Igreja. A história mostra que as reformas sempre foram feitas pelos
clérigos distantes do povo, como se a Igreja fosse o clero. Este faz parte do
povo de Deus. Não é dono da Igreja nem pode comportar-se como corpo separado do
povo. Era assim antes do Concílio Vaticano II e é assim que muita gente deseja
que continuasse sendo.
O
espírito de comunhão e participação evidenciados nos documentos do Vaticano II
precisa se transformar em realidade na Igreja. Somente assim a reforma será
possível. Praticamente, cinquenta anos após o Vaticano II, a Igreja está tendo
a oportunidade de ter um papa que se apresenta como um operário da vinha do
Senhor disposto a contribuir com a conversão da Igreja ao evangelho. Isto não
costuma se repetir muitas vezes na história. Sem sombras de dúvidas, é um apelo
do Espírito à Igreja. Como todo apelo que surge, terá sua duração e passará. O que
ficará da passagem de Francisco na Igreja?... O passado, em muitos aspectos,
nos angustia. O presente desperta esperança. O futuro somente Deus sabe.
Tiago de França
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